terça-feira, 5 de julho de 2016

[4, 5 e 6] CARTÃ AOS IRMÃOS

“Carta aos irmãos”

Parte 1.3

Terceira Civilização, Edição 503, 01/07/2010 / Estudo

Superemos todos os obstáculos por meio de uma firme e constante fé

O Sutra de Lótus é o coração dos oitenta mil ensinos e a essência das doze divisões das escrituras. Os budas de todas as três existências atingem a iluminação porque tomam esse sutra como mestre. Os budas das dez direções conduzem os seres vivos empregando o ensino do veículo único [o Sutra de Lótus] como seus olhos.
***
[Deixarei agora de lado minha análise sobre o significado do Sutra de Lótus como um ensino.]
[Em outro apontamento,] é extremamente difícil encontrar uma pessoa que exponha este sutra tal como ele ensina. O feito é ainda mais difícil do que uma tartaruga de um único olho conseguir encontrar um pedaço de madeira de sândalo flutuando no mar, ou do que alguém ser capaz de suspender o monte Sumeru com uma fibra extraída do caule de lótus.
***
Assim, os seguidores do Sutra de Lótus deveriam temer aqueles que tentam obstruir sua prática mais do que aos bandidos, arrombadores, ladrões noturnos, tigres, lobos ou leões — mais até que a atual invasão dos mongóis. Este mundo é a morada do Rei Demônio do Sexto Céu. Todas as pessoas têm sido governadas pelo Rei Demônio desde o tempo sem início. Ele não apenas construiu a prisão dos vinte e cinco domínios da existência nos seis caminhos e confinou nela a humanidade, mas também transformou esposas e filhos em algemas, e pais e soberanos em redes que escondem os céus. A fim de enganar a mente da verdade da natureza de Buda, ele induz as pessoas a beber o vinho da avareza, da ira e da estupidez e as alimenta somente com os pratos do mal que as deixam prostradas no chão dos três maus caminhos. Quando encontra as pessoas que mudaram o coração para o bem, ele age para detê-las.

Ele [o Rei Demônio do Sexto Céu] está determinado a fazer os seguidores do Sutra de Lótus caírem na desgraça; porém, quando fracassa, tenta enganá-los desviando-os para o Sutra Guirlanda de Flores, que se assemelha ao Sutra de Lótus.

Foi isso o que fizeram Tu-shun, Chih-yen, Fa-tsang e Ch’eng-kuan. Assim, Chia-hsiang e Seng-ch’üan foram os maus amigos [ou influências negativas] que ardilosamente induziram os seguidores do Sutra de Lótus a retroceder aos sutras da Sabedoria. Do mesmo modo, Hsüan-tsang e Tz’u-en levaram-nos ao Sutra dos Profundos Segredos, enquanto Shan-wu-wei, Chin-kang-chih, Pu-k’ung, Kobo, Jikaku e Chisho persuadiram--nos a seguir o sutra Mahavairochana. Bodhidharma e Hui-k’o desviaram-nos para a escola Zen, enquanto Shan-tao e Honen induziram-nos a seguir o Sutra da Meditação. Em cada um dos casos, o Rei Demônio do Sexto Céu se apoderou desses homens de sabedoria para enganar as pessoas de bem. É isso que o Sutra de Lótus quer dizer quando afirma em seu quinto volume: “Demônios malignos se apossarão das pessoas”.1

O grande demônio da escuridão fundamental pode até entrar no corpo dos bodhisattvas que atingiram a iluminação quase perfeita e impedi-los de chegar ao benefício da perfeita iluminação do Sutra de Lótus. Com que facilidade então não lhe será possível impedir as pessoas que estão nos estágios inferiores da prática?! O Rei Demônio vale-se do corpo das esposas e dos filhos para que eles desviem seus maridos ou pais do caminho correto. Ele também se apodera do soberano a fim de ameaçar o devoto do Sutra de Lótus, ou dos pais e das mães, e os fazem repreender seus devotados filhos.

(WND, v. 1, pp. 493-496.)

Explanação

“O grande empreendimento do Kossen-rufu é uma luta contra as funções maléficas. Não podemos nos permitir retroceder diante dos ataques. Se deixarmos que essas funções nos vençam, a humanidade viverá eternamente envolta na escuridão.” Esta foi a poderosa declaração de meu mestre Jossei Toda, segundo presidente da Soka Gakkai, cujas palavras levam implícita uma mensagem de importância fundamental para a posteridade.

Toda sensei jamais retrocedeu um único passo na luta contra as forças maléficas que visam a obstruir a correnteza do kosen-rufu. Ele as combateu tenazmente, decidido a detê-las. A felicidade de todas as pessoas era o objetivo de meu mestre. Por desejar livrar o mundo do sofrimento e da miséria, ele se dedicou de corpo e alma para reprimir todas as funções negativas que infligiam dor e tormento à humanidade. Até o fim da vida, ele liderou o kosen-rufu como um supremo comandante.

Em particular, em 1957, um ano antes da morte do presidente Toda — em que culminaram muitas das aspirações em relação ao nosso movimento —, a Soka Gakkai foi implacavelmente açoitada por uma série de obstáculos. Criou-se um cenário referido nos escritos budistas como “três obstáculos e quatro maldades”.2 Além das hostilidades e da perseguição que representaram para nossos companheiros o Incidente do Sindicato dos Mineradores de Carvão de Yubari3 e o Incidente de Osaka,4 — a condição de saúde do Sr. Toda se agravou. O presidente de nossa organização nunca havia estado tão doente.

Mas ele sempre discernia a verdadeira natureza de todos os acontecimentos da perspectiva do Buda e da Lei. Certa ocasião, o Sr. Toda disse: “Estamos para concretizar o objetivo de 750 mil famílias em nossa organização. Assim, é natural que as funções negativas disputem umas contra as outras para tentar impedir nosso avanço. A maldade da doença que neste momento está me incomodando é apenas um impedimento menor. Se eu permitir que esse mal insignificante me derrote, jamais poderei realizar o kosen-rufu”.

Toda sensei enfrentava os ataques das funções maléficas com uma postura intrépida. Ele declarou num outro momento: “Minha doença é um grande exemplo de amenização do efeito cármico”.5 Estou convicto de que, devido a essa doença, as imensas dificuldades que a Soka Gakkai teria de enfrentar foram reduzidas”.

Fiel a sua forte convicção, o presidente Toda superou a crise de saúde que o ameaçava. Para celebrar sua recuperação, ele ofereceu um jantar especial no dia de seu 58º aniversário, em 11 de fevereiro de 1958. Dessa forma, depois de ter conquistado a vitória contra a maldade da doença, o Sr. Toda entregou o bastão do Kossen-rufu aos jovens sucessores, no dia 16 de março. Tendo cumprido a nobre missão neste mundo, ele faleceu em 2 de abril, num estado de absoluta paz espiritual.

Este ano marcará o 51º aniversário de falecimento de meu mestre. No dia em que ele morreu, eu, seu discípulo, jurei dedicar a vida para saldar a ele a imensa dívida de gratidão.

As cinco diretrizes eternas da Soka Gakkai

Em dezembro de 1957, em plena batalha do Sr. Toda contra a doença, a Soka Gakkai finalmente concretizou o objetivo de 750 mil famílias, o qual solenemente ele havia jurado atingir durante sua existência.

Na reunião de dirigentes daquele mês, momento em que anunciou a realização de seu juramento, o Sr. Toda dedicou aos estimados companheiros de fé o que mais tarde seriam conhecidas como as “três diretrizes eternas da Soka Gakkai”. São elas:

(1) Prática da fé para criar harmonia familiar.

(2) Prática da fé para conquistar a felicidade.

(3) Prática da fé para vencer as dificuldades.

Cada uma dessas breves diretrizes abrange de forma concisa um importante propósito da fé e o espírito essencial com que devemos praticar o budismo.

Meu mestre havia confiado a mim a realização de todos os seus planos e sonhos. Assim, quando assumi a terceira presidência da Soka Gakkai (em 3 de maio de 1960), decidi reafirmar essas diretrizes nos discursos de ano-novo nos quais apresentei os planos gerais de nosso movimento, não só de 1961 como também de 1962. Sabia que se perdêssemos de vista o propósito essencial da prática budista tal como o Sr. Toda nos havia ensinado, correríamos o risco de sermos vencidos pelas funções da maldade, de cair na apatia, na estagnação e, por fim, de perder totalmente a fé.

Em 2003, já iniciado o novo século, voltei a afirmar a essência das diretrizes estabelecidas pelo mestre Toda, e agreguei a elas mais duas:

(4) Prática da fé para manter a boa saúde e obter longevidade.

(5) Prática da fé para alcançar a vitória infalível.

Juntas, elas formam as cinco diretrizes eternas — que concentram a esperança e a convicção do mestre Toda e a minha. Contêm os ingredientes vitais para a consecução do estado de Buda nesta existência, pois estão imbuídas de nossa oração focada nos membros do mundo inteiro para que venham a dedicar a vida ao Kossen-rufu sem serem vencidos pelos obstáculos e a atingir um estado de absoluta felicidade.

“Carta aos Irmãos” é um escrito que meu mestre e eu estudamos juntos como texto imprescindível para aprender a postura correta na fé. Nele, Nitiren Daishonin expõe aos seguidores como atingir o estado de Buda e como triunfar sobre todas as funções da maldade — seja as que se apresentem sob a forma dos três obstáculos e das quatro maldades, seja como funções do Rei Demônio do Sexto Céu.6 Ele nos exorta a fazer isso empenhando-nos na fé com o mesmo comprometimento que ele manteve e firmemente unidos com nossos companheiros. Podemos dizer que esse escrito é a base ou a fonte das cinco diretrizes eternas da Soka Gakkai.

Se não triunfarmos na luta contra as funções maléficas, não poderemos conquistar a verdadeira harmonia, felicidade, saúde, longevidade ou vitória — objetivos que representam o coração dessas cinco diretrizes. Nesta primeira parte da explanação e nas duas subsequentes, vamos analisar “Carta aos irmãos” e aprender a fórmula para a vitória total que Nitiren Daishonin revela a seus seguidores.

Os grandes obstáculos são o caminho direto para atingir o estado de Buda e transformar o carma

Começarei explicando alguns pontos referentes aos destinatários desta carta e as circunstâncias que eles estavam enfrentando.

A carta é dirigida aos dois irmãos Munenaka e Munenaga Ikegami. Não se sabe com exatidão quando se converteram ao ensino de Nitiren Daishonin, mas, no geral, são considerados entre os primeiros discípulos do Buda. Os irmãos pertenciam ao clã Ikegami, uma proeminente família de samurais que se dedicava, como empreiteira, à construção de importantes obras públicas a pedido do governo.10 O pai, Yasumitsu Ikegami [fervoroso seguidor de Ryokan, prior do templo Gokuraku da escola Preceitos-Verdadeira Palavra], se opunha à fé dos filhos e, por essa razão, havia deserdado o mais velho, Munenaka.

Na sociedade feudal e na classe dos samurais da época, ser deserdado era uma sanção de extrema gravidade. Não apenas significava a perda dos direitos de sucessão, mas também da posição social e do sustento econômico. Além do mais, neste caso em particular, como somente o filho mais velho havia sido deserdado, para o mais novo isso representava a oportunidade de ocupar o lugar e herdar ao pai, caso aceitasse abandonar a fé. Estava claro que se tratava de uma tática astuta do pai para enfraquecer a fé e a determinação do filho caçula.

Nitiren Daishonin escreveu esta carta em resposta à notícia de que Munenaka fora deserdado. Nas páginas deste escrito, ensina aos irmãos Ikegami que os obstáculos que tinham diante deles eram consequência inevitável da firme fé no Sutra de Lótus, e que o caminho para atingir o estado de Buda só poderia ser encontrado na luta contra as funções da maldade de acordo com o Sutra.

Nos parágrafos iniciais, Daishonin ressalta a superioridade do Sutra de Lótus sobre todos os demais ensinos do Buda Sakyamuni. O Sutra de Lótus, explica, é o “coração” do enorme conjunto de sutras conhecido como os “oitenta mil ensinos” e a “essência” dos ensinos do Buda referidos como as “doze divisões das escrituras”. Ele ainda diz que não apenas todos os budas através do tempo e do espaço atingem a iluminação adotando esse sutra como mestre, mas que também guiam os seres vivos a esse objetivo, expondo o ensino do Sutra de Lótus.

Podemos deduzir que Daishonin começa a esclarecer o significado da fé desse modo devido à gravidade da situação em que os irmãos se encontravam. Ensina que a convicção para superar qualquer adversidade deriva da convicção e da alegria que uma pessoa sente quando reconhece profundamente o valor supremo de praticar o Sutra de Lótus.

O Buda Nitiren Daishonin prossegue analisando diversos pontos de vista das graves consequências de abandonar a fé no Sutra de Lótus. A razão de o abandono a este ensino ser uma grave falta é que “o Sutra de Lótus representa os olhos de todos os budas. É o mestre original do Buda Sakyamuni, o lorde dos ensinos”.11 Em outras palavras, abandonar a fé é descartar o ensino supremo.

Num nível mais profundo, abandonar o Sutra de Lótus equivale a rechaçar os princípios fundamentais que o Sutra incorpora, como a iluminação universal, o respeito a todas as pessoas e a convivência harmoniosa. Quando nos comportamos dessa forma, intensificamos em nossa vida os três venenos — avareza, ira e estupidez12 — ações contrárias à Lei suprema, e somos facilmente dominados pela escuridão e destinados a transitar pelos estados inferiores da existência.

Daishonin procura conscientizar os irmãos Ikegami da importância da fé absoluta no Sutra de Lótus, explicando-lhes que seria uma gravíssima ofensa desprezar “uma única palavra ou mesmo um único traço do Sutra”.13 Nessa admoestação, sentimos a imensa benevolência do Buda. Por todos os meios possíveis ele procura convencer os irmãos a jamais pensar em abandonar a fé naquele momento decisivo para a vida deles.

A dificuldade de encontrar um verdadeiro mestre

Tendo analisado o significado do ensino do Sutra de Lótus, ou da Lei, Nitiren Daishonin focaliza a importância das pessoas que expõem e praticam o Sutra de Lótus.

Mesmo o ensino mais sublime será em vão se não houver quem o aplique na vida. Isso está expresso na declaração de Nitiren Daishonin: “A Lei não se propaga por si só. Por ser propagada pelas pessoas, tanto as pessoas como a Lei são dignas de respeito”.16

É extremamente raro encontrar alguém “que exponha esse sutra exatamente como ele ensina”.17 Daishonin explica que encontrar um mestre assim é ainda mais difícil que realizar um feito impossível, como por exemplo, “uma tartaruga de um único olho encontrar um pedaço de madeira de sândalo flutuando no mar”, ou alguém que consiga “suspender o monte Sumeru com uma fibra extraída do caule de lótus”.

A pessoa ou o mestre mencionado aqui é o devoto do Sutra de Lótus e, especificamente, se refere a Nitiren Daishonin. É algo realmente extraordinário encontrar Daishonin neste mundo saha,18 nesta era obscura conhecida como Últimos Dias, contaminada pelas cinco impurezas.19

Do mesmo modo, é difícil que as pessoas da era posterior à morte de Daishonin possam se encontrar com um autêntico líder budista que propague a Lei Mística, a essência do Sutra de Lótus, exatamente como o Buda Nitiren Daishonin ensina. Para mim, não há alegria maior do que ter nascido neste mundo, encontrado o Sr. Toda — o grande mestre do Kossen-rufu — e o adotado como mestre. Quando conheci o Sr. Toda, soube instintivamente que podia confiar nele. Meu mestre foi a razão de eu ter iniciado a prática do Budismo de Nitiren Daishonin.

Numa das cartas que troquei com o famoso romancista e poeta japonês Yasushi Inoue (1907–1991), escrevi: “A primeira pessoa que me falou sobre o budismo foi Jossei Toda. A fé não veio primeiro, mas sim meu encontro com ele”.20 O Sr. Inoue escreveu o seguinte em resposta a uma carta na qual descrevi o encontro com o Sr. Toda e o impacto decisivo que ele teve em minha vida: “Fiquei muito comovido ao ler sua carta. (...) É muito raro as pessoas terem a oportunidade de encontrar alguém do calibre do Sr. Toda, de conhecer alguém cujas ideias coincidam com as próprias, ou de demonstrar tal devoção a um indivíduo para abrir desse modo o caminho da própria vida, e ainda amar e respeitar para sempre essa pessoa”.21

Que tesouro precioso é a relação de mestre e discípulo! Do ponto de vista do budismo, é um laço de suprema nobreza. Se não fosse pelo mestre Tsunessaburo Makiguti e por seu discípulo Jossei Toda — os dois primeiros presidentes da Soka Gakkai —, o renascimento do Budismo de Nitiren Daishonin na era moderna jamais teria ocorrido.

Eis por que a Lei, ou o ensino do Buda, vive apenas na vida dos que a praticam, e seu verdadeiro valor só se manifesta na conduta e nas ações do praticante. Se não houver pessoas que pratiquem corretamente o ensino do Buda, ou que sejam fiéis ao espírito do fundador, nenhum valor será criado por esse ensino.

Ter um mestre na fé é condição vital para se praticar corretamente. Além disso, a Lei se transmite quando os discípulos atuam com o mesmo espírito que o mestre. A relação de mestre e discípulo é a base do Budismo de Nitiren Daishonin.

Nossa rede da SGI está atualmente presente no mundo inteiro. Milhões de membros, transcendendo diferenças de idiomas e etnias, concentram esforços para expor “esse sutra exatamente como ele ensina”.22 Manter e transmitir a nobre herança de mestre e discípulo, e avançar junto com a Soka Gakkai é edificar uma vida realmente sublime e significativa. Todos os que assim fizerem, merecerão o supremo louvor de Nitiren Daishonin.

Estejamos atentos às influências negativas

A quem nós, praticantes do Sutra Lótus, realmente deveríamos temer? Nitiren Daishonin diz que em vez de temer aos bandidos, ladrões ou animais selvagens, deveríamos tomar cuidado com “aqueles que tentam obstruir a prática”.23 A quem, especificamente, ele está se referindo?

Nos parágrafos anteriores a esta passagem, Daishonin cita exemplos de respeitados mestres budistas chineses da dinastia T’ang, como Tz’u-en24 e Shan-wu-wei,25 que, em vez de abraçarem o Sutra de Lótus, depositaram fé nos ensinos provisórios do Buda. Ele observa que esses eruditos haviam, em determinado momento, reconhecido a superioridade do Sutra de Lótus, mas no fim descartaram qualquer manifestação de fé nesse sutra. A origem dessa rejeição ao Sutra de Lótus, afirma, residia no fato de se deixarem enganar por alguém que era má influência, um “mau amigo” ou “mau mestre”.

“Aqueles que tentam obstruir sua prática” nada mais são que “influências negativas”. O que os torna tão temíveis é que eles podem corromper a mente de uma pessoa e destruir a fé dela. Se os praticantes do Sutra de Lótus se deixarem influenciar pelas funções negativas ou forem enganadas pelos maus mestres, perdendo assim o compromisso com o caminho correto da fé, não poderão atingir o Caminho do Buda.

Do contrário, se mantiverem firme o juramento e compromisso, com o tempo poderão superar inclusive as piores situações mediante a força da fé. Na verdade, conforme Daishonin sempre diz, o coração é o que importa. Para nos fortalecermos interiormente e repelirmos todas as influências negativas, devemos ter sabedoria necessária para discernir essas funções destrutivas e combatê-las com bravura.

A fé é uma luta contra as funções do Rei Demônio

“Este mundo é a morada do Rei Demônio do Sexto Céu. Todas as pessoas têm sido governadas pelo Rei Demônio desde o tempo sem início”.29 Esta é uma importante passagem que revela a profunda visão de Nitiren Daishonin sobre a verdadeira natureza das funções maléficas. Eu li este trecho inúmeras vezes desde que comecei a praticar o Budismo de Nitiren Daishonin e o gravei nas profundezas de meu coração.

Nesta e em outras passagens seguintes, Daishonin esclarece que as funções do Rei Demônio do Sexto Céu são influências perniciosas, as quais os praticantes deveriam temer. Antes de tudo, ele declara que “este mundo” — o mundo saha em que vivemos —é a “morada” do Rei Demônio do Sexto Céu. Explica que isso se deve ao Rei Demônio, que reina sobre o mundo tríplice,30 do pico do mundo do desejo,31 governar a vida das pessoas desde o tempo sem início.

O Rei Demônio representa as forças negativas que manipulam a vida das pessoas a seu bel-prazer, obstruindo o bem e fazendo com que elas caiam nos maus caminhos. As funções maléficas privam os seguidores do Sutra de Lótus do benefício da prática budista e impedem que a sabedoria flua na vida deles. Destroem ainda as raízes da bondade ou do bem que eles têm cultivado, fazendo com que transmigrem pelos seis caminhos do mundo tríplice.

As forças do Rei Demônio também concebem diversas manobras para impedir o avanço das forças do Buda. Nitiren Daishonin enuncia três exemplos específicos de funções insidiosas orquestradas pelo Rei Demônio: 1) transformar esposas e filhos em algemas; 2) transformar pais e soberanos em redes que escondem os céus; 3) induzir as pessoas a beber o vinho da avareza, da ira e da estupidez para enganar a mente delas sobre a verdade da natureza de Buda.32 Esses três tipos de impedimentos correspondem aos três obstáculos: do carma, da retribuição e dos desejos mundanos.

Nas muitas perseguições extremas que se abateram sobre Daishonin, ele se viu exposto às forças negativas personificadas como Rei Demônio do Sexto Céu.

Em outro escrito [“A grande batalha”], ele diz: “O Rei Demônio do Sexto Céu armou dez tipos de exército33 e, em meio ao mar dos sofrimentos de nascimento e morte, trava uma luta contra o devoto do Sutra de Lótus para impedi-lo de tomar posse desta terra impura [o mundo saha], onde habitam pessoas comuns e veneráveis e expulsá-lo dela. Mais de vinte anos se passaram desde que passei por essa situação e comecei a grande batalha. Em nenhum momento pensei em retroceder.34

O Rei Demônio comanda os dez exércitos, trava uma batalha para impedir que o devoto do Sutra de Lótus adquira influência no mundo saha. Se esse devoto tentar se impor, apesar dos muitos ataques, o Rei Demônio emprega todos os recursos possíveis para tentar fazê-lo perder o controle. Plenamente ciente disso, Daishonin declara: “Mais de vinte anos se passaram desde que enfrentei essa situação e comecei a grande batalha. Em nenhum momento pensei em retroceder”.35 Ou seja, a vida de Daishonin foi uma luta permanente contra as forças do Rei Demônio. O Kossen-rufu sempre vincula uma luta implacável entre o estado de Buda e as funções destrutivas inerentes à vida.

A Soka Gakkai é a organização que herdou o verdadeiro espírito de Nitiren Daishonin. Como resultado, quanto mais nosso nobre movimento foi se expandindo, mais intensos foram os ataques do Rei Demônio e de outras forças negativas.

O Sr. Toda declarou: “Lutem intrepidamente contra as funções negativas! Não permitam que façam estragos! Não cedam jamais diante delas!”

Ele, junto com seu mestre, o Sr. Makiguti — dois grandes líderes do Kossen-rufu que mantiveram um compromisso inabalável com a propagação da Lei — suportaram todo o peso da perseguição. Lutaram contra a natureza maléfica da autoridade e protegeram resolutamente os companheiros de fé e a Organização. Como terceiro presidente, lutei com essa mesma postura.

Os três primeiros presidentes da Soka Gakkai travaram uma batalha incansável contra os três obstáculos e as quatro maldades e contra os três poderosos inimigos,36 e triunfaram sobre eles de forma absoluta.

Reconhecendo as influências negativas

Tal como indicam as palavras “determinado a fazer os seguidores do Sutra de Lótus caírem na desgraça”,45 o Rei Demônio do Sexto Céu recorre a todos os meios para impedir que os seguidores do Sutra de Lótus atinjam o estado de Buda. Como exemplo disso, Daishonin cita os atos dos sacerdotes de diversas escolas budistas, afirmando que eles buscam gradualmente enganar os seguidores numa tentativa de afastá-los do Sutra de Lótus e de tudo que se “assemelhe” a ele.

Nitiren Daishonin diz: “Em cada um dos casos, o Rei Demônio do Sexto Céu se apoderou desses homens de sabedoria para enganar as pessoas de bem”.46 A seguir, ele cita uma longa lista de sacerdotes de alto escalão, respeitados pelas diversas escolas budistas da época. Como todos eles desviam os sinceros praticantes do caminho correto, ele diz que, na realidade, representam “maus amigos” ou “maus mestres”, e são o exemplo perfeito de pessoas governadas pelas funções do Rei Demônio. Explica que isso se refere à passagem do 13º capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”, quando diz: “Demônios malignos se apossarão das pessoas”.47

Visto que esses sacerdotes são respeitados pela sociedade, as pessoas não conseguem discernir a verdadeira natureza deles. Ao contrário, estimam esses indivíduos de comportamento errôneo e valorizam seus ensinos, deixando que o “veneno penetre profundamente na vida delas”,48 sem se dar conta e, como resultado, desviara a “mente da verdade”.49 Isso os fazem se afastar do Sutra de Lótus e inclusive a caluniá-lo. Esse é o terrível resultado de uma sociedade cujos habitantes sucumbem às influências negativas. Em determinado momento, o juízo normal das pessoas se turva e a sociedade começa a debilitar-se. Porém, as pessoas não conseguem entender a causa disso.

O devoto do Sutra de Lótus se empenha para ensinar às pessoas a verdade sobre o veneno que tem penetrado as profundezas de seu ser, porém aqueles a quem pretende ensinar, presos à ilusão, tratam-no como um vilão. Ele, no entanto, persevera em seu desejo de revelar a face horrenda da calúnia à Lei, recorrendo ao poder da palavra e da razão embasadas no Sutra de Lótus, e a expõe para todos verem a verdadeira natureza dos mestres errôneos e de outras influências negativas. Esta é a batalha descrita no trecho em verso de vinte linhas do 13º capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”.50

Nessa passagem de “Carta aos irmãos”, Daishonin menciona, sem vacilar, o nome dos fundadores e eminentes sacerdotes de várias escolas prestigiosas da época, denunciando-os abertamente como os principais culpados de o povo ter perdido a fé no Sutra de Lótus. Ele não temia as críticas nem os insultos. Em outros escritos também o encontramos dizendo: “Deixe que me odeiem se quiserem”,51 e “Pois que digam o que quiserem a meu respeito”.52 Seu compromisso e sua determinação inabaláveis revelam que ele é o verdadeiro devoto do Sutra de Lótus. Pois sem essa atitude resoluta ninguém pode lutar contra as forças negativas inerentes à vida, personificadas pelo Rei Demônio do Sexto Céu.

O Sr. Toda, do mesmo modo, assumiu uma postura rígida com os maus sacerdotes e outras pessoas que exerciam influência destrutiva, indivíduos que haviam sucumbido às funções do Rei Demônio do Sexto Céu. De todos eles, os que cometeram a falta mais grave foram os sacerdotes corruptos e decadentes da Nitiren Shoshu, aqueles que supostamente deveriam defender e manter o ensino de Daishonin. Ele sempre alertava sem rodeios esses sacerdotes e os deixava saber claramente o que pensava deles. Por terem voltado as costas aos ensinos de Daishonin durante a Segunda Guerra Mundial e por terem insultado e abandonado o presidente Makiguti no momento mais difícil, o Sr. Toda os denunciou.

Não há como ignorar ou aceitar os que traíram e tentaram destruir o ensino correto. Esse espírito é um aspecto essencial do Budismo de Nitiren Daishonin.

Derrotar a escuridão fundamental com o poder da fé

Até este trecho, Nitiren Daishonin tem esclarecido que os “maus amigos” ou influências negativas que tentam destruir a fé das pessoas no Sutra de Lótus são personificados por “homens de sabedoria dos quais os demônios malignos se apoderam”, e que essas influências, na realidade, nada mais são que as funções do Rei Demônio do Sexto Céu.

Mas se essas pessoas são sábias, como é que o Rei Demônio pode valer-se delas? A razão é simples: elas não são vencidas pela influência externa, mas pela interna. São vencidas pela natureza maléfica conhecida como “escuridão fundamental”, que lhes é inata ou inerente. Em outro escrito [“O tratamento da doença”], Nitiren Daishonin ressalta: “A escuridão fundamental se expressa como o Rei Demônio do Sexto Céu”.56

Todas as pessoas possuem essa escuridão fundamental na vida. Nitiren Daishonin afirma que ela existe também na vida dos budas. Portanto, no caso dos bodhisattvas que se encontram no nível da iluminação quase perfeita, a escuridão fundamental de sua vida pode ativar a função do Rei Demônio e impedi-los de chegar ao estado da perfeita iluminação, ou estado de Buda. Se isso pode ocorrer com os bodhisattvas que estão no penúltimo estágio, quão mais expostos não estaríamos nós, pessoas comuns.

O Rei Demônio do Sexto Céu é o ímpeto negativo que reside nas profundezas da vida das pessoas. É a negatividade ou a natureza destrutiva que dá origem ao desejo de controlar os demais, inclusive de tirar-lhes a vida, que causa a destruição e a guerra. Para derrotar essa natureza maléfica, precisamos fazer com que a natureza do Darma ou a natureza fundamental da iluminação,57 que existe em nós junto com a escuridão fundamental, se manifeste. Para isso, é imprescindível continuarmos a nos empenhar na fé, praticando o Budismo de Nitiren Daishonin e compartilhando-o com os demais.

Em uma de suas explanações, o presidente Toda comentou sobre o fato de, no Gohonzon estar inscrito o nome do Rei Demônio do Sexto Céu: “O Rei Demônio do Sexto Céu está representado no Gohonzon. Assim, quando oramos ao supremo objeto de devoção, o Rei Demônio obedece ao Gohonzon [à Lei de Nam-myoho--rengue-kyo]. O Rei Demônio ordenará aos líderes dessa força insidiosa que se detenham. O potencial originalmente iluminado do Rei Demônio se manifesta por meio do Gohonzon. De fato, todas as entidades [nele representadas] mostram os dignos atributos inatos quando são iluminados pelo Nam-myoho-rengue-kyo”.

Ele prosseguiu dizendo: “O Rei Demônio do Sexto Céu então se converte pela primeira vez numa entidade que ajuda e beneficia as pessoas.” Essas observações se relacionam com um profundo princípio que é a essência do Budismo de Nitiren Daishonin.

No Registro dos Ensinos Orais consta: “A palavra ‘fé’ é a espada afiada com a qual se enfrenta e vence a escuridão ou ignorância fundamental”.58 Como a frase indica, o que nos permite vencer a escuridão fundamental é a espada afiada da fé. Isso significa perseverarmos e desafiarmos na fé por toda a nossa vida. Significa reconhecer as funções demoníacas tal como se apresentam, e fazer surgir constantemente a natureza fundamental da iluminação que existe em nosso interior. Mediante a fé que se aprofunda a cada dia, a cada mês, podemos erradicar de nossa vida, num nível essencial, as funções da escuridão ou da ignorância.

Por isso é tão importante ter um mestre na fé que nos ofereça orientação correta. O Sr. Toda frequentemente me dizia: “Se você é um verdadeiro discípulo, deve seguir meus passos até o fim, sem temer nenhuma adversidade. Não deve ser vencido jamais”. Todos os dias tenho me empenhado e persistido, tal como meu mestre me ensinou, e tenho sido capaz de vencer todas as funções destrutivas.

O espírito de mestre e discípulo é uma poderosa força motriz para vencer todo tipo de função negativa. Em contraste, os que perdem de vista essa postura e se esquecem da dívida de gratidão para com o mestre, acabarão consumidos cada vez mais pela própria escuridão fundamental até se tornar um súdito dos seguidores do Rei Demônio.

A postura de fé necessária para combater as funções maléficas é não temer a nada, haja o que houver; é negar-se a sucumbir à escuridão ou à negatividade. Com essa atitude, sem falta, venceremos. Esse é o segredo de uma vida de triunfo.

Vencer os três obstáculos e as quatro maldades para atingir o estado de Buda

Nitiren Daishonin esclarece que as funções do Rei Demônio também se manifestam sob a forma de oposição dos pais, dos cônjuges e filhos, e inclusive das autoridades seculares, com o intuito de obstruir a prática de quem crê no Sutra de Lótus.

Sem dúvida, a frase “O Rei Demônio vale-se (...) dos pais e das mães, e os fazem repreender os devotados filhos”,59 tocou o coração dos irmãos Ikegami. Pois a situação na qual se encontravam tinha muito a ver com os esquemas do sacerdote Ryokan,60 do templo Gokuraku, e com outras influências negativas.

Daishonin também afirma que o pai deles, Yasumitsu,61 havia da mesma forma sucumbido à influência do Rei Demônio do Sexto Céu, que os estava atacando com o propósito de lhes obstruir a fé. Portanto, Nitiren Daishonin orienta os irmãos a discernir a verdadeira natureza dessas funções maléficas, que, em nenhuma circunstância, deveriam render-se à influência delas.

Em “Carta aos irmãos” e em muitos outros escritos, Daishonin oferece orientação e alento incansáveis aos discípulos que estavam sendo pressionados a escolher entre a fé e a devoção filial. A verdadeira devoção filial consiste em, como filho, atingir o estado de Buda seguindo o supremo ensino budista e, desse modo, conduzir os pais à felicidade eterna.

Os irmãos Ikegami mantiveram a fé exatamente como o mestre lhes ensinou, e triunfaram de maneira esplêndida sobre todas as dificuldades e todos os obstáculos que se ergueram diante deles.

Hoje, enquanto o mundo se debate em crises econômicas sem precedentes, vemo-nos expostos a obstáculos de todos os tipos. Por essa razão, é imperativo que triunfemos em nosso coração e recitemos Daimoku constantemente durante esse processo. Quando estabelecermos a “fé para superar obstáculos” como a base de nossa vida, transformaremos definitivamente o negativo em algo positivo, de acordo com o princípio de “transformar o veneno em remédio”. Também poderemos, sem falta, transformar nosso carma, atingir o estado de Buda nesta existência e abrir mais e mais o caminho do Kossen-rufu.

Assim, triunfemos com um coração profundamente arraigado na fé, e celebremos o dia 3 de maio vitoriosos. Tenhamos cada um de nós a forte decisão de no 80º aniversário da Soka Gakkai, em 2010, mostrar provas concretas de grande vitória.

(Daibyakurengue, edição de abril de 2009.)


NOTAS

1. LS, cap. 13, p. 194.

2. Três obstáculos e quatro maldades: Vários obstáculos e impedimentos à prática budista. São classificados no Sutra do Nirvana e no Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria, de Nagarjuna. Os três obstáculos são: (1) o obstáculo dos desejos mundanos, que surgem dos três venenos — avareza, ira e estupidez; (2) o obstáculo do carma, ou resistências derivadas do mau carma criado por ter cometido algum dos cinco atos malignos ou dos dez maus atos; (3) o obstáculo da retribuição, causado pelos efeitos cármicos negativos de ações cometidas nos três maus caminhos (estados de Inferno, Fome e Animalidade). As quatro maldades são: (1) o impedimento dos cinco componentes ou obstruções causadas por nossas funções físicas e mentais; (2) impedimento dos desejos mundanos ou obstruções causadas pelos três venenos (avareza, ira e estupidez); e (3) impedimento da morte, devido à própria morte do praticante ou à morte prematura ou intempestiva de um seguidor, gerando dúvidas nos demais; e (4) impedimento do Rei Demônio do Sexto Céu, função destrutiva que se vale de diversas pessoas e circunstâncias para fazer com que o praticante budista abandone a fé. É considerado como o impedimento mais difícil de se superar.

3. Incidente do Sindicato dos Mineradores de Carvão de Yubari: Caso de flagrante discriminação religiosa em que os mineiros de Yubari foram ameaçados de serem despedidos do trabalho pelo fato de pertencerem à Soka Gakkai.

4. Incidente de Osaka: Ocasião em que o presidente Ikeda, então coordenador da Secretaria da Divisão dos Jovens, foi preso e acusado injustamente de ter violado a lei eleitoral na votação para a Câmara dos Vereadores em Osaka, no ano de 1957. No fim do julgamento, que durou quase cinco anos, ele foi totalmente absolvido das acusações.

5. Amenização do efeito cármico: Princípio segundo o qual uma pessoa pode experimentar de forma atenuada os efeitos do mau carma gerado no passado por meio da fé e da prática budista.

6. Rei Demônio do Sexto Céu: Também chamado “Rei Demônio” ou “Demônio Celestial”. Soberano das funções maléficas que habita o sexto céu, o mais elevado dos seis mundos do desejo. É referido como “Demônio que se Regozija em Manipular Livremente as Pessoas e em Usurpar o Fruto dos Esforços Delas”. Função manipuladora da mente das pessoas. O Demônio do Sexto Céu é servido por incontáveis funções subsidiárias que visam a impedir a prática budista, consumindo a vitalidade dos seguidores. Personifica a tendência negativa de impor a própria vontade aos demais a qualquer custo.

7. Oitenta mil ensinos: Também denominado oitenta mil ensinos sagrados e oitenta e quatro mil ensinos. A totalidade dos ensinos expostos pelo Buda

Sakyamuni durante sua existência. O número é frequentemente citado como “oitenta e quatro mil”. Esse cálculo não é exato. É usado para indicar simplesmente um número muito grande.

8. Doze divisões das escrituras: Classificação dos ensinos do Buda Sakyamuni de acordo com o conteúdo e o estilo de apresentação. O termo “doze divisões das escrituras” costuma ser empregado no mesmo sentido que os “oitenta mil ensinos”, para indicar o conjunto de doutrinas expostas pelo Buda.

9. Budas das dez direções: As oito direções da bússola mais o zênite e o nadir.

10. Esse dado se baseia em pesquisas recentes. Até então, acreditava-se que os membros do clã Ikegami ocupavam importantes cargos na Secretaria de Construção e Manutenção do governo militar de Kamakura, mas os estudos mostram que não foi exatamente assim.

11. WND, v. 1, p. 494.

12. Três venenos da avareza, ira e estupidez: Males fundamentais inerentes à vida que originam o sofrimento humano. Na obra Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria, de Nagarjuna, os três venenos são vistos como a fonte de todas as ilusões e de todos os desejos mundanos. São assim chamados porque contaminam a vida das pessoas e as impedem de voltar o coração e a mente para o bem.

13. Cf. WND, v. 1, p. 494.

14. Uma metáfora que consta no 27º capítulo do Sutra de Lótus, “Rei Adorno Maravilhoso”, para indicar que é extremamente raro uma pessoa encontrar o Buda e os ensinos dele. A dificuldade é muito maior do que a encontrada por uma tartaruga de um olho só a procura de um tronco de sândalo flutuando no mar, com uma concavidade do tamanho exato para acomodá-la.

15. Uma metáfora para uma ação impossível. Na cosmologia indiana, o monte Sumeru é um pico monumental que se eleva do centro do mundo.

16. “Hyaku Rokka Sho” (As Cento e Seis Comparações), Gosho Zenshu, p. 856.

17. Cf. WND, v. 1, p. 495.

18. Mundo saha: O mundo cheio de sofrimentos em que vivemos. É frequentemente traduzido como “mundo onde se resiste”. Saha quer dizer “terra”; deriva de um radical que significa ”suportar” ou “resistir”. Nesse contexto, “mundo saha” é o lugar em que os seres humanos devem resistir aos sofrimentos. Também é descrito como uma terra impura, contaminada pelos desejos mundanos e pelas ilusões, em contraste com uma terra pura.

19. Cinco impurezas: As impurezas da época, do desejo, dos seres vivos, da visão (ou do pensamento) e da própria vida. São mencionadas no 2º capítulo do Sutra de Lótus, “Meios”. (1) A impureza da época compreende as constantes rupturas da ordem social ou do equilíbrio ambiental. (2) A impureza do desejo é a tendência a ser governado pelos impulsos ilusórios: avareza, ira, estupidez, arrogância e dúvida. (3) A impureza dos seres vivos é a decadência física e espiritual do ser humano. (4) A impureza do pensamento ou das ideias é preponderância de ideias errôneas, como as cinco ideias falsas. (5) A impureza da vida é a brevidade da duração da existência dos seres humanos.

20. Cf. IKEDA, Daisaku; INOUE,

Yasushi. Letters of Four Seasons (Carta das Quatro Estações), Richard L. Gage, trad. Tóquio: Kodansha International, 1989, p. 35.

21. Ibidem, p. 44.

22. Cf. WND, v. 1, p. 495.

23. Ibidem.

24. Tz’u-en (632-682): Fundador da escola Características do Darma

(Fa´hsiang) na China.

25. Shan-wu-wei (637-735): Monge indiano que difundiu, pela primeira vez na China, os ensinos do budismo esotérico. Traduziu um grande número de escrituras esotéricas, incluindo o sutra Mahavairochana.

26. Vinte e cinco domínios da existência: Subdivisões do mundo tríplice — quatorze domínios do mundo do desejo, sete do mundo da forma e quatro do mundo da não forma. Estes vinte e cinco domínios correspondem à categoria dos seis caminhos ou seis mundos inferiores.

27. Seis caminhos: O Inferno e os estados dos espíritos famintos (Fome), dos animais (Animalidade), dos asura (Ira), dos seres humanos (Tranquilidade), dos seres celestiais (Alegria). “Caminho” denota uma vida em processo de transmigração; também indica mundo ou estado de vida. Os seis caminhos tradicionalmente eram vistos como reinos ou mundos pelos quais os seres não iluminados transmigravam repetidas vezes. Mas se vistos como estados dinâmicos da vida, indicam condição de sofrimento ou ilusão.

28. Três maus caminhos: Os mais baixos dos seis caminhos. Eles são: Inferno, Fome e Animalidade.

29. WND, v. 1, p. 495.

30. Mundo tríplice: O mundo dos seres não iluminados que transmigram pelos seis caminhos (do estado de Inferno ao estado de Alegria). Em ordem ascendente, é formado pelo mundo do desejo, o mundo da forma (ou matéria) e o mundo da não forma (espírito ou vida imaterial). (1) O mundo do desejo abarca os quatro maus caminhos — os mundos de inferno (estado de Inferno), dos espíritos famintos (Fome), dos animais (Animalidade) e dos asura (Ira) — e os quatro continentes que circundam o monte Sumeru (que contém o mundo dos seres humanos) e as primeiras seis divisões do céu (a parte inferior do reino dos seres celestiais). Os seres desse mundo vivem à mercê de diversas necessidades, por exemplo, desejo por comida, bebida e sexo. (2) O mundo da forma consta de quatro céus da meditação que, por sua vez, se dividem em dezoito céus (dezesseis ou dezessete segundo outras fontes). Os seres que vivem nesse mundo não têm desejos ou necessidades, porém, conservam a forma física e, portanto, estão sujeitos a certas restrições materiais. (3) O mundo da não forma abarca o reino do espaço vazio ilimitado; o reino da consciência ilimitada; o reino do nada; o reino que não é pensamento nem não pensamento. Os seres desse mundo não têm desejos, nem forma física, tampouco restrições materiais.

31. Pico do mundo do desejo: Conforme os sutras, o Demônio do Sexto Céu habita o mais alto dos céus do mundo do desejo, a divisão inferior do mundo tríplice. Veja também a nota anterior, sobre o “mundo tríplice”.

32. Cf. WND, v. 1, pp. 495-496.

33. Dez tipos de exército: Também dez tipos de exército do Rei Demônio. Representam dez categorias de impedimentos ou conjunto de ilusões ou desejos que surgem da escuridão fundamental para impedir a prática budista. No Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria, Nagarjuna relaciona os dez impedimentos da seguinte forma: (1) avareza; (2) aflições e preocupações; (3) Fome e sede; (4) amor e prazer; (5) preguiça e inércia; (6) medo; (7) dúvidas e arrependimento; (8) ira; (9) obsessão por riqueza e fama; e (10) arrogância e menosprezo aos demais.

34. WND, v. 2, p. 465.

35. WND, v. 2, p. 465.

36. Três poderosos inimigos: Também três tipos de inimigos. Indicam três categorias de pessoas que perseguem os que propagam o Sutra de Lótus após a morte do Buda Sakyamuni, conforme descrito no trecho em verso de vinte linhas do 13º capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”. Essas pessoas são: (1) leigos ignorantes em relação ao budismo que denunciam os devotos do Sutra de Lótus e atacam-nos com espadas e bastões; (2) reverendos arrogantes e astutos que caluniam os devotos; e (3) reverendos respeitados pelo público em geral que, temendo perder a fama ou o lucro, induzem as autoridades seculares a perseguirem os devotos do Sutra. O Grande Mestre Miao-lo (711-782) da China, resume a classificação em: (1) leigos arrogantes; (2) sacerdotes arrogantes; e (3) sábios falsos e arrogantes.

37. Sutra Guirlanda de Flores: Também conhecido como sutra Avatamsaka. É o principal texto da escola budista Guirlanda de Flores. De acordo com esse sutra, Sakyamuni expôs seus ensinos imediatamente depois de ter atingido a iluminação sob a árvore bodhi, no reino de Magadha, na Índia.

38. Tu-shun (557-640), Chih-yen (602-668), Fa-tsang (643-712) e Ch’eng-kuan (738-839) foram, nessa ordem, o fundador e os sucessivos patriarcas da escola Guirlanda de Flores.

39. Chia-hsiang (549-623) é algumas vezes referido como o fundador da escola Três Tratados (San-lun); enquanto Seng-ch’üan (s.d.) foi um dos primeiros praticantes dessa escola.

40. Hsüan-tsang (602-664) e Tz’u-en (632-682) são considerados os fundadores da escola Características do Darma (Fa-hsiang) na China.

41. Shan-wu-wei (637-735), Chin-

-kang-chih (671-741), Pu-k’ung (705-774) foram sacerdotes que difundiram o budismo esotérico na China. No Japão, foram venerados pela escola Verdadeira Palavra.

42. Kobo (774-835), Jikaku (794-866) e Chisho (814-891) foram sacerdotes da escola Verdadeira Palavra, no Japão.

43. Bodhidharma (s.d.) e Hui-k’o (487-593) foram, respectivamente, o fundador e o segundo patriarca da escola Zen (Ch’an) na China.

44. Shan-tao (613-681) e Honen (1133-1212) foram, respectivamente, o terceiro patriarca da escola Terra Pura (Ching-t’u), na China, e o fundador dessa escola no Japão.

45. WND, v. 1, p. 496.

46. Ibidem.

47. LS, cap. 13, p. 194.

48. Alusão a uma frase do 16º capítulo do Sutra de Lótus, “Revelação da Vida Eterna do Buda”, que diz: “O veneno havia penetrado profundamente”. A frase pertence à “Parábola do Bom Médico”. Em síntese a parábola é a seguinte: Um dia quando o médico se ausenta do lar, os filhos bebem veneno por engano. Por causa disso, perdem o juízo e não aceitam tomar o remédio que o pai lhes havia preparado para curá-los.

49. Num trecho anterior de “Carta aos irmãos”, Nitiren Daishonin diz: “O Grande Mestre Tient’ai [da China] comentou: ‘Se encontrarem um mau amigo, vão perder a mente da verdade. ‘Mente da verdade’ indica a mente que acredita no Sutra de Lótus, enquanto ‘perder’ significa trair a própria fé no Sutra de Lótus e transferi-la aos outros sutras”. (WND, v. 1, p. 495.)

50. Trecho em verso de vinte linhas: Parte final, em verso, do 13º capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”, no qual uma multidão incalculável — ou mais especificamente, “oitocentos bilhões de nayuta” — de bodhisattvas juram a Sakyamuni propagar o Sutra na época maléfica posterior à morte do Buda. Esta parte é denominada “verso de vinte linhas” porque, na tradução chinesa, essa é a métrica adotada.

51. Cf. WND, v. 1, p. 464.

52. WND, v. 1, p. 626.

53. Escuridão fundamental: Também conhecida

como ignorância primordial. Ilusão mais profundamente arraigada e intrínseca à vida, que origina todas as demais ilusões. A escuridão fundamental é a incapacidade de ver ou de reconhecer a verdade, em especial, a real natureza de nossa vida. Nitiren

Daishonin interpreta a escuridão fundamental como ignorância para com a Lei suprema, ou a ignorância de que nossa vida é uma manifestação da Lei — do Nam-myoho-rengue-kyo.

54. Iluminação quase perfeita: Dos cinquenta e dois estágios da prática do bodhisattva, corresponde ao nível cinquenta e um. É um estágio quase equivalente à perfeita iluminação do Buda, o último nível que um bodhisattva deve conquistar para atingir o estado de Buda.

55. Perfeita iluminação: O nível mais elevado dos cinquenta e dois estágios da prática do bodhisattva, ou seja, o estado de Buda.

56. WND, v. 1, p. 1.113.

57. Natureza fundamental da iluminação: É a natureza primordial da suprema iluminação do Buda, da qual a vida de todas as pessoas está dotada. Corresponde ao estado de Buda ou à natureza de Buda.

58. OTT, pp. 119-120.

59. WND, v. 1, p. 496.

60. Ryokan (1217-1303): Também conhecido como Ninsho. Sacerdote da escola japonesa Preceitos-Verdadeira Palavra. Em 1267, sob o patrocínio do clã Hojo, Ryokan passou a ser prior do templo Gokuraku, em Kamakura. Hostil a Nitiren Daishonin, recorreu a figuras influentes e poderosas para perseguir o Buda e seus seguidores. Foi Ryokan quem tramou diversas perseguições contra Nitiren Daishonin e os discípulos.

61. Yasumitsu Ikegami: Leal seguidor de Ryokan,

prior do templo Gokuraku da escola Preceitos-Verdadeira Palavra. Yasumitsu se opôs veementemente à fé dos dois filhos, Munenaka e Munenaga. Deserdou o mais velho, Munenaka, duas vezes (em 1275 e 1277). Com essa manobra, buscava criar rivalidade entre os dois filhos e convencer o mais novo, Munenaga, a renunciar à fé para herdar os direitos de sucessão e receber as propriedades do pai. Porém, apoiado na orientação de Nitiren Daishonin, Munenaga manteve a fé junto com o irmão e, em 1278, depois de vinte e dois anos de prática, por meio do esforço conjunto finalmente eles conseguiram converter o pai aos ensinos de Nitiren Daishonin.



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“Carta aos irmãos” [2]

Parte 2.3

Terceira Civilização, Edição 504, 01/08/2010 / Estudo

Seguir o grande caminho de mestre e discípulo, considerando as dificuldades como uma medalha de honra

Nós, que acreditamos no ensino correto, em algum momento no passado, cometemos a ofensa de perseguir seus praticantes e, por esse motivo, nos condenamos a cair num terrível inferno no futuro. No entanto, os benefícios obtidos pela prática do ensino correto são tão grandes que, ao enfrentarmos sofrimentos mais leves nesta existência, podemos mudar o carma de sofrer terrivelmente no futuro. Conforme o sutra [Parinirvana] afirma, as calúnias que cometemos no passado podem ser a causa de várias retribuições, tais como nascer numa família pobre ou que mantém visões errôneas, ou ainda ser perseguido pelo soberano. Uma “família que mantém visões errôneas” se refere àquela que calunia o ensino correto, e “ser perseguido pelo soberano” significa viver sob domínio de um governante perverso. Estes são os dois sofrimentos que vocês [irmãos Ikegami] enfrentam agora. (...)

Ambos têm mantido a fé no Sutra de Lótus; por essa razão, agora estão se libertando das graves faltas cometidas no passado. Por exemplo, as imperfeições do ferro vêm à superfície quando ele é forjado. Quando uma rocha é submetida ao fogo, ela simplesmente se transforma em cinzas, mas o ouro, quando exposto às chamas, atinge seu ponto de pureza. Esta provação [de um de vocês ser deserdado por seu pai], mais que qualquer outra, confirmará sua genuína fé. As dez filhas-demônio, do Sutra de Lótus, com certeza, os protegerão. O demônio que apareceu diante do garoto Montanhas de Neve para testá-lo era, na realidade, Shakra. A pomba que foi salva pelo rei Shibi era o rei celestial Vaishravana. É até possível que as dez filhas-demônio tenham possuído seus pais e os estejam atormentando a fim de testar sua fé. A fraqueza na fé será a causa para o arrependimento. O veículo que capota logo à frente é um alerta para quem vem atrás.

Numa época como esta, só o desejo insaciável pelo Caminho poderá ajudá-los. Vocês podem odiar este mundo, mas não há como escapar dele. O povo do Japão certamente sofrerá grandes infortúnios num futuro próximo.

***

Cerrem os dentes e jamais esmoreçam na fé. Sejam corajosos como Nitiren quando teve de entrar em ação e advertir Hei no Saemon-no-jo. Apesar de não seguirem o caminho da iluminação, os filhos do lorde Wada e do governador de Wakasa, bem como os guerreiros sob o comando de Masakado e Sadato, lutaram até a morte para preservar a honra. A morte vem para todos, ainda que tudo pareça estar normal. Por isso, jamais sejam covardes, ou tornar-se-ão alvo de zombarias.

***

Quando Aquele que Traz a Verdade Sakyamuni era príncipe, seu pai, o rei Shuddhodana, não suportava a ideia de perder o único herdeiro. Por essa razão, o rei proibiu o filho de renunciar à coroa. Shuddhodana manteve dois mil soldados em guarda nos quatro portões do palácio para evitar que o príncipe partisse. Não obstante, Sakyamuni acabou deixando o palácio contra a vontade do pai. Em todas as questões seculares, é dever do filho obedecer aos pais; porém, no Caminho do estado de Buda, a desobediência aos pais constitui, em essência, uma demonstração de devoção filial.

(WND, v. 1, pp. 497-499.)

Explanação

Meu mestre, o segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda, disse certa ocasião: “Numa escalada, quando uma pessoa pretende passar de uma montanha para outra ainda mais alta, inevitavelmente, terá de atravessar os vales entre elas”. Ele prosseguiu explicando: “Se compararmos a consecução do estado de Buda com a escalada ao pico da montanha mais alta, os benefícios que recebemos quando nos convertemos à fé, são como alcançar um nível inferior ao cume. Atingir o estado de Buda significa escalar uma montanha muito mais alta. É vital que não nos percamos ou nos extraviemos durante a travessia dos vales. Esses vales são onde os três obstáculos e as quatro maldades1 competem entre si para nos atacar. Não se deixem iludir pelos benefícios recebidos no início da prática budista. Não esmoreçam os esforços na prática diária; lembrem-se de que o propósito da fé é atravessar esses vales para continuar a escalada”.

Assim orientou o Sr. Toda a um grupo de membros, que em sua maioria estava experimentando os primeiros benefícios da prática do Budismo de Nitiren Daishonin. Eles haviam ingressado na Soka Gakkai nos anos mais tumultuados do pós-guerra. De forma simples e acessível, meu mestre ensinou àquelas pessoas que o verdadeiro benefício da fé está em adquirir um estado inabalável de felicidade absoluta e que para atingir o pico mais elevado do estado de Buda deveriam perseverar pelos vales do aprimoramento — parte essencial de nossa prática budista.

Enquanto atravessamos esses vales, no caminho para a escalada do pico mais alto, surgirão muitos obstáculos para impedir nosso avanço. Porém, se não os atravessarmos e, a menos que passemos pelos trechos íngremes, não poderemos chegar ao topo. O surgimento dos três obstáculos e das quatro maldades serve para mostrar que estamos no caminho correto da prática budista.

Com as palavras de encorajamento e o semblante gentil do Sr. Toda gravados no coração, nossos pioneiros desafiaram com coragem os três obstáculos e as quatro maldades, forjando um estado de felicidade interior indestrutível. O caminho direto para atingir o estado de Buda nesta existência reside em combater as funções maléficas. No Budismo de Nitiren Daishonin, esse é um princípio fundamental.

Em “Carta aos irmãos”, Daishonin ensina a Munenaga e a Munenaka Ikegami, que travavam uma árdua batalha, a essência da fé para vencer os obstáculos e as funções maléficas e, dessa forma, atingir o estado de Buda. Ele analisa a partir de três pontos de vista diferentes a razão pela qual os praticantes do Sutra de Lótus enfrentam obstáculos e o significado dessas adversidades.

Primeiro, o Buda Nitiren Daishonin explica que os obstáculos surgem devido ao Rei Demônio do Sexto Céu,2 que atormenta os praticantes influenciando as pessoas próximas — entre elas, indivíduos considerados sábios, ou governantes, e até os próprios pais, o cônjuge ou os filhos do seguidor — para gerar oposição e impedi-los de atingir o estado de Buda. Já analisei esse princípio na primeira parte da explanação deste escrito.

Segundo, ele explica que os praticantes encontram dificuldades devido ao próprio carma de existências passadas. Porém, logo em seguida declara que as adversidades que surgem como resultado de se praticar o Sutra de Lótus deveriam ser vistas como um benefício, no sentido de ser uma forma de amenização do efeito cármico.3

O terceiro ponto de vista esclarece que as dificuldades também podem ser consideradas uma provação imposta pelas funções protetoras do Universo — chamadas metaforicamente no budismo de “divindades celestiais” —, para testar o grau de fé de uma pessoa. Nesse sentido, os obstáculos são uma oportunidade de forjar e cultivar nossa vida visando à manifestação do estado de Buda.

Nesta segunda parte, vamos analisar os dois últimos pontos de vista.

Nós, que acreditamos no ensino correto [do Sutra de Lótus], em algum momento no passado, cometemos a ofensa de perseguir seus praticantes e, por esse motivo, nos condenamos a cair num terrível inferno no futuro. No entanto, os benefícios obtidos pela prática do ensino correto são tão grandes que, ao enfrentarmos sofrimentos mais leves nesta existência, podemos mudar o carma de sofrer terrivelmente no futuro. Conforme o sutra [Parinirvana] afirma, as calúnias que cometemos no passado podem ser a causa de várias retribuições, tais como [sofrer como resultado de] nascer numa família pobre ou que mantém visões errôneas, ou ainda ser perseguido pelo soberano. Uma “família que mantém visões errôneas” se refere àquela que calunia o ensino correto, e “ser perseguido pelo soberano” significa viver sob domínio de um governante perverso. Estes são os dois sofrimentos que vocês [irmãos Ikegami] enfrentam agora.

(WND, v. 1, p. 497.)

As dificuldades são prova da amenização do efeito cármico

Nesse trecho, Daishonin esclarece que, embora os praticantes do ensino correto do Sutra de Lótus devam enfrentar grandes adversidades como resultado da prática budista, na realidade, isso é um benefício, por lhes permitir amenizar os efeitos do carma negativo e modificar fundamentalmente o carma. Ele diz, por exemplo, que talvez tenhamos perseguido os praticantes do Sutra de Lótus numa existência passada, falta que, em condições normais, nos destinaria a “cair num terrível inferno no futuro”,4 mas graças aos imensos benefícios de nossa prática budista nesta existência, podemos provocar no presente a manifestação do grande sofrimento que nos aguardaria no futuro, de forma atenuada.

O Budismo de Nitiren Daishonin — um ensino para transformar o carma — reconhece em primeiro lugar que a causa de todo carma negativo, em essência, está associada à descrença e ao desrespeito à Lei Mística. Essa ação recebe o nome de “calúnia à Lei”. Tal esclarecimento acerca do que constitui o mal fundamental também permite definir o que representa o bem fundamental. Se quisermos transformar nosso carma, é importante obtermos uma clara compreensão da causalidade básica sobre o bem e o mal.

Esse mal fundamental da calúnia à Lei pode se manifestar em pessoas que difamam o Sutra de Lótus — ensino que permite a iluminação universal de todos os seres —, porque são incapazes de acreditar que todos possuem a natureza de Buda.5 Outra manifestação, pode ser observada em pessoas que depreciam e atacam o devoto do Sutra, que se dedica em ajudar os demais a revelar a natureza de Buda. Dessa forma, o bem fundamental é exatamente o oposto; ou seja, consiste em praticar e preservar os ensinos do Sutra de Lótus e se empenhar junto com o devoto contra o mal básico — que é aviltar a natureza de Buda das pessoas.

Receber de forma branda, no presente, as retribuições pesadas que estaríamos destinados a sofrer no futuro, mediante os “benefícios obtidos por proteger a Lei”,6 é a essência do princípio budista conhecido como “amenização do efeito cármico”. Ao experimentarmos dificuldades no curso da prática da Lei Mística, nesta existência, “os sofrimentos do inferno desvanecer-se-ão instantaneamente”,7 e então, “libertados completamente dessas graves ofensas”,8 atingiremos a sublime condição de vida do estado de Buda. Em outras palavras, podemos modificar a direção de nossa vida e romper o ciclo negativo da transmigração nos maus caminhos para adotar o ciclo positivo da transmigração no estado de Buda. Assim é o ensino de Daishonin da transformação do carma.

Consequentemente, as dificuldades que experimentamos de forma amenizada no curso de nossa prática budista, são, na realidade, benefícios derivados de protegermos a Lei. Poderíamos dizer que o surgimento dessas adversidades demonstra que estamos transformando nosso carma.

Nesta passagem de “Carta aos irmãos”, Daishonin menciona dois dos oito tipos de retribuição descritos no sutra Parinirvana,9 como exemplos específicos de “sofrimentos menores” que uma pessoa encontra na presente existência como uma função de amenizar o efeito cármico. Refiro-me aos sofrimentos de (1) nascer numa família que mantém visões errôneas e (2) ser perseguido pelo soberano. Nitiren Daishonin afirma que ambas as circunstâncias refletem a situação vivida pelos irmãos Ikegami. Explica também que uma família “que mantém visões errôneas” é aquela que transgride o ensino correto, enquanto “ser perseguido pelo soberano” significa viver sob domínio de um governante perverso. O último caso refere-se, especificamente, a nascer numa época em que o governante e a sociedade, juntos, perseguem o devoto do Sutra de Lótus. Essas circunstâncias se manifestaram como sofrimentos ou dificuldades para os irmãos Ikegami devido aos sinceros esforços de ambos para propagar a Lei Mística junto com Nitiren Daishonin. Mas elas também demonstraram que os irmãos estavam praticando com o mesmo comprometimento que o mestre.

Ambos têm mantido a fé no Sutra de Lótus; por essa razão, agora [com a atual retribuição] estão se libertando das graves faltas cometidas no passado. Por exemplo, as imperfeições do ferro vêm à superfície quando ele é forjado. Quando uma rocha é submetida ao fogo, ela simplesmente se transforma em cinzas, mas o ouro, quando exposto às chamas, atinge seu ponto de pureza. (WND, v. 1, p. 497.)

O processo de transformar o carma forja e purifica nossa vida ao grau máximo

Quando o ferro é aquecido e martelado várias vezes nas chamas, impurezas que poderiam torná-lo quebradiço são reveladas e removidas. Quando esse processo se repete, o ferro adquire mais resistência. Do mesmo modo, como diz Daishonin, os irmãos Ikegami estavam passando por tais adversidades, porque, devido à forte fé, tinham provocado a retribuição cármica de graves causas passadas, com a finalidade de expiar o carma negativo.

Com base nesta passagem, quando enxergamos os fatos da perspectiva da transformação do carma ou da amenização do efeito cármico, as dificuldades adquirem um significado mais profundo. Passam a ser vistas como uma oportunidade de forjar, de aprimorar nossa fé e de elevar nosso estado de vida.

Em “Carta de Sado”, Daishonin afirma: “O ferro, quando aquecido e forjado, torna-se uma excelente espada”.10 O processo de confrontar e desafiar o carma nos permite fortalecer e polir a fé. Ou seja, quando nos vemos expostos ao inferno do carma é que revelamos o tipo de pessoa que somos. Se nossa postura for indecisa e dúbia, vamos nos reduzir a um montículo de cinzas, fácil de desmoronar. Mas se mantivermos uma determinação inquebrantável, seremos como o ouro puro e nossa vida se tornará cada vez mais resplandecente.

O propósito supremo do budismo é forjar, polir e fortalecer nossa vida. Sem esse aprimoramento, mesmo as pessoas de capacidade e talento não têm como expressar o brilho máximo. Sem esse treinamento, não é possível forjar pessoas de genuíno comprometimento. Quando nos dedicamos de corpo e alma pelo Kossen-rufu, podemos transformar o carma negativo de existências passadas e fazer nossa vida brilhar como uma espada magnífica, imponente e indestrutível.

E por falar em capacitação, no caminho de mestre e discípulo característico da Soka Gakkai, que os três presidentes, Makiguti, Toda e eu trilhamos, cada dia foi uma oportunidade de aprimoramento e de aprendizado. O Sr. Toda tinha 19 anos quando conheceu seu mestre, Sr. Makiguti. Em uma anotação de seu diário, correspondente a abril de 1920, ele escreveu: “Devo forjar a mim mesmo para poder assumir a grande missão de contribuir com o meu país e ser um líder do mundo; preciso polir minha vida para estar em condições de cumprir essa missão. (...) Não me deixarei intimidar pelas críticas ou pelo desdém de meus contemporâneos; o mais importante é atingir meu objetivo.11

Na época, o jovem Jossei Toda acabara de ser contratado como professor suplente na Escola de Ensino Fundamental de Nishimati (no atual bairro de Taito, Tóquio) onde o Sr. Makiguti era diretor. Tendo encontrado o grande mestre de sua vida, ele determinou fortemente forjar-se, ou seja, polir seu caráter, aprimorar sua capacidade e se desenvolver física e mentalmente para realizar um grande objetivo.

Eu também tinha 19 anos quando a vida me pôs diante do Sr. Toda e lancei-me ao grandioso e nobre caminho de empenhar-me com o mesmo comprometimento que meu mestre. Mesmo nas horas mais adversas, quando a empresa do Sr. Toda estava prestes a falir, eu continuei a apoiá-lo e a protegê-lo ao máximo e suportei todo o peso das críticas impetuosas da sociedade.

A seguinte anotação em meu diário, correspondente a dezembro de 1950, expressa meu sentimento naqueles dias de extrema dificuldade:

Lutas e adversidades!
No curso delas, cultivarás o verdadeiro humanismo.
No curso delas, forjarás tua vontade férrea.
No curso delas, conhecerás lágrimas de verdade.
No curso delas, saberás que ali está tua revolução humana.12

Muitas pessoas que tinham uma grande dívida com o Sr. Toda, de repente, voltaram-se contra ele. Esquecendo-se da gentileza do mestre, elas o insultaram e o abandonaram. Mas eu continuei imutável. Foi uma honra passar por dificuldades ao lado dele. Forjar a vida em meio às adversidades é o caminho que conduz à vitória. Orava com todo o meu ser para que meu mestre, o mais rápido possível, pudesse liderar nosso movimento pelo Kossen-rufu como segundo presidente da Soka Gakkai. E me lancei a uma luta febril para realizar esse objetivo.

Esta provação [de um de vocês ser deserdado por seu pai], mais que qualquer outra, confirmará sua genuína fé. As dez filhas-demônio, do Sutra de Lótus, com certeza, os protegerão. O demônio que apareceu diante do garoto Montanhas de Neve13 para testá-lo era, na realidade, Shakra.14 A pomba que foi salva pelo rei Shibi15 era o rei celestial Vaishravana.16 É até possível que as dez filhas-demônio17 tenham possuído seus pais e os estejam atormentando a fim de testar sua fé. (WND, v. 1, p. 497.)

As divindades celestiais testam a nossa fé

Na sequência, Nitiren Daishonin assegura aos irmãos Ikegami que a fé genuína por eles demonstrada lhes garantirá a proteção das divindades celestiais, que no Sutra de Lótus juraram proteger os praticantes desse sutra. Mas logo ele acrescenta que, muitas vezes, tais divindades procuram testar a fé das pessoas para verificar se é ou não verdadeira. Isso, Daishonin diz, assemelha-se ao episódio em que a divindade Shakra adotou a forma de um demônio para testar o espírito de procura do menino Montanhas de Neve, ou quando o rei celestial Vaishravana, sob a forma de uma pomba, põe à prova a benevolência do rei Shibi.

Fundamentando-se nesse princípio, Daishonin sugere que a provação dos irmãos — o deserdamento do mais velho pelo pai por causa da prática budista — provavelmente fora gerada pela função das dez filhas-demônio que estavam influenciando negativamente o pai para atormentá-los e testar-lhes a fé.

Em outros escritos, o Buda Nitiren Daishonin analisa este princípio de que as funções universais criam obstáculos para testar a fé dos seguidores. Por exemplo, durante a Perseguição de Atsuhara,18 um grupo de camponeses seguidores de Daishonin foi submetido a um cruel interrogatório do poderoso oficial Hei no Saemon,19 devido à fé que eles praticavam. Contudo, por um instante sequer esses seguidores abandonaram suas crenças. Mesmo enfrentando a perseguição das autoridades, continuaram recitando Nam-myoho-rengue-kyo intrepidamente. Assim que soube das notícias, Daishonin escreveu [a Nikko Shonin e a outros discípulos próximos] uma carta intitulada “Resposta aos sábios”: “Estou certo de que as dez filhas-demônio devem ter se apoderado de Hei no Saemon, induzindo-o a testar a fé desses devotos do Sutra de Lótus. Isso se assemelha ao modo como o garoto Montanhas de Neve e o rei Shibi foram testados. [Ou talvez] à forma como um demônio maléfico se apoderou de Hei no Saemon”.20

Aqui, Daishonin diz que as dez filhas-demônio [consideradas divindades celestiais] ou então um demônio maligno provavelmente havia “se apoderado” de Hei no Saemon.

Na primeira parte desta explanação, examinamos a perseguição que recaía aos praticantes do Sutra de Lótus da perspectiva de ser esta uma função dos demônios malignos — em especial, as ações do Rei Demônio do Sexto Céu, que se apodera ou influencia negativamente pessoas de sabedoria, governantes e pais para atormentar os praticantes.

Por que então divindades celestiais como as dez filhas-demônio, que são funções protetoras do Universo, teriam de valer-se de Hei no Saemon para testar a fé dos camponeses de Atsuhara?

No budismo, a causa para atingir a iluminação é a fé inabalável. Os obstáculos são vistos como uma consequência lógica da decisão de manter a fé no ensino correto, o Sutra de Lótus. Assim, o “xis” da questão é: diante das grandes dificuldades e contratempos, somos consumidos pelo medo e abandonamos a fé, ou nos munimos de coragem e continuamos a avançar?

Se nossa determinação for fraca e abandonarmos a fé, significa que fomos vencidos pelos tormentos do Rei Demônio do Sexto Céu. Mas se triunfarmos sobre essas difíceis provações com firme determinação e mantivermos uma fé inabalável, conseguiremos perceber que nós também podemos sair vitoriosos de uma prova imposta pelas divindades celestiais. Em outras palavras, tudo depende de nosso coração ou decisão. A proteção das divindades celestiais, em essência, nada mais é que o poder de nossa própria fé.

O Sr. Toda declarou: “Nitiren Daishonin afirma no Gosho que ele considera Hei no Saemon — um arqui-inimigo do budismo que perseguiu o Buda incessantemente — como um bom amigo ou uma influência positiva em sua prática budista.21 Nunca temam os inimigos! Seus ataques são apenas um vendaval que ajuda a nos aprimorar e a atingir o estado de Buda”.

Esse é o espírito audaz do Budismo de Nitiren Daishonin. É importante que tenhamos uma determinação indomável, livre do medo.

Daishonin cita com frequência em seus escritos a frase do Grande Mestre Miao-lo,22 da China: “Quanto mais firme é a fé, maior é a proteção dos deuses”.23 As funções universais, sem falta, protegerão os praticantes do Sutra de Lótus que possuem fé genuína.

Na carta “Resposta aos sábios”, citada há pouco, Nitiren Daishonin também esclarece que os budas Sakyamuni e Muitos Tesouros, assim como os budas das dez direções e as divindades celestiais formularam o solene juramento de proteger os devotos do Sutra de Lótus, na assembleia em que o Sutra estava sendo pregado.24 Ele diz que, segundo o princípio da “transformação do veneno em remédio”,25 as retribuições ou os efeitos serão de acordo com as ações, boas ou más.

De fato, o coração é o mais importante. Nossa fé, em última análise, é o que determina a vitória no futuro.

O poeta e romancista alemão Hermann Hesse (1877–1962) escreveu: “Somente os que possuem a coragem de cumprir com seu destino, podem ser chamados de heróis”.26 As pessoas que acreditam que tudo começa com a própria mudança interior são indivíduos de verdadeiro heroísmo e coragem, e podem estabelecer na vida uma felicidade real e duradoura.

A fraqueza na fé será a causa para o arrependimento. O veículo que capota logo à frente é um alerta para quem vem atrás.

Numa época como esta, só o desejo insaciável pelo Caminho poderá ajudá-los. Vocês podem odiar este mundo, mas não há como escapar dele. O povo do Japão certamente sofrerá grandes infortúnios num futuro próximo [tal como o que estão enfrentando agora por causa dos acontecimentos recentes]. (WND, v. 1, p. 497.)

Mantendo uma firme fé no momento decisivo

“A fraqueza na fé será a causa para o arrependimento.”27 Para os que praticam o Budismo de Nitiren Daishonin, estas palavras devem ser lidas como uma advertência rigorosa.

Em síntese, tudo depende de: até que ponto compreendemos a boa sorte que temos por conhecer “uma pessoa que expõe este sutra exatamente como ele ensina”28 e por dedicarmo-nos junto com essa pessoa, tendo-a como mestre, para propagarmos a Lei Mística. Se nossa fé ou determinação for fraca no momento decisivo, o que nos restará será um eterno arrependimento.

Quando enfrentamos obstáculos no curso da prática budista, na realidade, estamos diante de um momento de decisão capaz de mudar nossa vida, e de definir se abriremos as portas para atingir o estado de Buda eterno por meio da fé inabalável, ou se fecharemos o caminho para a felicidade como consequência de ter abandonado a fé.

Sempre que estivermos diante de grandes obstáculos, desafiemos com intrépida postura, recordando esta passagem de “Abertura dos olhos”: “Eu e meus discípulos, mesmo que ocorram vários obstáculos e maldades, desde que não se crie a dúvida no coração, atingiremos naturalmente o estado de Buda. Não duvidem dos benefícios do Sutra de Lótus mesmo que não haja proteção dos céus. Não lamentem a ausência de segurança e tranquilidade na vida presente. Embora tenha ensinado dia e noite a meus discípulos, todos, criando a dúvida, abandonaram a fé. O que é costumeiro no tolo é esquecer nas horas cruciais o que prometera nas horas normais”.29

A perpetuação da Soka Gakkai depende da aplicação desta passagem na vida de seus integrantes. Se continuarmos avançando tendo estas palavras de Daishonin como ponto de referência, nossa fé resplandecerá com brilho indestrutível.

Com base no espírito ensinado por esta frase, todas as vezes que enfrentamos uma dificuldade equivale às “horas cruciais”. Portanto, é fundamental que tenhamos esse tipo de fé intrépida que nos permita contra-atacar com coragem em momentos assim — por exemplo, quando os três obstáculos e as quatro maldades investem contra nós, ou quando somos desafiados pelo nosso carma, ou então quando estamos engajados numa luta decisiva em prol do Kossen-rufu, em que é tudo ou nada. Devemos compreender que cada dia é uma oportunidade para aprender essa postura de fé, tomando como referência o exemplo de Nitiren Daishonin. Jamais devemos ser pessoas tolas que retrocedem no momento crucial.

Se nossa fé for débil ou superficial, se agirmos como tolos, acabaremos vivendo à deriva, como plantas aquáticas arrastadas pela correnteza, sem qualquer propósito fundamental. Os seres humanos são criaturas que estão sempre buscando um sentido para a vida. Por meio dessa busca eterna, é possível encontrar um significado infinitamente profundo para a sua existência. Os membros da Soka Gakkai podem aprofundar a fé e o sentido da vida de forma infinita, pois são experts na arte de viver e de ser feliz.

Neste trecho de “Carta aos irmãos”, Nitiren Daishonin destaca: “Numa época como esta, só o desejo insaciável pelo Caminho poderá ajudá-los”.30 Essas palavras refletem a situação em que a sociedade se encontrava naquela época, quando as pessoas viviam angustiadas, cheias de incerteza em relação ao futuro. Nos dias de Daishonin eram constantes a escassez de alimento, as epidemias e os desastres naturais. Sem dúvida, um período assim incentivaria as pessoas a buscar o Caminho do Buda. Quanto mais caótica e confusa a sociedade se torna, mais seus habitantes anseiam por uma filosofia profunda que possa servir--lhes de base para a vida. O Budismo de Nitiren Daishonin é realmente o Budismo do Sol, tem o poder de iluminar a escuridão desta era corrupta conhecida como os Últimos Dias da Lei.

Porém, longe de tratar Daishonin com o devido respeito, a nação japonesa lançou ataques e perseguições contra ele. Como resultado, as predições da revolta interna e da invasão estrangeira se cumpriram. O país mergulhou numa grave crise difícil de remediar. O sofrimento e a miséria que toda a população teve de enfrentar eram uma manifestação do que o budismo denomina “retribuição geral”. Ou seja, a retribuição que recai sobre toda a população pelos maus atos contra a Lei. Na carta, Daishonin declara que essa situação é evidente dada a ocorrência de fatos recentes, ou seja, a revolta interna, representada pela Revolta de Fevereiro31 (em 1272) e a invasão mongol32 (em 1274).

Em especial, depois da primeira invasão mongol, todo o Japão ficou à mercê de uma grande inquietude. A população engajou-se nos preparativos para uma segunda incursão dos mongóis considerada iminente. Uma passagem de “Carta aos irmãos” capta vividamente o medo paralisante das pessoas recrutadas para lutar contra as forças mongóis: “Eles tiveram de deixar para trás os pais idosos, os filhos pequenos, a jovem esposa e o precioso lar para defender o mar em vão. Ao avistarem nuvens no horizonte, imaginam que são bandeiras inimigas. Ao verem barcos pesqueiros, pensam que são embarcações de guerra mongóis e ficam paralisados de terror”.33

Os sofrimentos ocasionados pela guerra são os mesmos em qualquer época. Transcorrem entre dolorosas despedidas dos familiares e entes queridos e com a consciência de que a morte poderá ocorrer a qualquer momento. Em toda guerra, são as pessoas comuns quem mais sofrem. Por essa razão, precisamos evitá-la a todo custo. Esse é o eterno clamor dos budistas.

O Buda Nitiren Daishonin diz sobre o clima predominante entre o povo japonês: “Apesar de ainda estarem vivos, sentem como se estivessem no mundo dos asura”.34 Nesse sentido, os esforços de Daishonin visavam a transformar a sociedade e fazer dela um lugar em que todas as pessoas pudessem desfrutar paz e felicidade.

Seja como for, a responsabilidade pela situação que causava tanto sofrimento ao povo era do governante, que aliado a pessoas inescrupulosas e mal intencionadas, perseguia Nitiren Daishonin, um homem de máximo bem. Daishonin ressalta com perspicácia que, os irmãos Ikegami estavam sendo tratados asperamente pelo pai porque o regente, instigado por maus sacerdotes, havia feito dele um inimigo do Sutra de Lótus.35

Budismo é vitória ou derrota. Daishonin diz: “Devem... comprovar por si próprios os benefícios do Sutra de Lótus. Eu, Nitiren, também vou convocar insistentemente os deuses celestiais”.36 Com veemência, Daishonin pede aos dois irmãos para que unam forças a ele a fim de mostrar a todos a veracidade do grande ensino que praticavam por meio da união das orações e da solidariedade de mestre e discípulo.

Aos estimados discípulos, Daishonin ensina, repetidas vezes, como enfrentar audaciosamente as funções maléficas ou negativas, sempre se posicionando na ofensiva da batalha. Se a pessoa for passiva ou medrosa, as forças negativas se fortalecem ainda mais. Ele os instrui: “Jamais sejam covardes”.37 O Sr. Toda disse em tom rigoroso: “O que podemos esperar das pessoas fracas, que vivem fugindo das dificuldades? Tenho certeza de que nenhum de meus discípulos se encaixa nessa descrição”. Meu mestre também declarou: “A Soka Gakkai é uma organização de leões. Não precisamos de pessoas covardes!”

Cerrem os dentes e jamais esmoreçam na fé. Sejam corajosos como Nitiren quando teve de entrar em ação e advertir Hei no Saemon-no-jo. Apesar de não seguirem o caminho da iluminação, os filhos do lorde Wada e do governador de Wakasa,38 bem como os guerreiros sob o comando de Masakado e Sadato,39 lutaram até a morte para preservar a honra. A morte vem para todos, ainda que tudo pareça estar normal. Por isso, jamais sejam covardes, ou tornar-se-ão alvo de zombarias. (WND, v. 1, p. 498.)

“Cerrem os dentes e jamais esmoreçam na fé”

Daishonin não se cansa de encorajar os irmãos Ikegami, que passavam por dificuldades por conta da fé, e lhes diz: “Não devem demonstrar nem sentir temor” e “Jamais esmoreçam na fé”.40

Estabelecer um estado sereno de felicidade que nada pode destruir — eis o propósito de nossa fé e prática budista. Assim, por meio do encorajamento, Daishonin solicita aos irmãos que considerem a luta como uma oportunidade, não só para polir e melhorar o caráter mas também para manterem-se imperturbáveis diante de qualquer obstáculo.

O Budismo de Nitiren Daishonin é um ensino centrado na unicidade de mestre e discípulo. Se o mestre é um rei leão, os discípulos também são reis leões. Dessa forma, o mestre solenemente exorta os sucessores a observar e a seguir o exemplo dele. Conforme indica a frase: “Sejam corajosos como Nitiren quando teve de entrar em ação e advertir Hei no Saemon-no-jo”,41 Daishonin instrui os irmãos a perseverar na fé e a lutar destemidos com o mesmo espírito resoluto que ele mesmo demonstrou em todas as batalhas.

Essa menção à conduta de Nitiren Daishonin perante Hei no Saemon se refere às duas advertências feitas pelo primeiro ao segundo, que era a figura política mais poderosa na época. Uma das advertências foi apresentada em decorrência da Perseguição de Tatsunokuti, em setembro de 1271, e a outra quando Daishonin foi perdoado de seu exílio na Ilha de Sado, em abril de 1274. Em Tatsunokuti, Daishonin declarou com forte convicção a Hei no Saemon: “Nitiren é o pilar e a viga do Japão. Ao livrar-se de mim, estará derrubando o pilar da nação!”42

Depois de regressar a Kamakura da Ilha de Sado, ele também disse claramente a Hei no Saemon: “Pode ser que, por ter nascido dentro dos domínios do regente, eu deva mostrar-lhe obediência em minhas ações. Porém, jamais o seguirei em meu coração”.43 Em particular, Daishonin se referia ao regime autoritário do governo militar de Kamakura: embora fisicamente fosse obrigado a se submeter às ordens dos governantes, jamais poderiam forçá-lo à obediência espiritual, já que ele era o único soberano de suas convicções.

Estas foram declarações resolutas, corajosas, sem o menor sinal de servilismo ou temor. Do mesmo modo, os discípulos que abraçam o coração de Daishonin e espelham a própria conduta nele nada têm a temer. Podem evidenciar uma infinita força e energia, unindo-se à luta de Daishonin e adotando a postura dele.

A propósito, esta última citação, que pertence ao escrito “A seleção do tempo”, foi incluída na antologia Os Direitos Humanos, uma coletânea inspiradora de frases sobre direitos humanos compilada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).44

Voltando à “Carta aos irmãos”, Daishonin observa: “A morte vem para todos, ainda que tudo pareça estar normal”.45 Esta é uma das frases de Nitiren Daishonin que me causou profunda impressão no curso de meus mais de cinquenta anos de prática budista.

Como seres humanos, todos nós morreremos um dia. Ninguém pode evitar essa realidade. O importante é como utilizamos esta existência única e preciosa. Numa carta endereçada ao jovem discípulo Nanjo Tokimitsu,46 Daishonin afirma: “Visto que a morte é a mesma em qualquer dos casos, o senhor deveria estar disposto a oferecer a vida em prol do Sutra de Lótus. Pense nesse oferecimento como uma gota de orvalho que se reintegra ao oceano ou uma partícula de pó que retorna à terra”.47

Nesse mesmo sentido, o Sr. Toda costumava dizer: “A morte é momentânea, mas a vida é eterna. Os membros da Soka Gakkai içaram o grande estandarte do Kossen-rufu. Esta é, de fato, a ‘Era do Kossen-rufu’. Devemos ser corajosos”.48

Com essas palavras, o presidente Toda se levantou sustentando o estandarte da propagação da Lei Mística, e avançou para que a Soka Gakkai concretizasse a meta de 750 mil famílias.

Certa ocasião, ele disse aos membros da Divisão dos Jovens: “Quando vocês morrerem e ocuparem seus lugares junto dos discípulos de Sakyamuni, no Pico da Águia,49 se alguém ali zombar de vocês, dizendo: ‘Os jovens dos Últimos Dias são um bando de covardes’, então vocês não são dignos do título de Bodhisattvas da Terra”.50

Essas rigorosas palavras de encorajamento estão de acordo com a advertência de Daishonin: “Jamais sejam covardes, ou tornar-se-ão alvo de zombarias”.51

Quando Aquele que Traz a Verdade Sakyamuni era príncipe, seu pai, o rei Shuddhodana,52 não suportava a ideia de perder o único herdeiro. Por essa razão, o rei proibiu o filho de renunciar à coroa. Shuddhodana manteve dois mil soldados em guarda nos quatro portões do palácio para evitar que o príncipe saísse. Não obstante, Sakyamuni acabou partindo do palácio contra a vontade do pai. Em todas as questões seculares, é dever do filho obedecer aos pais; porém, no Caminho do estado de Buda, a desobediência aos pais constitui, em essência, uma demonstração de devoção filial.53

(WND, v. 1, p. 499.)

O verdadeiro significado de devoção filial

Depois de explicar a importância de manter a fé inabalável à luz de diversos ensinos budistas, Daishonin prossegue encorajando ainda mais os irmãos com episódios curiosos da história, com a finalidade de lhes transmitir uma importante lição. Em especial, o que o preocupava era a fé do irmão mais novo, Munenaga [que poderia ser tentado a abandonar a fé para ocupar o lugar do herdeiro, uma vez que o irmão mais velho havia sido deserdado].

Nitiren Daishonin sempre dedicava todo o seu ser para encorajar os discípulos. Não deixava de escrever até certificar-se de que haviam compreendido a mensagem nas profundezas da vida e de que estavam preparados para se levantar e agir. Com absoluta determinação de que eles não seriam vencidos pelas funções destrutivas e o desejo de que se levantassem como discípulos genuínos, ele continuava a orientá-los com palavras repletas de sabedoria e benevolência — algumas vezes, de forma gentil e paciente; outras, de forma rigorosa e direta.

Mestre, no mundo do budismo, é aquele que luta triunfantemente contra as funções maléficas. Os discípulos, por sua vez, aprendem com ele as bases da fé para atuarem do mesmo modo. O budismo, como filosofia que incorpora o compromisso entre mestre e discípulo, só se completa quando os discípulos respondem ao ensino de mestre e o põem em ação.

Ansioso em ver os irmãos Ikegami triunfar sobre o obstáculo que enfrentavam, Daishonin relata com riqueza de detalhes vários episódios históricos. Primeiro, ele conta a história de Po I e de Shu Ch’i,54 que desde tempos remotos simbolizavam no Oriente a virtude da devoção filial.55 Na sequência, comentando sobre o impedimento paterno que Sakyamuni e o Grande Mestre Tient’ai tiveram de enfrentar,56 Daishonin ressalta o ensino budista de que não se deve ceder aos desejos dos pais quando estes objetivavam impedir a prática.57 Relata ainda histórias referentes a Nintoku e Uji,58 dois príncipes do Império japonês, como também episódios dos irmãos Repositório Puro e Visão Pura,59 mencionados no Sutra de Lótus, e do eremita e seu assistente,60 da Índia antiga. Por todos esses meios, Daishonin reiteradamente transmite a importância de os irmãos Ikegami se unirem.61

Dentre esses vários exemplos, a história de Sakyamuni — que decide deixar o palácio para dedicar-se à vida religiosa, apesar da oposição do pai, o rei Shuddhodana — contém uma importante mensagem para os irmãos Ikegami. Ambos se encontravam diante de um terrível impasse: ter de escolher entre a fé e a devoção filial.

Normalmente, fé e devoção filial não entram em contradição, não sendo, portanto, necessário escolher um em detrimento do outro. De fato, o Budismo de Nitiren Daishonin ensina a importância da devoção filial — a ser um bom filho ou uma boa filha para os pais. É um ensino que esclarece o verdadeiro significado dessa conduta.

A esse respeito, Daishonin declara: “Em todas as questões seculares, é dever do filho obedecer aos pais; porém, no Caminho do estado de Buda, a desobediência aos pais constitui, em essência, uma demonstração de devoção filial”.62 Nesse contexto, a iluminação atingida pelos filhos se converte na expressão máxima de devoção filial. Ele ainda afirma: “Quando as pessoas comuns dos Últimos Dias ouvem esta doutrina, não somente elas [que ouvem o Sutra de Lótus] atingirão o estado de Buda, mas também seus pais e mães o farão, mantendo a presente forma”.63

Alguns de nossos membros estão se empenhando seriamente na prática budista e nas atividades pelo Kossen-rufu sem o apoio e a compreensão dos pais. Porém, não há por que ficarem angustiados nem impacientes. Tampouco devem impor aos pais o budismo. Enquanto uma pessoa da família estiver praticando com sinceridade, a todo o lar será assegurado êxito e prosperidade perduráveis por meio da grande influência desse praticante.

Em seu “Preceito aos Jovens”, o Sr. Toda ressalta: “Nossa luta requer que cultivemos profundo amor por todos os seres. Porém, há muitos jovens incapazes de amar os próprios pais. Como então podemos esperar que sintam sincera preocupação por pessoas estranhas? O esforço para superar a indiferença em nossa própria vida e manifestar a mesma benevolência do Buda é a essência da revolução humana”.64

Se não tivermos a atitude de valorizar e amar nossos pais, não poderemos realizar a revolução humana nem transformar a sociedade. Estou plenamente de acordo com o pensamento de meu mestre.

Nos relatos dos diversos episódios, Daishonin se detém a elogiar os irmãos Ikegami pela união entre ambos, apesar da tentativa do pai de separá-los. Ele diz: “Poderia haver história mais maravilhosa que a de vocês?”65 Em outras palavras, ele está dizendo que o relato dos irmãos permanecerá ao longo da posteridade com brilho permanente.

De modo similar, a vida de todos os que se levantaram resolutamente como discípulos de Daishonin e que representaram comoventes epopeias da fé, triunfando sobre as funções destrutivas também são “histórias esplêndidas” que serão lembradas pelas futuras gerações.

A experiência dos irmãos Ikegami, que por meio da perseverança e união na fé superaram não só a exclusão da herança mas também fizeram com que o pai abraçasse o ensino budista, ofertaram grande esperança a inúmeras pessoas das eras posteriores. Talvez muitos ainda não tenham imaginado, mas, da mesma forma que os irmãos Ikegami, as várias experiências na fé de nossos companheiros serão fonte se inspiração aos praticantes do Budismo de Nitiren Daishonin das gerações vindouras. Espero que cada um dos senhores escreva uma história triunfante. Este é o propósito da relação de mestre e discípulo.

Não poderemos triunfar sobre as funções negativas se nos deixarmos vencer ou sermos governados pelo ego. A forma de construir uma identidade sólida e inabalável é nos levantarmos com a mesma determinação e o mesmo compromisso que o mestre ou o líder do Kossen-rufu. Os que conseguem encontrar esse supremo caminho da felicidade nas profundezas de seu ser, jamais serão vencidos.

O poeta norte-americano Walt Whitman (1819–1892) escreve em “Canto da estrada aberta”:

Doravante, não peço boa sorte; eu sou a boa sorte.
(...)
A terra, ela me basta,
Não quero as constelações mais próximas.66

Não há necessidade de buscar ou de capturar as remotas estrelas do firmamento, pois a fonte de todas as vitórias está em nós.

O presidente Toda me disse certa vez: “Daisaku, não se deixe intimidar pelos insultos e pelas críticas que ressoam como os latidos esganiçados dos cães. Não permita que essas coisas tão triviais o influenciem. Siga o caminho dos heróis. Trilhe o caminho dos grandes. O que estamos passando agora é apenas uma ínfima parte dos obstáculos enfrentados por Nitiren Daishonin, cujo ensino praticamos”.

Com essa mesma determinação, tenho me empenhado por mais de sessenta anos. As grandes adversidades são a medalha de honra dos que seguem o nobre caminho de mestre e discípulo. Neste momento, meu maior desejo é que inúmeros jovens sucessores prossigam por este sublime caminho Soka.

(Daibyakurengue, edição de maio de 2009.)

NOTAS

1. Três obstáculos e quatro maldades: Vários obstáculos e impedimentos à prática budista. São classificados no Sutra do Nirvana e no Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria, de Nagarjuna. Os três obstáculos são: (1) o obstáculo dos desejos mundanos, que surgem dos três venenos — avareza, ira e estupidez; (2) o obstáculo do carma, ou resistências derivadas do mau carma criado por ter cometido algum dos cinco atos malignos ou dos dez maus atos; (3) o obstáculo da retribuição, causado pelos efeitos cármicos negativos de ações cometidas nos três maus caminhos (estados de Inferno, Fome e Animalidade). As quatro maldades são: (1) o impedimento dos cinco componentes ou obstruções causadas por nossas funções físicas e mentais; (2) impedimento dos desejos mundanos ou obstruções causadas pelos três venenos (avareza, ira e estupidez); e (3) impedimento da morte, devido à própria morte do praticante ou à morte prematura ou intempestiva de um seguidor, gerando dúvidas nos demais; e (4) impedimento do Rei Demônio do Sexto Céu, função destrutiva que se vale de diversas pessoas e circunstâncias para fazer com que o praticante budista abandone a fé. É considerado como o impedimento mais difícil de superar.

2. Rei Demônio do Sexto Céu: Também chamado “Rei Demônio” ou “Demônio Celestial”. Soberano das funções maléficas que habita o sexto céu, o mais elevado dos seis mundos do desejo. É referido como “Demônio que se Regozija em Manipular Livremente as Pessoas e em Usurpar o Fruto dos Esforços Delas”. Função manipuladora da mente das pessoas. O Demônio do Sexto Céu é servido por incontáveis funções subsidiárias que visam a impedir a prática budista, consumindo a vitalidade dos seguidores. Personifica a tendência negativa de impor a própria vontade aos demais a qualquer custo.

3. Amenização do efeito cármico: O termo, que literalmente significa “transformar o pesado e recebê-lo mais leve”, consta no Sutra do Nirvana. “Pesado” se refere ao carma negativo acumulado ao longo de incontáveis existências passadas. Como um benefício derivado por proteger o ensino budista correto, podemos experimentar uma retribuição cármica relativamente atenuada, expiando no curso da vida um carma muito pesado, cujos efeitos, normalmente afetariam não apenas esta mas muitas existências futuras.

4. WND, v. 1, p. 497.

5. Natureza de Buda: Causa ou potencial interno para atingir o estado de Buda.

6. Em “Carta aos irmãos”, Nitiren Daishonin cita o sutra Parinirvana: “É por causa dos benefícios obtidos por proteger a Lei que elas serão capazes de amenizar seus sofrimentos e retribuições nesta existência”. (WND, v. 1, p. 497.)

7. END, v. 3, p. 127.

8. Cf. END, v. 4, p. 204.

9. Sutra Parinirvana: Também conhecido como sutra Mahaparinirvana. Versão chinesa do Sutra do Nirvana em seis volumes, traduzido por Fa-hsien e Buddhabhadra, por volta de 417. Descreve oito tipos de sofrimentos: (1) ser desprezado; (2) ser amaldiçoado com uma aparência feia; (3) carecer de roupa; (4) carecer de alimentos; (5) buscar riqueza em vão; (6) nascer numa família pobre e de posição inferior; (7) nascer numa família que mantém visões errôneas; (8) ser perseguido pelo soberano.

10. END, v. 5, p. 21.

11. TODA, Jossei. Wakari Hi no Shuki Gokuchu-ki (Diários de Minha Juventude e de Minha Prisão). Tóquio: Seiga Shobo, 1970, p. 86.

12. IKEDA, Daisaku. A Youthful Diary: One Man’s Journey from the Beginning of Faith to Worldwide Leadership for Peace (Diário da Juventude: A jornada de um homem do início da fé à liderança pela paz). Santa Mônica, Califórnia: World Tribune Press 2000, p. 67.

13. Garoto Montanhas de Neve: Nome do Buda Sakyamuni numa de suas existências passadas, quando realizava a prática de bodhisattva. A divindade Shakra, decidida a testar a determinação do menino, aparece diante dele sob a forma de um demônio faminto. Depois de ouvir a primeira parte de um ensino budista recitado pelo demônio, o menino lhe suplica que revele a outra metade. O demônio aceita. Porém, exige em troca a carne e o sangue do menino. Montanhas de Neve promete, de bom gosto, oferecer o corpo ao demônio, que então lê para ele a segunda metade do ensino. Quando o garoto está prestes a cumprir o prometido, o demônio recobra a forma anterior, revelando-se como Shakra. A divindade elogia a atitude de Montanhas de Neve de não poupar a própria vida em prol da Lei.

14. Shakra: Também conhecido como Shakra Devanan Indra, ou simplesmente, Indra. O lorde ou o rei das divindades na antiga crença védica e hindu. Junto de Brahma, é uma das principais divindades protetoras do budismo. Shakra é descrito em muitos sutras como uma função que põe à prova a determinação dos praticantes. Com esse propósito, costuma adotar várias formas, por exemplo, a figura de um brâmane ou de um demônio. Conforme o 1º capítulo do Sutra de Lótus, “Introdução”, Shakra participou na assembleia sobre o Pico da Águia em que o Sutra foi pregado, acompanhado de vinte mil seguidores.

15. Rei Shibi: Nome de Sakyamuni numa de suas existências passadas, quando realizava a prática de bodhisattva. Um dia, a divindade Vaishravana (ou, segundo outras fontes, Vishvakarman) e Shakra decidiram testá-lo. Um adotou a forma de uma pomba, e o outro, a de um falcão. Este último perseguiu implacavelmente a primeira, que buscou refúgio no manto do rei Shibi. O falcão faminto exigiu a pomba como alimento. Mas o rei Shibi decidiu salvá-la, dando à ave de rapina um pedaço da própria carne, equivalente ao peso do corpo da pomba.

16. Vaishravana: Um dos quatro reis celestiais da mitologia budista, considerado o mais proeminente de todos. Segundo a crença, essa divindade sempre protege os lugares em que o Buda prega seus ensinos. No 26º capítulo do Sutra de Lótus, “Dharani”, jura proteger os devotos do Sutra. No Japão, onde é conhecido como Bishamon-ten, é venerado como uma das sete divindades benéficas. Na mitologia hindu, Vaishravana é conhecido como Kubera, rei dos yaksha e deus da riqueza.

17. Dez filhas demônio: Dez divindades protetoras femininas mencionadas no Sutra de Lótus como “filhas dos demônios rakshasa” ou como “as dez filhas rakshasa”. No 26º capítulo do Sutra de Lótus, “Dharani”, elas juram proteger os devotos do Sutra e declaram que punirão os que fizerem mal a esses praticantes.

18. Perseguição de Atsuhara: Sucessão de ameaças e atos de violência perpetrados contra os seguidores de Daishonin na vila de Atsuhara, distrito Fuji da província de Suruga, que começaram em 1275 e persistiram até 1283, aproximadamente. Em 1279, vinte camponeses foram injustamente presos e enviados a Kamakura. Ali, Hei no Saemon submeteu os camponeses a um brutal interrogatório, exigindo-lhes a renúncia à fé. Porém, nenhum deles cedeu. Dias depois, três desses camponeses morreram decapitados: os irmãos Jinshiro, Yagoro e

Yarokuro. Estes ficaram conhecidos como os “três mártires de Atsuhara”.

19. Hei no Saemon (?-1293): Também conhecido como Hei no Saemon-no-jo Yoritsuna. Proeminente oficial da regência Hojo (serviu aos regentes Tokimune e Sadatoki). Foi o governante que, de fato, deteve o poder da nação japonesa durante o período Kamakura (1185-1333). Concentrou em sua pessoa enorme influência. Primeiro, como subdelegado do Departamento de Assuntos Militares (cujo titular era o xogum), e depois, como administrador da principal ramificação do clã Hojo. Na época em que ocorreu a Perseguição de Tatsunokuti, ele detinha os controles militar e político. Compactuou com Ryokan, do templo Gokuraku da Escola Verdadeira Palavra, e foi o principal mandante das perseguições contra Nitiren Daishonin e das opressões aos discípulos do Buda.

20. WND, v. 2, p. 831.

21. Nitiren Daishonin diz: “Para mim, Nitiren, os maiores aliados que tive para atingir o estado de Buda foram Kaguenobu, os sacerdotes Ryokan, Doryu e Doamidabutsu, Hei no Saemon e o lorde de Sagami. Sinto gratidão ao pensar que, sem eles, não poderia provar a mim mesmo que sou o devoto do Sutra de Lótus”. (WND, v. 1, p. 770.)

22. Grande Mestre Miao-lo (711-782): Sexto patriarca da escola Tient’ai, da China. Entre suas obras destacam-se: Anotações sobre “Profundo Significado do Sutra de Lótus”, Anotações sobre “Palavras e Frases do Sutra de Lótus” e Anotações sobre “Grande Concentração e Discernimento”.

23. Anotações sobre “Grande Concentração e Discernimento”, de Miao-lo.

24. Cf. WND, v. 2, p. 831.

25. Transformação do veneno em remédio: Princípio em que os desejos mundanos e os sofrimentos podem converter-se em benefícios e em iluminação por meio do poder da Lei Mística.

26. HESSE, Hermann. “Eigensinn” (Obstinação), em Gesammelle Werke (Obras Completas), Frankfurt: Suhrkamp

Taschenbuch Verlag, 1987, v. 10, p. 457.

27. WND, v. 1, p. 497.

28. Ibidem, p. 495.

29. END, v. 4, pp. 209-210.

30. WND, v. 1, p. 497.

31. Revolta de Fevereiro: Também conhecida como Revolta de Hojo Tokisuke. Rebelião que ocorreu dentro do clã governante Hojo. Resultou em lutas armadas em Kyoto e Kamakura. Em fevereiro de 1272, Hojo Tokisuke, influente oficial em Kyoto, liderou um motim contra o meio-irmão mais novo, o regente Hojo Tokimune, numa tentativa de tomar-lhe o poder. Os conspiradores de Tokisuke em Kamakura, entre os quais estavam Nagoe Tokiakira e Nagoe Noritoki, foram mortos por suspeita de participação no golpe.

32. Invasão mongol: Os mongóis já haviam tentado invadir o Japão em 1274. A segunda invasão ocorreu vários anos depois, em 1281.

33. WND, v. 1, pp. 497-498.

34. Mundo dos asura: Também chamado “domínio dos asura” ou “mundo da Ira”. O quarto dos dez estados da vida e um dos quatro maus caminhos. Visto como estado de vida, o mundo dos asura é uma condição subjetiva caracterizada pelo orgulho e pelo egoísmo. As pessoas que vivem nesse estado se sentem compelidas a superar os outros em todos os aspectos, a supervalorizar a si mesmas e a menosprezar os demais. Os asura são espíritos ou demônios beligerantes descritos na mitologia indiana, considerados como a personificação dessa condição de vida.

35. Cf. WND, v. 1, p 498.

36. Ibidem.

37. Ibidem.

38. Lorde Wada é Wada Yoshinori (1147-1213), um oficial militar do regime de Kamakura que foi astutamente induzido a lutar contra o clã Hojo, e cuja família inteira foi exterminada. A expressão “governador de Wakasa” alude a Miura Yasumura (m. 1247), parente dos Hojo por enlace matrimonial, mas que foi acusado de traição. Ele e toda a família perderam a vida em combate.

39. Masakado é Taira no Masakado (m. 940), guerreiro que exerceu grande poder na região leste do Japão; e Sadato é Abe no Sadato (1019-1062), chefe de um poderoso clã também do leste do país. Ambos foram mortos em combate contra as forças imperiais.

40. WND, v. 1, p. 498.

41. Ibidem.

42. WND, v. 1, p. 579.

43. Ibidem.

44. Birthright of Man: A Selection of Texts (Os Direitos Humanos: Seleção de Textos). Jeanne Hersch, ed. Paris: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 1969, p. 127.

45. WND, v. 1, p. 498.

46. Nanjo Tokimitsu (1259-1332): Fiel seguidor de Nitiren Daishonin e lorde da Vila de Ueno, no distrito Fuji, província de Suruga (parte da atual província de Shizuoka). Durante a Perseguição de Atsuhara, usou sua influência para proteger os companheiros de fé, abrigando muitos deles na própria casa.

47. WND, v. 1, p. 1.003.

48. TODA, Jossei. Toda Josei Zenshu (Coletânea de Escritos de Jossei Toda). Tóquio: Seikyo Shimbunsha, 1983,

v. 3, p. 72.

49. Pico da Águia: Lugar onde Sakyamuni pregou o Sutra de Lótus. O Pico da Águia simboliza a terra do Buda ou o estado de Buda. Nesse sentido, costuma-se utilizar a expressão “terra pura do Pico da Águia”.

50. TODA, Jossei. Toda Josei Zenshu (Coletânea de Escritos de Jossei Toda). Tóquio: Seikyo Shimbunsha, 1981,

v. 1, p. 59.

51. WND, v. 1, p. 59

52. Rei Shuddhodana: Rei de Kapilavastu, na região norte da Índia. A primeira esposa de Shuddhodana, Maya, morreu sete dias depois de dar à luz Sakyamuni. Após o ocorrido, o soberano casou-se com Mahaprajapati, irmã mais nova de Maya. Com a segunda esposa, ele teve outro filho, Nanda. Shuddhodana, a princípio, se opôs ao desejo de Sakyamuni de renunciar ao mundo secular para dedicar-se à vida religiosa. Mas quando o filho, depois de atingir a iluminação, voltou ao palácio em Kapilavastu, Shuddhodana se converteu ao seu ensino.

53. Esta passagem é seguida pela explanação: “[Um sutra] explica a essência da devoção filial da seguinte maneira: ‘Quando a pessoa renuncia às obrigações [com os pais] e ingressa na vida budista, será capaz de verdadeiramente retribuir-lhes todos os débitos de gratidão’. Ou seja, com o propósito de entrar realmente no Caminho, a pessoa abandona o lar contra a vontade dos pais e atinge a iluminação. Ao agir dessa forma, ela paga a dívida de gratidão que tem com eles”. (WND, v. 1, p. 499.)

54. Po I e Shu Ch’i: Irmãos que viveram na China antiga, célebres pela sabedoria. Filhos do governante Ku-chu. O pai dos jovens havia designado o filho mais novo, Shu Ch’i, para sucedê-lo. Porém, depois da morte do pai, Shu Ch’i recusou-se a ascender ao trono por consideração ao irmão mais velho.

55. Cf. WND, v. 1, pp. 498-499.

56. Tient’ai (538-597): Também conhecido como Chih-i. Fundador da escola Tient’ai, na China. Suas preleções foram compiladas em obras como Profundo Significado do Sutra de Lótus, Palavras e Frases do Sutra de Lótus e Grande Concentração e Discernimento. Propagou o Sutra de Lótus na China e estabeleceu a doutrina dos “três mil mundos num único momento da vida”. Em “Carta aos Irmãos”, Daishonin se refere à época em que Tient’ai praticava a meditação focada no Sutra de Lótus e as funções maléficas tentaram impedi-lo, apresentando-se sob a forma dos falecidos pais.

57. Cf. WND, v. 1, p. 499.

58. Os príncipes Nintoku e Uji eram filhos do Imperador Ojin (que viveu no fim do século 4 e início do século 5).

59. Repositório Puro e Visão Pura: Dois filhos do rei Adorno Maravilhoso, mencionados no 27º capítulo do Sutra de Lótus, “Os Feitos do Rei Adorno Maravilhoso”. O rei era seguidor fervoroso dos ensinos não budistas, mas os filhos fizeram-no compreender a grandeza do budismo, mostrando-lhe os poderes sobrenaturais.

60. O eremita havia ordenado ao assistente a manter guarda para que ele pudesse despertar para a Lei. Porém, o assistente falha na tarefa solicitada.

61. Cf. WND, v. 1, p. 499.

62. Ibidem.

63. WND, v. 2, p. 744.

64. TODA, Jossei. Toda Josei Zenshu (Coletânea de Escritos de Jossei Toda), v. 1, p. 60.

65. WND, v. 1, p. 499.

66. WHITMAN, Walt. “Song of the Open Road” (Canto da estrada aberta), Leaves of Grass (Folhas de Relva). Nova York: Everyman’s Library, 1968, p. 125.


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“Carta aos irmãos”
(parte 3.3)

Terceira Civilização, Edição 505, 01/09/2010 / Estudo

A vitória do discípulo é o maior desejo e a maior alegria do mestre

por Daisaku Ikeda

A obra Grande Concentração e Discernimento, do Grande Mestre Tient’ai, é a essência dos ensinamentos de sua existência e o coração de todos os ensinos sagrados do Buda. (...)

A doutrina dos Três Mil Mundos num Único Momento da Vida revelada no quinto volume de Grande Concentração e Discernimento é especialmente profunda. Ao propagá-la, demônios surgirão sem falta, pois se isso não ocorresse, não haveria como saber que este é o ensinamento correto. Em uma passagem do mesmo volume, consta: “Conforme a prática progride e a compreensão aumenta, os três obstáculos e as quatro maldades se manifestam de forma confusa, competindo uns com os outros para interferir. (...) A pessoa não deve ser influenciada nem amedrontada por eles. Se for influenciada, será conduzida para os maus caminhos. Se ficar amedrontada, sua prática será impedida”. Essa declaração não somente se aplica a mim mas também é um direcionamento para os meus seguidores. Façam deste o seu louvável ensinamento e transmitam-no como uma importante lição de fé para as futuras gerações.

Os três obstáculos mencionados nesta passagem são os obstáculos dos desejos mundanos, do carma e da retribuição. O obstáculo dos desejos mundanos indica os impedimentos à prática causados pela avareza, ira, estupidez e por outras tendências semelhantes. O obstáculo do carma representa os impedimentos causados pela esposa ou pelos filhos. Por fim, o obstáculo da retribuição corresponde aos impedimentos apresentados pelo soberano ou pelos pais. Das quatro maldades, as funções do Rei Demônio do Sexto Céu são desse último tipo.

No Japão atual, muitas pessoas afirmam ter dominado a prática de concentração e discernimento. No entanto, existe alguém que realmente tenha enfrentado os três obstáculos e as quatro maldades? A declaração “Se uma pessoa cai sob a influência deles, será conduzida para os maus caminhos” indica não apenas os três maus caminhos mas também os mundos dos seres humanos e seres celestiais e, de modo geral, todos os nove mundos. Por essa razão, com exceção do Sutra de Lótus, todos os demais sutras — os dos períodos Guirlanda de Flores, Agama, Exatidão e Semelhança, Sabedoria, Nirvana e Mahavairochana — conduzirão as pessoas aos maus caminhos. Além disso, com exceção da escola Tendai, os adeptos das outras sete escolas são, na verdade, guardiões do inferno que levam os outros aos maus caminhos. Mesmo na escola Tendai, há os que professam a fé no Sutra de Lótus, mas, na realidade, conduzem outros aos ensinamentos pré-Sutra de Lótus. Eles também são os guardiões do inferno que fazem as pessoas caírem nos maus caminhos.

Vocês dois, irmãos, são como o eremita e o homem íntegro. Se um dos dois desistir no meio do caminho, ambos deixarão de atingir o estado de Buda. (...)

Vocês duas, esposas, não devem guardar ressentimento mesmo que seus maridos venham a ofendê-las por causa da fé neste ensinamento. Se ambas se unirem para encorajar a fé de seus maridos, seguirão o mesmo caminho da filha do Rei Dragão e tornar-se-ão um modelo para as mulheres atingirem o estado de Buda na era maléfica dos Últimos Dias. Contanto que ajam dessa maneira, não importando o que aconteça, Nitiren pedirá aos dois sábios, aos dois reis celestiais, às dez filhas-demônio, a Sakyamuni e Muitos Tesouros para torná-las budas em cada uma das existências futuras. Uma passagem do Sutra dos Seis Paramitas afirma que devemos nos tornar mestre de nossa mente, em vez de permitir que ela nos domine.

Independentemente do problema que enfrentarem, considerem-no apenas como um sonho e pensem unicamente no Sutra de Lótus. O ensino de Nitiren foi particularmente difícil de acreditar no início, mas agora que minhas profecias foram concretizadas, os que cometeram calúnias infundadas acabaram se arrependendo. Mesmo que, no futuro, outros homens e outras mulheres venham a se tornar meus discípulos, não poderão substituí-los em meu coração. (...)

Esta carta foi escrita, principalmente, para Hyoe no Sakan [o mais jovem dos irmãos Ikegami]. Também deve ser lida pela esposa dele e a de Tayu no Sakan [o irmão mais velho].

(WND, v. 1, pp. 500-502.)

Explanação

O fundador e primeiro presidente da Soka Gakkai, Tsunessaburo Makiguti (1871–1944), disse certa ocasião: “Fazemos de nossa vida a morada do Buda que nos conduz à felicidade ou, em vez disso, a convertemos em função maléfica que nos leva à infelicidade? Temos de escolher entre uma e outra opção. Se combatemos ativamente as funções negativas em nós e as vencemos, isso nos conduzirá à felicidade e ao Kossen-rufu”.

Junho é o mês do nascimento do sr. Makiguti. [O fundador da Soka Gakkai nasceu em 6 de junho de 1871]. Por meio de esforços incansáveis para manter e defender o Budismo de Nitiren Daishonin, ele nos ensinou que o caminho da fé para atingir o estado de Buda nesta existência e concretizar o objetivo do Kossen-rufu implicava uma luta incessante contra as funções maléficas.

Havia um membro da Soka Gakkai, um jovem professor, que recebeu cartas de incentivo e orientação do sr. Makiguti quase todo mês, em 1938. Muitos anos depois, ele viria a recordar: “A cada três cartas, mais ou menos, o sr. Makiguti citava estas palavras [de Tient’ai que constam nos escritos de Daishonin]: ‘Conforme a prática progride e a compreensão aumenta, os três obstáculos e as quatro maldades1 se manifestam de forma confusa, competindo uns com os outros para interferir’”.2 E ele não foi o único a ficar impressionado com essa característica do primeiro presidente da Soka Gakkai. O sr. Makiguti sempre enfatizava aos membros sobre a importância de praticar a fé com a firme disposição de combater os três obstáculos e as quatro maldades e de triunfar sobre eles. Isso porque a fé é a própria essência do Budismo de Nitiren Daishonin. Herdando o espírito destemido do sr. Makiguti de lutar contra as funções malignas, os membros da Soka Gakkai têm praticado o ensinamento correto do budismo exatamente como Daishonin instrui.

O segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda, devotado discípulo do sr. Makiguti, liderou a Soka Gakkai com o mesmo comprometimento inabalável para combater as funções malignas e bradar pelo que é correto. [Durante a Segunda Guerra Mundial, o sr. Toda e o sr. Makiguti foram presos pelas autoridades militares japonesas por terem se recusado a comprometer suas crenças, e o presidente Makiguti faleceu na prisão em novembro de 1944.] Após ser libertado (em julho de 1945), o sr. Toda jurou triunfar sobre as opressivas forças do autoritarismo responsáveis pela morte de seu mestre. Ele se ergueu como um indomável defensor da Lei Mística, e levou corajosamente a bandeira do Kossen-rufu sozinho.

Como discípulo do sr. Toda, eu fiz o máximo que pude para apoiá-lo e ajudá-lo. Vencendo a tempestade de obstáculos que combatemos juntos como mestre e discípulo, o sr. Toda enfim assumiu como segundo presidente da Soka Gakkai (em maio de 1951). Ele deu início a uma revolução religiosa sem precedentes, uma batalha para livrar o mundo do sofrimento e da infelicidade, dissipando a escuridão ou ignorância fundamental3 inerente na vida das pessoas — a causa primordial de todo o mal — e livrando assim a humanidade do sofrimento decorrente da pobreza, do ódio, da violência e de outras circunstâncias negativas. Meu mestre edificou uma fortaleza com o compromisso de concretizar o princípio de Daishonin do “estabelecimento do ensino correto para a paz da nação”.4 Isso foi alcançado, convocando-se a magnífica força dos Bodhisattvas da Terra5 (na forma de 750 mil famílias da Soka Gakkai, prontas a enfrentar corajosamente as funções malignas) e vencendo os três poderosos inimigos6 do budismo.

Além disso, como fica evidente em sua Declaração pela Abolição das Armas Nucleares,7 de 1957, o sr. Toda empreendeu uma incansável batalha por toda a vida contra o mal e os impulsos destrutivos que se encontram alojados no coração humano. E, em seu último pedido feito aos discípulos antes de falecer, ele lhes solicitou que combatessem a corrupção e a calúnia contra a Lei dentro do clero da Nitiren Shoshu e que jamais afrouxassem a luta contra quaisquer funções malignas que procurassem destruir o espírito humano.

Combater as funções malignas é a própria essência da orientação dos três primeiros presidentes da Soka Gakkai durante a luta que empreenderam em prol do Kossen-rufu em exato acordo com os ensinamentos de Daishonin. Se essa fé para desafiar as funções malignas for mantida agora e no futuro, sem dúvida, o Kossen-rufu será concretizado. O escrito “Carta aos irmãos” apresenta a fórmula para isso. Nesta parte, discutiremos sobre a batalha contra os três obstáculos e as quatro maldades, a importância de estarmos unidos no mesmo propósito e a fé embasada no compromisso compartilhado entre mestre e discípulo.

“Um direcionamento para os meus seguidores” e “Uma importante lição de fé para as futuras gerações”

Neste trecho que conclui “Carta aos irmãos”, Daishonin cita uma passagem de Grande Concentração e Discernimento, de Tient’ai, esclarecendo por que os três obstáculos e as quatro maldades aparecem. Ele emprega essas palavras para esclarecer aos irmãos Ikegami,11 que se encontravam numa situação desesperadora, que eles não deveriam em hipótese alguma ser derrotados por essas funções negativas. Nitiren Daishonin já havia explanado detalhadamente nesta carta, e sob diferentes perspectivas, qual a razão de os praticantes do Sutra de Lótus enfrentarem dificuldades, e agora ele reconfirma que a fé na Lei Mística é, em última instância, uma infindável batalha contra os três obstáculos e as quatro maldades.

Daishonin volta sua atenção em especial para o quinto volume de Grande Concentração e Discernimento, e indica que sua profunda doutrina dos Três Mil Mundos num Único Momento da Vida revela a essência dos ensinamentos do Buda. Essa doutrina expressa a essência do ensino da iluminação universal que consta no Sutra de Lótus como um guia para a prática da “observação da mente”12 a fim de realizar a própria transformação interior, ou iluminação.

No início do capítulo intitulado “Prática Correta”, do quinto volume de Grande Concentração e Discernimento, enquanto se prepara para revelar essa suprema doutrina, Tient’ai faz, em primeiro lugar, uma advertência aos praticantes do Sutra de Lótus para que não abandonem a prática por temerem os três obstáculos e as quatro maldades. Daishonin observa perspicazmente esse fato com a seguinte explicação: “Ao propagá-la [esta doutrina], demônios surgirão sem falta, pois se isso não ocorresse, não haveria como saber que este é o ensinamento correto”.13 Em outras palavras, os obstáculos e as funções malignas surgem para atacar os que praticam o ensinamento correto. Daishonin ensina aqui um ponto importante para a vitória em nossa prática budista — pois somente pelo reconhecimento dessa verdade e estando prontos a combater esses obstáculos com coragem e triunfar quando eles surgirem é que será possível realizarmos nossa transformação interior.

A passagem que Daishonin cita de Grande Concentração e Discernimento inicia dizendo que “Conforme a prática progride e a compreensão aumenta...”, indicando um estágio em que os praticantes aprofundaram a compreensão do Sutra de Lótus e, como resultado, solidificaram sua prática. Os três obstáculos e as quatro maldades atacam exatamente por causa dos genuínos esforços empreendidos pelos praticantes para transformarem sua vida no nível fundamental. Em nosso contexto atual, isso significa que esses obstáculos serão desencadeados quando nos empenharmos com toda sinceridade nas duas formas de prática e estudo e avançarmos na vida e em nossos esforços em prol do Kossen-rufu. Daishonin afirma que os três obstáculos e as quatro maldades surgem quando estamos prestes a atingir o estado de Buda.

A seguir, a passagem afirma que “os três obstáculos e as quatro maldades se manifestam de forma confusa, competindo uns com os outros para interferir”. Essas funções negativas procuram apanhar os praticantes do Sutra de Lótus desprevenidos e, com vários meios maldosos, tentam intimidá-los, persuadi-los, desencorajá-los, enfraquecê-los ou deixá-los na inércia.

Tient’ai delineia dois ingredientes essenciais para o tipo de fé necessária a fim de combater os três obstáculos e as quatro maldades: (1) “não ser influenciado por eles” e (2) “não ficar amedrontado”.14 Aqueles que se permitem ser influenciados pelas funções malignas serão arrastados para os maus caminhos da existência, ao passo que os que se permitem ser intimidados por elas serão impedidos de praticar o ensinamento correto. Resumindo, a sabedoria e a coragem são a base para a vitória nesta batalha — a sabedoria para enxergar as funções malignas pelo que elas são e não ser dominado por elas e a coragem para enfrentá-las sem medo. A recitação do Nam-myoho-rengue-kyo é a fonte de sabedoria e coragem necessárias para derrotar essas forças negativas. Isso porque a força do Nam-myoho-rengue-kyo, a Lei Mística, transforma instantaneamente a escuridão ou ignorância inata em natureza fundamental da iluminação,15 permitindo-nos atingir uma condição de vida em que conseguimos considerar as dificuldades com que nos deparamos no caminho da fé com paz e tranquilidade.16

Em outro escrito, Daishonin cita a mesma passagem de Grande Concentração e Discernimento sobre o surgimento dos três obstáculos e das quatro maldades, mas inclui ainda esta frase: “No entanto, o senhor deve ser como a montanha dourada que brilha ainda mais quando arranhada por um javali,17 como o mar que envolve todos os vários riachos, como o fogo que aumenta sua chama à medida que a lenha é adicionada, ou como o inseto kalakula que aumenta de tamanho quando o vento sopra”.18 Combater as funções malignas faz com que nossa fé seja polida. Exatamente como uma montanha dourada brilha com ainda mais esplendor, como o oceano fica mais cheio, como o fogo arde com mais intensidade e como o kalakula fica ainda maior. A forte fé no Sutra de Lótus faz manifestar o magnífico benefício da Lei Mística da “transformação do veneno em remédio”,19 convertendo, assim, o infortúnio em boa sorte.

Daishonin diz em outro trecho: “O devoto do Sutra de Lótus é como o fogo e o kalakula, ao passo que as perseguições que ele sofre são como a lenha e o vento”;20 e “Quanto piores forem as adversidades que recaírem sobre ele [o devoto do Sutra de Lótus], maior será a alegria que sentirá devido a sua forte fé”.21 Os grandes obstáculos fortalecem a vida dos genuínos praticantes do Sutra de Lótus. Ao enfrentar corajosamente esses desafios, eles conseguem fazer seu estado de Buda brilhar com ainda mais esplendor.

Em “Carta aos irmãos”, podemos perceber que Daishonin está ensinando aos irmãos Ikegami sobre o princípio de que “os obstáculos levam à iluminação” e que está lhes pedindo que fiquem preparados para lutar até o fim.

Para todos nós, discípulos de Nitiren Daishonin, é uma imensa boa sorte que o Buda tenha deixado um exemplo pessoal de luta e vitória contundente sobre as funções malignas. Ele é o próprio epítome do caminho da prática budista. Daishonin pede aos irmãos Ikegami que sigam sua liderança e percorram o mesmo caminho da vitória. Por isso, fazendo uma referência à passagem de Grande Concentração e Discernimento sobre os três obstáculos e as quatro maldades, ele diz: “Essa declaração não somente se aplica a mim mas também é um direcionamento para os meus seguidores”.22 Convicto de que a corajosa prática budista e a suprema vitória dos irmãos Ikegami serão um modelo eterno para os futuros praticantes, ele lhes diz: “Façam deste o seu louvável ensinamento e transmitam-no como uma importante lição de fé para as futuras gerações”.23

Vamos igualmente incorporar e transmitir com toda reverência o espírito de fé para combater as funções malignas, o qual nos foi ensinado pelos presidentes Makiguti e Toda, criando, assim, as causas no presente para o contínuo desenvolvimento da Soka Gakkai pelo eterno futuro.

Combater as funções malignas é a essência da fé genuína

A seguir, em benefício dos irmãos Ikegami, Daishonin descreve algumas das formas específicas com que os três obstáculos e as quatro maldades se manifestam. E faz também alusão ao fato de que ele e seus seguidores, na leal batalha contra as funções malignas, são os únicos na época atual que estão realmente praticando o ensinamento correto.

Ele analisa em primeiro lugar os “três obstáculos” — os obstáculos que atuam na obstrução da prática budista e minam as boas causas acumuladas na vida da pessoa. A lista de obstáculos varia de forma considerável dependendo do sutra ou do tratado. O Sutra do Nirvana e várias outras escrituras referem-se aos três tipos de obstáculos — os obstáculos dos desejos mundanos, do carma e da retribuição.

(1) O obstáculo dos desejos mundanos refere-se aos impedimentos à prática, os quais se originam dos três venenos da avareza, ira e estupidez na vida da pessoa, e assim por diante. Os desejos mundanos, ou os impulsos originados da ilusão, enfraquecem a energia vital das pessoas, tiram-lhes a razão e até mesmo roubam-lhes a energia que alimenta sua vida.

(2) O obstáculo do carma refere-se aos impedimentos originados da influência negativa do carma gravado na vida da pessoa, que age para obstruir a prática budista. Isso se aplica no caso em que a pessoa sai do caminho correto da prática budista por causa de suas próprias atitudes equivocadas ou por causa de maus atos.

(3) O obstáculo da retribuição refere-se aos obstáculos provenientes dos efeitos negativos ocasionados pelas graves ofensas cometidas em existências passadas. Um excelente exemplo dessa punição está em nascer numa época de corrupção ou num ambiente hostil à prática budista ou que não a apoia.

Em “Carta aos irmãos”, Daishonin apresenta exemplos concretos desses três obstáculos num contexto relevante aos irmãos Ikegami. Ele explica assim que o obstáculo do carma corresponde aos “impedimentos causados pela esposa ou pelos filhos”, ao passo que o obstáculo da punição corresponde aos “impedimentos apresentados pelo soberano ou pelos pais”.27 Quero esclarecer especificamente que as pessoas que impedem a prática budista de outra — tal como o cônjuge ou os filhos, ou o governante ou os pais, conforme indica Daishonin — nada mais são que funções ou influências negativas (“maus amigos”); elas não são más na essência. Por fim, cabe inteiramente a cada praticante permanecer firme ou abandonar a fé em consequência da oposição de outras pessoas. Quando vencemos a nós próprios, conseguimos enxergar cada indivíduo como um “bom amigo”, ou uma influência positiva para nossa vida. Enfatizando ainda mais esta questão: ao realizar uma mudança bem no interior de nossa vida, conseguimos mudar também, ou exercer uma influência positiva na vida dos outros.

Daishonin examina, em seguida, as “quatro maldades”. O termo “maldade” ou “função maligna”, no budismo, origina-se da palavra sânscrita mara, traduzida para o chinês de diferentes formas, tais como “assassino”, “ladrão de vida” ou “destruidor”. Esse termo se refere às funções negativas no coração da pessoa, as quais procuram destruir o espírito dela e até mesmo tirar-lhes a vida.

Como no caso dos obstáculos, há também vários tipos de maldades descritas em diferentes sutras e tratados. A descrição das quatro maldades como impedimentos dos desejos mundanos, dos cinco componentes,28 da morte e do Rei Demônio consta em obras como o Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria.29

(1) O impedimento dos desejos mundanos refere-se aos impulsos derivados da ilusão que atormentam, provocam confusão espiritual e inibe a sabedoria nas pessoas.

(2) O impedimento dos cinco componentes, que inclui o impedimento da doença, refere-se ao desequilíbrio nos cinco componentes (por exemplo, a mente e o corpo) produzindo sofrimento e angústia que acabam levando à destruição da fé da pessoa.

(3) O impedimento da morte significa um praticante sendo despojado da vida — isto é, morrendo — e a morte da pessoa fazendo posteriormente com que outros praticantes duvidem da fé.

(4) O impedimento do Rei Demônio significa a fé dos praticantes, destruída pelas funções do Rei Demônio, também conhecido como “Demônio que se Regozija em Manipular Livremente as Pessoas e em Usurpar o Fruto dos Esforços Delas”.

Das quatro maldades, Daishonin menciona aqui apenas o impedimento do Rei Demônio. Isso porque ele estava enfocando o tipo de impedimento que os irmãos Ikegami estavam enfrentando.

Até este trecho da carta, Daishonin orientou em vários pontos sobre a necessidade de ter uma fé resoluta para enfrentar as funções insidiosas do Rei Demônio. No encerramento, Daishonin conclui que somente ele e seus seguidores podem provocar o ataque dos três obstáculos e das quatro maldades e triunfar sobre eles. Isso fica implícito em sua pergunta retórica: “Existe alguém que realmente tenha enfrentado os três obstáculos e as quatro maldades?”30 Ele observa que há muitas pessoas que “afirmam ter dominado a prática de concentração e discernimento [ensinada por Tient’ai como a prática correta para atingir a iluminação]”. Mas, pergunta ele, quem é que está sendo atacado pelos três obstáculos e pelas quatro maldades? A resposta dispensa explicações: fora Daishonin e seus seguidores, ninguém mais.

Por meio de nossos dedicados esforços em prol do Kossen-rufu como membros da Soka Gakkai, unidos pelo mesmo comprometimento de mestre e discípulo, estamos dando continuidade a este nobre espírito de luta de Daishonin. Com isso, na época atual estamos demonstrando que nós somos os únicos que realmente enfrentamos os três obstáculos e as quatro maldades.

Em novembro de 1942, no auge da Segunda Guerra Mundial, a Soka Kyoiku Gakkai (literalmente, Sociedade Educacional para a Criação de Valores, precursora da Soka Gakkai) realizou sua 5ª Convenção. No discurso proferido nessa ocasião, no qual tratou dessa mesma passagem de “Carta aos irmãos”, o sr. Makiguti declarou: “Quem dentre os tradicionais praticantes da Nitiren Shoshu [ou seja, o clero] foi atacado pelos três obstáculos e pelas quatro maldades? (...) Os que dizem conduzir os outros mas que não provocam o surgimento de obstáculos não seriam como ‘guardiões do inferno que levam os outros aos maus caminhos’?31 Ser atacado pelas funções malignas é o que distingue os ‘praticantes’ dos meros ‘seguidores’. (...)

“As pessoas que vivem uma existência dedicada ao bem menor e que praticam a fé somente para seu próprio benefício, com certeza, não enfrentarão obstáculos; mas aqueles que vivem em prol do bem maior, dedicados à altruística prática de bodhisattva, certamente serão atacados pelas funções malignas. (...)

“Assim como as flores de lótus que desabrocham sem serem maculadas pelas águas lamacentas onde crescem, nós [membros da Soka Gakkai] nos lançamos corajosamente no meio das forças hostis ao ensinamento correto — interagimos com pessoas dedicadas ao bem menor e ao bem relativo que caluniam a Lei — e procuramos corrigir seu grave erro e suas más ações. Portanto, é natural que os três obstáculos e as quatro maldades caiam furiosamente sobre nós. De fato, o surgimento deles faz com que possamos ser chamados de ‘praticantes’.”32

Não devemos ser “seguidores” fracos que desejam apenas o benefício menor para si próprios e que sentem muito medo de combater as funções malignas. Os autênticos “praticantes” são aqueles que se lançam com toda seriedade na batalha contra os três obstáculos e as quatro maldades, aspirando ao grande benefício de atingir o estado de Buda nesta existência e propagar o Kossen-rufu para a felicidade de todas as pessoas. Todos os membros da Soka Gakkai são nobres “praticantes do Sutra de Lótus” da era moderna.

Combatendo as funções malignas que fazem as pessoas caírem nos maus caminhos

Daishonin cita aqui a passagem relacionada aos três obstáculos e às quatro maldades que consta em Grande Concentração e Discernimento: “Se a pessoa cair sob sua influência, será levada aos maus caminhos”. Os sacerdotes de várias escolas budistas da época de Daishonin, por terem propagado ensinamentos errôneos por todo o país, agiram como “maus amigos”, ou influências negativas, fazendo com que as pessoas caíssem nos maus caminhos. Daishonin descreve essas pessoas como “guardiões do inferno” que levam os outros aos três maus caminhos e aos nove mundos dos ensinamentos pré-Sutra de Lótus [os quais articulam uma separação clara entre os nove mundos e o estado de Buda]. Ele declara ainda que mesmo na escola Tendai, que originariamente valorizava o Sutra de Lótus, há aqueles que, embora professem a fé nos ensinamentos desse sutra, agem, na verdade, como “guardiões do inferno” por levarem as pessoas a caírem nos maus caminhos e a descartarem o Sutra de Lótus.

Durante o período de 1275 e 1278 [correspondente à era Kenji e ao primeiro período após ter se mudado para o monte Minobu], Daishonin intensificou as críticas a Jikaku e Chisho,37 patriarcas da escola Tendai que haviam criado a causa fundamental para a calúnia contra o Sutra de Lótus por todo o Japão ao incorporarem as doutrinas esotéricas da escola Verdadeira Palavra aos ensinamentos originais da Tendai. Esses sacerdotes, que deveriam ter preservado o Sutra de Lótus, acabaram deturpando os ensinamentos da escola e o resultado foi que se tornaram pessoas que “destroem o Sutra de Lótus”.38

Numa época em que as pessoas eram profundamente influenciadas por esses ensinamentos errôneos e pela calúnia contra a Lei que existia por todo o país, Daishonin enfrentou diretamente os sacerdotes a quem as pessoas consideravam como fortalezas de sabedoria, denunciando-os como a verdadeira fonte desse mal fundamental da calúnia. Uma vez que ele se lançou a uma batalha “tão feroz como a que o Buda e o Rei Demônio travaram”,39 é inevitável que os três obstáculos e as quatro maldades caiam sobre ele como vingança.

Os irmãos Ikegami estavam entre os leais discípulos de Daishonin que o apoiaram e compartilharam o peso dos ataques desferidos por essas forças hostis. Nesta carta, Daishonin pede-lhes outra vez, com toda firmeza, que continuem a lutar junto com ele para propagar o ensinamento correto.

A união é a chave para a vitória

O segredo para ter uma fé capaz de combater as funções malignas é compartilhar o mesmo compromisso do mestre e unir-se firmemente no mesmo propósito com os companheiros praticantes. Daishonin enfatiza claramente esses pontos essenciais nas passagens que encerram “Carta aos irmãos”. Em primeiro lugar, ele ressalta a necessidade da união.

O mais importante para os irmãos Ikegami é que eles permaneçam unidos. As funções malignas procuram criar divisões. Se o pai deles tivesse deserdado os dois por causa da diferença religiosa, então teria sido simplesmente uma questão de eles se empenharem juntos para esclarecer quaisquer divergências. Mas, ao deserdar o mais velho, o pai esperava desafiar o mais novo com a perspectiva de conquistar o direito à sucessão. Foi obviamente um estratagema para pressionar os dois irmãos e tal procedimento deve ser visto como uma manifestação das funções do Rei Demônio do Sexto Céu.

Somente uma força positiva e unida conseguiria derrotar essas funções malignas. Assim, Daishonin diz aos irmãos: “Se um dos dois desistir no meio do caminho, ambos deixarão de atingir o estado de Buda”.46 Em outras palavras, a união representa uma fortaleza inexpugnável que impede a entrada das funções malignas.

Daishonin instrui ainda as esposas dos irmãos, dizendo-lhes que elas devem manter também uma fé corajosa. Ele escreveu estas palavras: “Vocês duas, esposas, não devem guardar ressentimento mesmo que o marido venha a ofendê-las por causa da fé neste ensinamento. Se ambas se unirem para encorajar a fé do marido, seguirão o mesmo caminho da filha do Rei Dragão e tornar-se-ão um modelo para as mulheres atingirem o estado de Buda na era maligna dos Últimos Dias”.47

A fé das mulheres, com frequência, se mostra decisiva num momento crucial. Devemos gravar essas palavras de Daishonin. Mas, para se empenhar na fé por uma família harmoniosa e feliz, não há nenhuma necessidade de ficarem impacientes com os familiares que não praticam o Budismo de Daishonin. Uma pessoa que mantém a fé na Lei Mística é como o sol nascente que ilumina todos os membros da família e entes queridos, estendendo-se o benefício de sua prática budista a todos. O mais importante é orar e ter total convicção de que sua perseverança na fé conduzirá todos à felicidade.

Nesta carta, Daishonin escreve que “as mulheres apoiam os outros e, como resultado, recebem o apoio dos demais”48 e pede às esposas dos irmãos Ikegami que “se unam para encorajar a fé do marido”.49 Com isso, ele está dizendo que se elas mantiverem sabiamente uma fé inabalável, com certeza, conseguirão triunfar sobre os ataques das funções malignas e conquistar um ilimitado estado de Buda, que envolverá também toda a família. Com as cartas que Daishonin enviou aos irmãos Ikegami, podemos deduzir que o prudente apoio que as esposas deram aos maridos de acordo com a orientação de Daishonin teve um papel significativo no fato de o pai deles, Yasumitsu Ikegami,50 ter se convertido ao ensinamento correto.

Uma vida vitoriosa conduzida pelo princípio de que o coração é o mais importante

Conforme Daishonin diz, “O que importa é o coração”.53 O coração humano ou a mente proporciona suprema dignidade e nobreza à vida. Ao mesmo tempo, pode cair na mais profunda depravação se sucumbir aos impulsos da escuridão ou ignorância fundamental. Transformar o coração é a base para toda mudança duradoura.

Se nos basearmos em nosso coração ou em nossa mente inconstante, não conseguiremos escalar as íngremes cordilheiras fustigadas pelos ferozes ventos das funções malignas. Devemos visualizar o pico sólido e inabalável do estado de Buda e sempre buscar dominar nossa mente. Esse é o significado das palavras “ser mestre de nossa mente, em vez de permitir que ela nos domine”.54

Dominar a mente significa fundamentar-se no inabalável alicerce da Lei. Aqui está a importância dos sutras ou escritos contendo os ensinamentos do Buda que despertou para a Lei e a propaga. Para nós, praticantes do Budismo de Daishonin, dominar a mente significa nos basearmos no Gohonzon e nos escritos do Buda. E, no budismo, é o mestre que põe os ensinamentos em prática, que nos ajuda a nos conectarmos com a Lei. Dominar a mente significa viver com um sincero espírito de procura na fé e, embasados no mesmo compromisso entre mestre e discípulo, não se deixando ser dominados pelo egoísmo, pela arrogância nem pela presunção.

Daishonin destaca a importância de viver com autodomínio — um domínio fundamentado na Lei — conforme diz a seguinte passagem: “Independentemente do problema que enfrentarem, considerem-no apenas um sonho e pensem unicamente no Sutra de Lótus”.55 Do ponto de vista da infinita escala da eternidade, qualquer evento ou fenômeno é tão fugaz quanto um sonho. Mas a Lei é eterna. Permitir-se ser derrotado pelas funções malignas e se desviar da Lei serão uma causa para eterno arrependimento. Nessa passagem, Daishonin pede aos seus seguidores que “pensem unicamente no Sutra de Lótus”, que enfoquem apenas o Kossen-rufu e se mantenham firmes na fé em prol da eterna vitória.

Na época atual, nós, da Soka Gakkai, estamos nos dedicando com toda seriedade a dominar nossa mente com base nesse espírito de abnegado compromisso com o Sutra de Lótus (Nam-myoho-rengue-kyo). Como resultado disso, estamos demonstrando uma magnífica prova real da vitória. Há agora incontáveis membros heroicos — pessoas comuns que estão se empenhando corajosamente na prática budista — no Japão e no mundo inteiro. Essas pessoas são realmente tesouros do Kossen-rufu e da humanidade. Baseando-se na Lei e incorporando o espírito da unicidade de mestre e discípulo, conseguiram transformar o carma e estabelecer um estado de vida de felicidade inabalável. E continuam, ao mesmo tempo, trabalhando incansavelmente para contribuir em prol da prosperidade da sociedade e da paz mundial, vivendo uma existência de incomparável significado e dedicada à felicidade de si próprias e também das outras pessoas. Nós entramos numa época em que importantes pensadores do Japão e do mundo estão elogiando os esforços de nossos nobres membros.

A fé fundamentada no compromisso compartilhado por mestre e discípulo

No fim deste escrito, Daishonin reitera a importância de seus seguidores se empenharem com a mesma disposição e comprometimento que ele.

As funções do coração humano são infinitamente diversas. Ao observarem as predições de Daishonin se concretizarem, houve pessoas que se arrependeram e retiraram as críticas feitas anteriormente a ele e a seus seguidores. Mas houve também muitos outros que, embora tivessem tido fé nos ensinamentos de Daishonin, ficaram com medo de serem perseguidos por causa disso e abandonaram a fé. Alguns desses indivíduos acabaram sendo ainda mais hostis que aqueles que se opuseram a ele no início.57

Fraqueza, covardia e traição — o coração humano pode ser realmente temeroso. Não há dúvida de que foram esses aspectos que fizeram com que Daishonin escrevesse aos irmãos Ikegami e esposas, que se mantiveram fiéis ao caminho de mestre e discípulo: “Mesmo que, no futuro, outros homens e outras mulheres venham a se tornar meus discípulos, não poderão substituí-los em meu coração”.58 Esses seguidores que perseveraram pelo nobre caminho do Kossen-rufu, sem desanimar em meio às furiosas tempestades e sem se intimidar por aqueles que haviam abandonado a fé, são verdadeiros discípulos, diz ele, empregando palavras do mais alto louvor. Os laços de mestre e discípulo são um dos supremos tesouros da vida.

O sr. Toda disse: “Para nos elevarmos serenamente pelos céus do estado de Buda nesta existência, devemos nos lançar impetuosamente aos violentos ventos da adversidade. A fé que se mantém invicta diante de quaisquer dificuldades é o que nos permite construir um palácio de eterna felicidade na vida. Não há nenhum obstáculo que não possamos vencer com fé”.

Sua altaneira convicção é o epítome do espírito da Soka Gakkai, do espírito de Chakubuku de refutar o falso e esclarecer o correto, e do espírito de combater as funções malignas.

A fé é de suprema importância. Em outra carta, Daishonin diz aos irmãos Ikegami: “Os três obstáculos e as quatro maldades surgirão sem falta, e o sábio se alegrará ao passo que o tolo se acovardará”.59

Quando nossa fé é como a do “sábio que se alegra”, os ventos ferozes dos três obstáculos e das quatro maldades servirão apenas para dissipar as nuvens do carma que pairam sobre nós. No céu límpido do nosso coração aparecerá, sem falta, um arco-íris de infinita alegria. Convictos de que a luz do sol da verdade, da felicidade e da vitória brilhará com todo esplendor, vamos desafiar corajosamente todos os obstáculos.

A vitória do discípulo sobre os três obstáculos e as quatro maldades é o maior desejo e a maior alegria dos mestres no mundo do budismo.

(Daibyakurengue, edição de junho de 2009.)

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