segunda-feira, 4 de julho de 2016

[1, 2 e 3] CARTA DE SADO

[1.3] “Carta de Sado”

Meus discípulos, vençam com o coração de um rei leão!

Terceira Civilização, Edição 499, 01/03/2010 / Estudo

Prólogo da nova série de explanações

O Gosho é a fonte da qual brota a vitória

O Gosho, ou os escritos de Nitiren Daishonin, constitui uma compilação de ensinos para se conquistar a vitória. É a força motriz para triunfar em tudo — na vida e na sociedade, na batalha contra as funções maléficas e para sobrepujar o carma negativo.

Filosofia de transformação interior, o Budismo de Nitiren Daishonin fortalece as pessoas ao máximo, permitindo-lhes cultivar a força, a sabedoria e a riqueza de espírito. Cada palavra, cada frase do Gosho estão imbuídas do desejo do Buda: despertar as pessoas para o potencial inerente e fazê-las manifestar essa força. A imensa benevolência de Daishonin, como Buda dos Últimos Dias da Lei, é ajudar os discípulos e todas as pessoas a conquistarem a vitória na vida. Podemos sentir esse desejo pulsar vigorosamente em cada um dos escritos.

O Gosho é a fonte da vitória duradoura; detém a chave para o êxito e a prosperidade de todas as pessoas. Portanto, enquanto a SGI avançar tendo o Gosho como base, continuará a se desenvolver sempre.

Iniciamos 2009, o “Ano dos Jovens e da Vitória” da SGI. Posso dizer com imensa alegria que desfruto excelente saúde. Pelo bem de nossos jovens e de nossa vitória eterna, é meu desejo exercer a liderança com ainda mais vigor em prol do

Kossen-rufu, tendo como base os escritos de Nitiren Daishonin. De minha parte, pelo bem da posteridade, continuarei a falar e a escrever sobre o espírito budista essencial de mestre e discípulo. Este ano também vamos estudar o Gosho, o escrito eterno da SGI, e expandir ainda mais nossa magnífica rede de pessoas que vivem com base no espírito de jamais serem derrotadas.


“Carta de Sado” — a base da Soka Gakkai

Nesta nova série, gostaria de focar em profundidade os escritos de Daishonin que serviram de inspiração e alicerce espiritual aos três primeiros presidentes da Soka Gakkai. O primeiro escrito é “Carta de Sado”, que Nitiren Daishonin deixou para as futuras gerações com o apaixonado desejo de defender e preservar o ensino budista correto. Nesse sentido, é um escrito que transmite poderosa mensagem aos discípulos de Daishonin.

Não seria exagero dizer que “Carta de Sado” é o Gosho da Soka Gakkai. Digo isso porque os três primeiros presidentes, unidos pelos laços de mestre e discípulo, aplicaram na própria vida os ensinos desse escrito com abnegada dedicação à fé.

Ao advertir discípulos arrogantes, o primeiro presidente da Soka Gakkai, Tsunessaburo Makiguti, frequentemente citava a frase: “Uma pomba que imita a fênix”.1 E ele expunha amplamente que a grande missão da Soka Gakkai era empreender com determinação a prática do Chakubuku, um dos temas centrais de “Carta de Sado”. O segundo presidente da Soka Gakkai, Jossei Toda, também costumava explanar esse escrito para incutir em nós a firme consciência da mensagem dessa carta. Durante a célebre Campanha de Osaka,2 em 1956, numa reunião realizada no Centro Cívico de Nakanoshima, Osaka, ele explanou este Gosho para incentivar os companheiros de Kansai e impulsioná-los à vitória.

Foi também este escrito que inspirou minha prática budista na juventude. Eu sofria de tuberculose e a empresa do Sr. Toda passava por séria crise. Durante esse período extremamente difícil, lia e relia várias vezes “Carta de Sado”, desejando extrair coragem para lutar e enfrentar cada dia e assim conquistar a vitória final. Por isso, eu também dedicava-me de corpo e alma sempre que explanava esse escrito. No início de nosso movimento, aproveitava para explicar esse ensino onde quer que eu fosse — em Sendai, no norte do Japão; em Kawagoe, na província de Saitama e no bairro de Katsushika, em Tóquio.

Em 1959, um ano depois da morte do Sr. Toda, explanei “Carta de Sado” no Centro Cívico de Toshima, em Tóquio, um lugar repleto de recordações de meu mestre. Sentindo como se minha vida fosse uma extensão da vida do Sr. Toda, clamei aos companheiros com todo o meu ser, desejando que o poderoso brado do mestre reverberasse na vida de cada um: “Discípulos! Entrem em ação. Todos, cada um de vocês!” Também explanei esse escrito para um grupo de membros da Divisão dos Estudantes, do Ensino Médio e Superior, jovens fênix que se responsabilizariam pelo futuro. Dialoguei com eles como se fossem adultos. Hoje, essas pessoas se destacam como excelentes líderes do Kossen-rufu no mundo todo.

Trecho para estudo nesta explanação

Esta carta deve ser entregue a Toki. E deve também ser mostrada a Saburo Saemon, ao reverendo leigo Okuratonotsuji Juro, à monja leiga de Sajiki e aos meus outros seguidores. Envie-me o nome daqueles que foram mortos nas batalhas de Kyoto e de Kamakura. Por favor, peça também àquelas pessoas que estão vindo para cá me trazerem a antologia dos textos não budistas, o segundo volume de Palavras e Frases do Sutra de Lótus, o quarto volume de Profundo Significado do Sutra de Lótus, junto com o comentário sobre esse volume, e as coletâneas de escritos oficiais de comentários e de decretos imperiais.

As coisas mais terríveis deste mundo são o calor do fogo, o brilho das espadas e a sombra da morte. Se até os cavalos e os bois têm medo da morte, não é de se surpreender que os seres humanos também tenham. Se mesmo um leproso luta pela vida, imagine uma pessoa saudável. O Buda ensinou que o ato de cobrir todo um sistema de grandes mundos com os sete tipos de tesouros não se compara a oferecer o dedo menor ao Buda e ao Sutra [de Lótus]. O garoto Montanhas de Neve ofereceu o próprio corpo e o asceta Aspiração à Lei removeu a própria pele [para nela gravar os ensinos do Buda]. Como não há nada mais precioso que a própria vida, aquele que a dedica à prática budista, com certeza, atingirá o estado de Buda. Se alguém está disposto a consagrar a vida, por que pouparia qualquer outro tesouro pela causa do budismo? Em outras palavras, se a pessoa reluta em se desfazer da riqueza, como poderia sacrificar a vida, que é muito mais preciosa?

Aprendemos que é nosso dever retribuir às dívidas de gratidão que temos com os outros mesmo ao custo de nossa própria vida. Muitos guerreiros sacrificam a vida por seu lorde; talvez muito mais do que imaginamos. Um homem morre para defender a honra e uma mulher morre por seu marido. Os peixes lutam para sobreviver, lamentam pela pouca profundidade do lago onde vivem e cavam buracos no fundo para se esconder; porém, enganados pela isca, são fisgados. Os pássaros, temendo que as árvores em que vivem sejam muito baixas, escolhem os galhos mais altos para se proteger, mas enganados pela isca, eles também são apanhados em armadilhas. Os seres humanos são igualmente vulneráveis. As pessoas geralmente se sacrificam por assuntos seculares insignificantes, mas raramente o fazem pelos preciosos ensinos do Buda. Assim, não é de se surpreender que não atinjam a iluminação.

De acordo com a época [ou o tempo], o budismo deve ser propagado pelos métodos Shoju ou Chakubuku. Esses métodos são comparáveis ao uso da pena ou da espada. Os grandes sábios da antiguidade praticaram os ensinos budistas conforme a época. O garoto Montanhas de Neve e o príncipe Sattva sacrificaram a vida quando lhes disseram que, em troca, poderiam ouvir os ensinos e que doar a vida constitui-se na prática de bodhisattva. No entanto, por que alguém deveria sacrificar a vida quando isso não é necessário? Numa época em que não há papel, a pessoa deve usar a própria pele. Numa época em que não há pincel, a pessoa deve usar os próprios ossos. Numa época em que as pessoas louvam aqueles que observam os preceitos e os praticantes do ensino correto, ao mesmo tempo em que denunciam aqueles que violam ou ignoram os preceitos, elas devem seguir rigorosamente os preceitos. Numa época em que o confucionismo ou o taoísmo é empregado para reprimir os ensinos de Sakyamuni, a pessoa deve arriscar a vida para advertir o Imperador, assim como fizeram os mestres do Darma Tao-an, Hui-

-yüan e o mestre Tripitaka Fa-tao. Numa época em que as pessoas confundem os ensinos Hinayana com o Mahayana, os ensinos provisórios com o verdadeiro ou as doutrinas exotéricas com as esotéricas, como se fossem incapazes de distinguir as pedras preciosas dos pedregulhos ou o leite de vaca do leite de mula, devemos mostrar firmemente essas diferenças, seguindo o exemplo dos grandes mestres Tient’ai e Dengyo.

É da natureza dos animas ameaçar os fracos e temer os fortes. Nossos eruditos das várias escolas dos dias atuais agem exatamente da mesma forma. Eles desprezam um sábio que não possui poder, mas temem governantes maléficos. Essas pessoas nada mais são que serviçais aduladores. Somente quando vence um poderoso inimigo a pessoa é capaz de provar a verdadeira força. Quando um governante mau se associa a reverendos que seguem ensinos errôneos e tentam destruir o ensino correto e eliminar um sábio, aqueles que possuem o coração de um rei leão, com certeza, atingirão o estado de Buda, assim como Nitiren. Afirmo isso não por arrogância, mas porque estou profundamente comprometido com o correto ensino. A pessoa arrogante sempre ficará amedrontada diante de um forte inimigo, assim como ocorreu com o desdenhoso asura que se encolheu e se escondeu numa flor de lótus no Lago Eternamente Frio ao ser repreendido por Shakra. Se o ensino correto estiver de acordo com a época e a capacidade das pessoas, mesmo uma palavra ou frase capacitará as pessoas a entrarem no Caminho. No entanto, ainda que a pessoa estude mil sutras e dez mil tratados, será incapaz de atingir o estado de Buda se esses ensinos não forem apropriados para a época tampouco para a capacidade das pessoas.

(END-5, pp. 13-15.)

Explanação

Esta carta deve ser entregue a Toki [Jonin].3 E deve também ser mostrada a Saburo Saemon [Shijo Kingo],4 ao reverendo leigo Okuratonotsuji Juro,5 à monja leiga de Sajiki6 e aos meus outros seguidores. (END-5, p. 15.)

A imensa benevolência e consideração de Daishonin pelos seguidores

Esta passagem, que precede o corpo principal da carta, especifica os destinatários. Nestas linhas, podemos perceber o sentimento de Daishonin de prezar os discípulos individualmente.

Porém, a carta, conforme indicado no fim dela, é endereçada a todos os “discípulos e leigos de Nitiren”.7

Foi escrita em março de 1272, durante o exílio de Nitiren Daishonin na Ilha de Sado.8 No pós-escrito, Daishonin diz: “Meu desejo é que as pessoas que possuem espírito de procura se reúnam para lerem juntas esta carta de encorajamento”.9 Na época, os seguidores de Kamakura enfrentavam uma enxurrada de perseguições. Por essa razão, Daishonin pede enfaticamente às pessoas de fé genuína que mantenham estreita comunicação umas com as outras, e que, baseadas na orientação dele, se unam para triunfar sobre as dificuldades do momento.

Num artigo que escreveu sobre “Carta de Sado”, o Sr. Toda disse: “O que mais me comove quando leio este escrito é que, apesar de o próprio Nitiren Daishonin se encontrar em constante perigo e de viver em circunstâncias terríveis, de extrema incerteza e necessidade, o que predomina em cada linha é o afeto, profundo como a de um pai, e a constante consideração que ele tinha pelos discípulos. A imagem que isso evoca em minha mente é a de um rochedo gigantesco e inabalável, elevando-se acima do mar, banhado por suaves ondas sob a cálida luz do Sol”.10

Mesmo no exílio, onde corria risco de morte, Daishonin continuou a se preocupar com o bem-estar dos discípulos, numa demonstração de máxima benevolência. Essa atitude era uma prova de seu vasto e imperturbável estado de vida. O presidente Toda comparava esse estado de espírito com um rochedo imenso que se ergue acima do mar na primavera. Sem dúvida, meu mestre usou essa analogia para descrever o estado de vida elevado e a imensa benevolência de Daishonin, porque ele próprio havia superado a perseguição das autoridades militares japonesas durante a Segunda Guerra Mundial. O Sr. Toda lutou até o fim, imbuído da determinação firme como uma rocha, própria de um campeão invencível, exatamente como fez Daishonin.

Enfrentar grandes dificuldades é o que nos possibilita cultivar nosso estado de vida de forma ilimitada. Um mestre, no budismo, é alguém que ensina esse princípio essencial. Que boa sorte incrível ter um mestre assim! A verdadeira prática do discípulo é corresponder ao mestre, consciente da profunda dívida de gratidão que o une a ele. “Carta de Sado” pode ser lida como um juramento imbuído do espírito fundamental do budismo. E esse juramento nada mais é que o compromisso comum do mestre e do discípulo.

Envie-me o nome daqueles que foram mortos nas batalhas de Kyoto e de Kamakura.11 Por favor, peça também àquelas pessoas que estão vindo para cá me trazerem a antologia dos textos não budistas,12 o segundo volume de Palavras e Frases do Sutra de Lótus [de Tient’ai], o quarto volume de Profundo Significado do Sutra de Lótus [de Tient’ai], junto com o comentário sobre esse volume, e as coletâneas de escritos oficiais de comentários e de decretos imperiais. (END-5, p. 13.)

O estado de vida sereno do Buda

Nitiren Daishonin pede que lhe envie o nome dos que foram mortos nos combates de Kyoto e de Kamakura para recitar Daimoku por eles. Notamos nessa atitude a infinita benevolência do Buda pelas pessoas, que o leva a orar pela eterna felicidade delas — pelo passado, presente e futuro. Ele solicita também aos que planejavam visitá-lo em Sado que lhe tragam vários textos de referência, como uma antologia de escritos budistas, obras de Tient’ai e outros documentos.

Na remota ilha, Daishonin dedicou-se com paixão ainda maior à tarefa de esclarecer suas ideias e registrá-las por escrito para conduzir todas as pessoas dos Últimos Dias à iluminação. Esta passagem, em que ele solicita que lhe envie diversos materiais de consulta, nos mostra quão sereno era seu estado de vida, completamente imperturbável diante das próprias circunstâncias extremas. Que coragem indescritível devem ter sentido os seguidores ao ler estas linhas iniciais.

As coisas mais terríveis deste mundo são o calor do fogo, o brilho das espadas e a sombra da morte. Se até os cavalos e os bois têm medo da morte, não é de se surpreender que os seres humanos também tenham. Se mesmo um leproso luta pela vida, imagine uma pessoa saudável. (END-5, pp. 13-14.)

A questão fundamental da vida e da morte

“As coisas mais terríveis deste mundo são...” Ao iniciar desse modo o trecho principal de “Carta de Sado”, Daishonin põe em primeiro plano a preocupação que ocupa a mente de todas as pessoas.

Temer a morte e apegar-se à vida é próprio do ser humano. “O calor do fogo” indica os acidentes e os desastres naturais, enquanto “o brilho das espadas” alude à violência da guerra. Nada é mais temeroso para as pessoas do que a “sombra da morte”, ou a perspectiva da própria extinção. Isso é certo tanto para os animais como para os seres humanos. Mas, se a vida for reduzida ao temor da morte e ao apego desesperado à existência, como poderemos experimentar a profunda alegria de uma vida plena? Por que nascemos? Qual é o propósito de nossa vida? Por que morremos? Nós só podemos edificar uma vida de profundo significado se contemplarmos seriamente nossa própria existência.

Nitiren Daishonin trata do tema da vida e da morte, neste escrito, para explicar aos seguidores — expostos a enormes sofrimentos e dificuldades — que o budismo existe para resolver os problemas fundamentais da vida humana. Procura também despertar as pessoas para a ideia de que, não importa a tempestade que venha a açoitá-las, jamais devem perder de vista a fé — a base de tudo.

O Buda ensinou que o ato de cobrir todo um sistema de grandes mundos com os sete tipos de tesouros não se compara a oferecer o dedo menor ao Buda e ao Sutra [de Lótus].13 O garoto Montanhas de Neve14 ofereceu o próprio corpo e o asceta Aspiração à Lei15 removeu a própria pele [para nela gravar os ensinos do Buda]. Como não há nada mais precioso que a própria vida, aquele que a dedica à prática budista, com certeza, atingirá o estado de Buda. Se alguém está disposto a consagrar a vida, por que pouparia qualquer outro tesouro pela causa do budismo? Em outras palavras, se a pessoa reluta em se desfazer da riqueza, como poderia sacrificar a vida, que é muito mais preciosa? (END-5, p. 14.)

A que devemos dedicar esta vida insubstituível?

A que, então, devemos dedicar esta vida insubstituível? Em “Carta de Sado” Daishonin ensina que podemos atingir a iluminação dedicando nossa vida à prática do budismo. Para ressaltar o profundo significado desta declaração, primeiro ele cita o 23º capítulo do Sutra de Lótus, “Os Feitos do Bodhisattva Rei dos Remédios”. Em seguida, menciona os exemplos do garoto Montanhas de Neve e do asceta Aspiração à Lei — duas figuras que representam o Buda Sakyamuni em existências passadas, quando realizava práticas de bodhisattva — para esclarecer que a dedicação com espírito inabalável é a chave para realizar a prática budista.

Nitiren Daishonin observa também que os que estão dispostos a dar a vida não vacilarão em se desprender de qualquer outro tesouro. É como se, em outras palavras, ele dissesse de forma rigorosa e, ao mesmo tempo, benevolente, aos seguidores que tremiam só de pensar na possibilidade de serem perseguidos e de sofrerem terríveis consequências, como o confisco de terras: “Estas perseguições que estamos enfrentando não seriam uma oportunidade única de dedicarmos a vida, sem reservas, para atingirmos o estado de Buda? A que deveríamos temer, uma vez que é o objetivo da suprema iluminação que está bem diante de nós?”

Esta passagem também transmite um importante espírito que nos brinda lições nos dias atuais. Uma dessas lições, como já disse, é: vivermos apegados a algo não nos conduz à felicidade genuína. O estabelecimento de um propósito fundamental, a disposição de percorrer o caminho correto na vida, não importando as dificuldades que esse desafio possa vincular, é o que nos possibilita experimentar a mais profunda alegria e realização. Se nos deixarmos manipular pelos desejos mundanos e pouparmos a vida no momento crucial, nosso coração definhará e só nos restarão sentimentos como aflição, miséria e arrependimento.

Outra importante lição é que o elevado estado de vida obtido com a prática budista é eterno e transcende nossa existência atual. Dedicando esta preciosa existência ao budismo, temos a certeza de que experimentaremos imensa felicidade e inúmeros benefícios em todas as futuras existências.

Conseguir enxergar os fatos da perspectiva da eternidade da vida — através do passado, presente e futuro — e também do ponto de vista da felicidade eterna, constitui o ponto decisivo para transcender os diversos problemas da vida e da sociedade. À medida que as pessoas, individualmente, adquirem uma perspectiva correta sobre a vida e a morte, elevam o estado de vida da humanidade de forma coletiva. A filosofia que desejar abrir novas possibilidades em benefício da sociedade do século 21, necessitará saber distinguir entre noções superficiais e profundas acerca da vida e da morte. Nós, praticantes do Budismo de Nitiren Daishonin, marchamos na vanguarda nesse sentido. Por isso, avancemos orgulhosos com essa convicção.

Aprendemos que é nosso dever retribuir às dívidas de gratidão que temos com os outros mesmo ao custo de nossa própria vida. Muitos guerreiros sacrificam a vida por seu lorde; talvez muito mais do que imaginamos. Um homem morre para defender a honra e uma mulher morre por seu marido. Os peixes lutam para sobreviver, lamentam pela pouca profundidade do lago onde vivem e cavam buracos no fundo para se esconder; porém, enganados pela isca, são fisgados. Os pássaros, temendo que as árvores em que vivem sejam muito baixas, escolhem os galhos mais altos para se proteger, mas enganados pela isca, eles também são apanhados em armadilhas. Os seres humanos são igualmente vulneráveis. As pessoas geralmente se sacrificam por assuntos seculares insignificantes, mas raramente o fazem pelos preciosos ensinos do Buda. Assim, não é de se surpreender que não atinjam a iluminação. (END-5, pp. 14-15.)

Dedicar esta vida suprema ao budismo

Num dos trechos anteriores, observando que é comum as pessoas perderem a vida em acidentes ou em conflitos armados — mencionados como “o calor do fogo” ou “o brilho das espadas” —, Daishonin nos lembra que as pessoas se apegam à própria vida como se apegam a um tesouro.

Nesta parte, também destaca que há vários exemplos de pessoas que dão a vida de acordo com as convenções e os valores morais da sociedade.

Do mesmo modo, há inúmeros casos de indivíduos que, iludidos, sacrificam a vida da maneira mais insensata, acreditando que estão se protegendo do perigo.

A conduta dos peixes e das aves descrita nesta parte da carta, se baseia na sabedoria dos antigos pensadores, documentada em obras como Fundamentos do Governo na Era Chen-kuan (Zhenguan Zhengyao),16 um clássico chinês sobre a arte da liderança. ”Enganados pela isca” é uma metáfora que mostra como os seres humanos — mesmo adotando diversas medidas e precauções para manterem-se a salvo — são manipulados pelos desejos imediatos ou cometem erros de julgamento devido à forma estreita de pensar, resultando na própria destruição. É triste que essa insensatez humana continue frequente ainda hoje.

Por essa razão, Daishonin aconselha que, em vez de dar a vida — o bem mais valioso que temos — por questões mundanas e superficiais, devemos nos dedicar aos “preciosos ensinos do Buda”.

Apesar de falarmos em “não poupar a própria vida”, o Budismo de Nitiren Daishonin não é, de modo algum, um ensino que promove o martírio ou o autossacrifício. Os mestres Makiguti e Toda e eu — os três primeiros presidentes da Soka Gakkai — se dedicaram com a determinação de impulsionar o Kossen-rufu de tal forma que um único membro sequer fosse sacrificado, e com a disposição de dar o melhor de si para esse fim. Esse espírito dos sucessivos presidentes deverá ser mantido na Soka Gakkai por todo o futuro.

Não desperdicem, de modo algum, a preciosa vida dos senhores. Aos nossos jovens digo: Por mais difíceis que sejam as circunstâncias em que se encontrem, jamais lamentem ou prejudiquem a vida de vocês nem a dos outros. Cada um de vocês está dotado da maravilhosa e suprema natureza de Buda.

Em termos específicos, como deveríamos praticar para dedicar essa inestimável vida aos “preciosos ensinos do Buda”? No escrito “O presente de arroz”, Daishonin diz sobre a consecução do estado de Buda pelas pessoas comuns nos Últimos Dias da Lei: “A respeito da iluminação, os mortais comuns tornam-se budas se mantiverem uma determinação firme e sincera”.17 Estas palavras, na forma mais sublime e elevada, expressam a postura de “não poupar a própria vida”. Daishonin declara de maneira enfática que as pessoas comuns desta época, sem terem de sacrificar a vida como o garoto Montanhas de Neve e por meio da “determinação firme e sincera”, podem obter o mesmo benefício resultante da dedicação abnegada.

Como afirma Daishonin, o que importa é o coração. É uma questão de empreender milhões de kalpa de esforços num único momento da vida em prol do budismo e pela nobre causa do Kossen-rufu. Para nós, não poupar a vida significa recitar constantemente Nam-myoho-rengue-kyo, sem nenhum temor, e dedicarmo-nos de corpo e alma para comprovar a fé — pelo bem do mundo, do futuro e de todas as pessoas.

O Sr. Makiguti descreveu essa atitude como “um modo de vida abnegado para realizar o bem maior”. Essa vida se caracteriza pela vitória sobre o egoísmo e o medo, e por ter como foco a felicidade pessoal e dos semelhantes. Ele explicou: “Este é o modo simples de viver, uma vida de humanismo natural... O indivíduo que se conscientiza da importância desse modo de vida e descobre que é universalmente acessível, manifesta forte desejo de adotá-lo. Mas ele não fica só no querer. Sente a necessidade de agir em prol dos outros”.18

Portanto, o Sr. Makiguti afirmou que a Soka Kyoiku Gakkai (literalmente, Sociedade Educacional de Criação de Valores, precursora da Soka Gakkai) “era a prova viva de dedicação ao bem maior”.19

O que ele quis dizer é que a dedicação abnegada se encontra numa vida aparentemente comum, porém aberta a todos. Exemplo perfeito desse tipo de empenho pode ser encontrado em nossa atuação diária pelo Kossen-rufu. Dedicamo-nos de corpo e alma para encorajar os demais e compartilhar sinceramente a grandiosidade do Budismo de Nitiren Daishonin com todos que nos rodeiam.


De acordo com a época [ou o tempo], o budismo deve ser propagado pelos métodos Shoju ou Chakubuku. Esses métodos são comparáveis ao uso da pena ou da espada. (END-5, p. 15.)

“Os Últimos Dias da Lei são a época para aplicar apenas o Chakubuku”

Nesta passagem, Daishonin esclarece a prática budista apropriada para os Últimos Dias da Lei. “Shoju” significa explicar a Lei com base na capacidade de cada pessoa. “Chakubuku” significa ensinar aos demais o princípio supremo do Nam-myoho-rengue-kyo diretamente, tal como é.

Daishonin diz que o método escolhido pela pessoa para a propagação deve adequar-se à época ou ao tempo. A definição do método adequado para um período particular só é possível por meio de uma compreensão essencial do que as pessoas e a época requerem. Os sutras budistas, de modo geral, dividem o tempo posterior à morte do Buda em três períodos: Primeiros, Médios e Últimos Dias da Lei.20 Em “A seleção do tempo”, Daishonin diz: “Tomemos emprestado os olhos do Buda para avaliar a questão do tempo e da capacidade [das pessoas]”.21 Para determinar a época e escolher o método correto e apropriado de propagação, precisamos observar os fatos por meio das lentes precisas e perspicazes da sabedoria do Buda.

Numa das explanações sobre “Carta de Sado”, o Sr. Toda analisou a frase: “De acordo com a época [ou o tempo], o budismo deve ser propagado pelos métodos Shoju ou Chakubuku”. Ele disse nessa ocasião: “Não devemos interpretar mal o significado da palavra ‘tempo’. Nitiren Daishonin nos ensina que devemos empregar ou o método Shoju ou o método Chakubuku conforme o tempo. Porém, muitos interpretam esta frase de modo equivocado, acreditando que cada um possa decidir arbitrariamente e por si mesmo qual é o método a ser usado em determinado momento. Por exemplo, há os que pensam: Já que a sociedade critica de forma tão dura os ensinos budistas, empreguemos o Shoju’, ou ‘Como todos estão de acordo e não fazem objeções, então, apliquemos o Chakubuku’. No entanto, essa interpretação é incorreta. O ‘tempo’, nesta frase, refere-se aos Primeiros, aos Médios e aos Últimos Dias da Lei [...] e, os Últimos Dias da Lei são a época para aplicar apenas o Chakubuku”.22

Sempre e onde quer que realizemos nossas atividades, jamais nos esqueçamos de que devemos nos inspirar no espírito do Chakubuku: compartilhar o Nam-myoho-rengue-kyo com os demais. Assim se comportam os genuínos discípulos dos grandes mestres do Chakubuku.


Os grandes sábios da antiguidade praticaram os ensinos budistas conforme a época. O garoto Montanhas de Neve23 e o príncipe Sattva24 sacrificaram a vida quando lhes disseram que, em troca, poderiam ouvir os ensinos e que doar a vida constitui-se na prática de bodhisattva. No entanto, por que alguém deveria sacrificar a vida quando isso não é necessário? Numa época em que não há papel, a pessoa deve usar a própria pele. Numa época em que não há pincel, a pessoa deve usar os próprios ossos. Numa época em que as pessoas louvam aqueles que observam os preceitos e os praticantes do ensino correto, ao mesmo tempo em que denunciam aqueles que violam ou ignoram os preceitos, elas devem seguir rigorosamente os preceitos. Numa época em que o confucionismo ou o taoísmo é empregado para reprimir os ensinos de Sakyamuni, a pessoa deve arriscar a vida para advertir o Imperador, assim como fizeram os mestres do Darma Tao-an, Hui-yüan25 e o mestre Tripitaka Fa-tao.26 Numa época em que as pessoas confundem os ensinos Hinayana com o Mahayana, os ensinos provisórios com o verdadeiro ou as doutrinas exotéricas com as esotéricas, como se fossem incapazes de distinguir as pedras preciosas dos pedregulhos ou o leite de vaca do leite de mula,27 devemos mostrar firmemente essas diferenças, seguindo o exemplo dos grandes mestres Tient’ai28 e Dengyo.29 (END-5, pp. 15-16.)

“Não podemos permitir que o estandarte da propagação tombe!”

No passado, grandes sábios ou bodhisattvas foram capazes de atingir o estado de Buda praticando de acordo com a época, algo ao qual o budismo atribui extrema importância.

Mesmo antes do surgimento de Sakyamuni e do budismo como sistema formal de pensamento, observamos que diversos praticantes altruístas e respeitados mestres, como os mencionados neste trecho, davam a vida para ouvir a verdade suprema que os conduziria à iluminação. Porém, quando os ensinos do Buda atingem ampla aceitação na sociedade, qualquer que seja a época da qual falemos, os praticantes dessas doutrinas têm a responsabilidade de dar bom exemplo na fé para que muitos outros também as pratiquem corretamente. Em contrapartida, numa época em que o governante reprime e rechaça o budismo, os praticantes devem resistir ao poder e advertir essa pessoa ao risco da própria vida. É uma época em que os ensinos budistas são distorcidos e em que as pessoas ficam confusas a respeito do que é correto e o que não é, sendo, portanto, imperativo esclarecer a superioridade relativa das distintas correntes budistas. Que tipo de época, então, é a atual? Conforme disse anteriormente, o budismo só pode ser transmitido por meio da compreensão correta da prática apropriada para esse período.

Neste trecho, como indica a referência de Daishonin aos “grandes sábios da antiguidade”, as pessoas que conseguem reconhecer a época e adotar as ações necessárias são chamadas, no budismo, de “sábias”. O que essas pessoas que buscaram o Caminho no passado e os mestres budistas têm em comum é a postura de proteger a Lei, o espírito de prezar o ensino correto do Buda acima de tudo e o comprometimento com os demais mesmo ao custo da própria vida. Se essas pessoas conseguiram compreender claramente o que tinham de fazer foi porque não pouparam a própria vida. Um requisito essencial que os mestres ou líderes budistas devem ter é a capacidade de compreender a época e de propagar o ensino em conformidade com o tempo. A Soka Gakkai conseguiu um grande desenvolvimento porque a liderança dos primeiros presidentes, os mestres Makiguti e Toda, sempre se adequou à época. E eu, como terceiro presidente, sem deixar que meu diálogo interior com o mestre Toda se interrompesse, orei e orei, incansalvelmente, para abrir o caminho do Kossen-rufu de forma que se ajustasse à época. Eis a razão do êxito de nosso movimento.

Em abril de 1980, depois de concluir minha quinta visita à China, voei direto de Xangai a Nagasaki para empreender uma viagem de orientação por toda a Kyushu. Essa foi a primeira viagem de orientação a uma localidade do Japão desde que, no ano anterior [1979], havia sido obrigado a deixar a presidência da Soka Gakkai.30 De Nagasaki parti para Fukuoka. Ali, clamei aos meus amados discípulos de Kyushu, profundamente comprometidos e decididos a se empenhar junto comigo pelo Kossen-rufu: “Não permitam que o estandarte da propagação tombe!” Não deixem que a chama da fé se apague!” De Kyushu — região que havia sofrido tanto por causa dos problemas ocasionados pelo clero —, lancei uma poderosa contraofensiva, decidido a manter vivo o espírito da dedicação abnegada ao Kossen-rufu, característica do Budismo de Nitiren Daishonin. Com a consciência de que esse era o momento crucial para assentar as bases da eterna vitória da Soka Gakkai, os membros de Kyushu se levantaram junto comigo. Quando os discípulos seguem o mestre e empreendem com ele uma campanha pelo Kossen--rufu apropriada para a época, a vitória está assegurada. Nossos companheiros de Kyushu têm escrito uma história de triunfo como essa.

A época atual é o momento de nossos sucessores na Divisão dos Jovens perpetuarem este importante espírito Soka de mestre e discípulo, e assegurarem que esse compromisso seja transmitido pelo eterno futuro.

É da natureza dos animais ameaçar os fracos e temer os fortes. Nossos eruditos das várias escolas dos dias atuais agem exatamente da mesma forma. Eles desprezam um sábio que não possui poder, mas temem governantes maléficos. Essas pessoas nada mais são que serviçais aduladores. Somente quando vence um poderoso inimigo a pessoa é capaz de provar a verdadeira força. (END-5, p. 16.)

Os praticantes do ensino correto são hostilizados e enfrentam perseguições nos Últimos Dias

Esta passagem descreve o clima predominante nos Últimos Dias da Lei, uma época em que os praticantes do ensino correto são hostilizados e enfrentam perseguições.

A Perseguição de Tatsunokuti31 e o exílio na Ilha de Sado representaram perseguições religiosas perpetradas por sacerdotes decadentes, como Ryokan do templo Gokuraku e outros clérigos, com o propósito de destruir Daishonin e a comunidade de seguidores. A frase “natureza dos animais” se refere à tendência fundamental de pessoas como Ryokan e outros sacerdotes das escolas budistas estabelecidas na época de Daishonin. Desprezar uma pessoa de sabedoria (Daishonin) e temer os governantes perversos (os funcionários do governo) era o procedimento característico de tais pessoas. Esse era o clima espiritual prevalecente no Japão, que conduziu a uma dura repressão tanto a Daishonin como a seus seguidores.

Não obstante, os seguidores enfrentaram corajosamente essa grande perseguição declarando: “Somente quando vence um poderoso inimigo a pessoa é capaz de provar a verdadeira força”.


Quando um governante mau se associa a reverendos que seguem ensinos errôneos e tentam destruir o ensino correto e eliminar um sábio, aqueles que possuem o coração de um rei leão, com certeza, atingirão o estado de Buda, assim como Nitiren. Afirmo isso não por arrogância, mas porque estou profundamente comprometido com o correto ensino. (END-5, pp. 16-17.)

Vencer a injustiça, defendendo e proclamando o que é correto

“Quando um governante mau se associa a reverendos que seguem ensinos errôneos e tentam destruir o ensino correto e eliminar um sábio...”, descreve uma aliança mal-intencionada entre as autoridades políticas e o poder religioso. O tipo de perseguição contra os que proclamam o ensino correto do budismo é o mesmo em todas as épocas.

Em meio a uma perseguição implacável, Daishonin avançou com o “coração de um rei leão”, recusando-se a retroceder um único passo. Ter o “coração de um rei leão” significa reconhecer serenamente a “natureza dos animais” e derrotá-la. No budismo, “rei leão” é outra forma para referir-se a um buda. Quem se levanta com essa atitude, sem falta, manifesta o estado de Buda.

Daishonin diz a esse respeito: “Como, por exemplo, Nitiren”. Nesta frase, ele pede aos seguidores que o observem, ressaltando que a motivação dele não é a arrogância, mas a sincera dedicação ao ensino correto.

Devemos refletir profundamente sobre o comprometimento de Daishonin com a Lei. Quando prezamos a Lei mais do que a própria vida, teremos a coragem de defender o que é correto com total convicção, sem temer nada. Nessa postura, reside a essência suprema da fé.

Desde que conheci o Sr. Toda, há mais de sessenta anos (em 14 de agosto de 1947), tenho defendido a nobre causa da Soka Gakkai e proclamado os ideais de nosso movimento amplamente pelo mundo, sem retroceder um único passo. O que me proporciona forças é o meu compromisso inabalável de concretizar o sonho de meu mestre, o grande líder do Kossen-rufu. Esse ideal é, para mim, mais precioso do que minha própria vida. Em outras palavras, levantei-me e atuei com a postura de proteger rigorosamente a Soka Gakkai, a organização que realiza a ordem e a vontade do Buda, e com a atitude de impulsionar o seu desenvolvimento em todo o mundo, de acordo com o ardente desejo do Sr. Toda.

A postura de “não poupar a própria vida” e de manifestar o “coração do rei leão” são as duas faces da mesma moeda. É assim porque, não poupar a vida em prol do compromisso com a Lei e ter a coragem de um rei leão para combater os inimigos do Sutra de Lótus são, em essência, a mesma coisa. Para mim, a principal mensagem desta primeira metade de “Carta de Sado” é: os discípulos de Daishonin devem se tornar reis leões, indivíduos valorosos que incorporam o mesmo espírito altruísta do Buda. Procuremos observar com que ênfase ele trata de nos transmitir esse importante ponto.

A frase “Como, por exemplo, Nitiren” representa um clamor apaixonado aos discípulos. Podemos imaginá-lo bradando das profundezas do ser: “Da mesma forma que eu fui capaz de vencer as funções negativas, vocês também devem munir-se da força de um rei leão e derrotar todas as funções negativas. Lutem com a mesma postura que Daishonin! Lutem do meu lado e com a mesma determinação!” O que ele esperava dos dedicados discípulos era o levantar de cada um com a mesma determinação e coragem manifestada por ele.

Durante a Segunda Guerra Mundial, somente os mestres Makiguti e Toda puseram em prática e mantiveram a postura leonina de Daishonin. O clero, em nítido contraste, sucumbiu aos interesses covardes, vis e egoístas. Nos dias

atuais, o legado de Daishonin, o exemplo abnegado do rei leão, vive e palpita unicamente na Soka Gakkai. Herdamos fielmente o espírito corajoso, e desse modo conseguimos abrir este enorme caminho que hoje conduz ao Kossen-rufu mundial. Por essa razão, nosso benefício também é infinitamente incalculável. Com essa poderosa convicção, saiamos para encontrar mais e mais pessoas e compartilhar com elas o grandioso caminho Soka, o caminho de mestre e discípulo.

A pessoa arrogante sempre ficará amedrontada diante de um forte inimigo, assim como ocorreu com o desdenhoso asura que se encolheu e se escondeu numa flor de lótus no Lago Eternamente Frio ao ser repreendido por Shakra. (END-5, p. 17.)

O espírito de prezar o ensino correto nos possibilita manifestar infinita coragem

As declarações de Daishonin sobre seu ensino ou sua prática estão isentas de arrogância. Ele observa: “A pessoa arrogante sempre se deixa dominar pelo pânico quando está diante de um adversário poderoso”. É exatamente assim.

A verdadeira natureza dos arrogantes é o egocentrismo. Como o único interesse é o benefício próprio, quando se veem diante de um poderoso oponente só pensam na autopreservação. Por esse motivo, são dominados pelo terror. Em contrapartida, os que possuem o coração de um rei leão vivem embasados na Lei. Como não estão centrados no próprio ego, têm à disposição um infinito suprimento de coragem, que lhes permite adotar firme postura diante dos que tentam destruir a Lei.


Mesmo uma palavra ou frase capacitará as pessoas a entrarem no caminho. No entanto, ainda que a pessoa estude mil sutras e dez mil tratados, será incapaz de atingir o estado de Buda se esses ensinos não forem apropriados para a época tampouco para a capacidade das pessoas. (END-5, p. 17.)

Realizar a prática que concorde com a época e a capacidade das pessoas

Chakubuku significa denunciar o errôneo no mundo do budismo com o coração de um rei leão e revelar o ensino correto. Daishonin declara que, enquanto possuirmos esse corajoso espírito, mesmo uma palavra ou frase do ensino correto nos conferirá o benefício de manifestar o estado de Buda. Contudo, sem essa postura essencial, ou seja, sem o espírito de Chakubuku baseado no sentimento de prezar a Lei, é impossível entrar no Caminho, ainda que estudemos mil sutras ou dez mil tratados.

O escritor britânico Gilbert Keith Chesterton (1874-1936) disse: “Mártir é um homem que se preocupa tanto com alguma coisa fora dele que se esquece de sua vida pessoal”.32 De nosso ponto de vista, “alguma coisa fora de nós” poderia referir-se a valores como a Lei Mística ou nossos mestres da fé, nossos companheiros e entes queridos, a humanidade, a Soka Gakkai e o Kossen-rufu. “Esquecermo-nos de nossa vida pessoal” seria algo semelhante a “não poupar a própria vida”, ou ao espírito de “prezar a Lei mais do que a própria vida”.33 Em uma de suas explanações, o Sr. Toda analisou o conceito de “não poupar a vida”, que consta no Sutra de Lótus,34 dizendo: “Sem essa atitude altruísta, não poderíamos recitar Daimoku. [...] Tenho certeza de que ninguém nunca elogiou ou felicitou os senhores por propagarem este budismo. Se não tivéssemos essa atitude abnegada de não poupar a vida, não poderíamos continuar com nossos esforços pelo Kossen-rufu. Se um insulto ou uma reação violenta bastarem para nos desanimar, então, seria melhor nem nos darmos ao trabalho de falar sobre o budismo para os demais”.35

Esta era a extraordinária coragem do Sr. Toda, grande líder e grande mestre do Chakubuku. Desde o início de nosso movimento, os membros têm avançado com coragem e perseverança infatigável, dispostos a compartilhar a Lei Mística com os semelhantes, tal como o Sr. Toda ensinou.

Cada um dos senhores, por ter gravado esse espírito de mestre e discípulo no coração e por estar se empenhando dia e noite em prol da Lei, da sociedade e dos companheiros, é um verdadeiro campeão de dedicação abnegada, dono de um coração de rei leão. A todos meu mais alto louvor.

Enquanto houver a transmissão do espírito de mestre e discípulo às futuras gerações, a Soka Gakkai prosperará e crescerá eternamente. Quero assinalar isso enfaticamente a todos os meus discípulos diretos, especialmente àqueles que se dedicam na Divisão dos Jovens.

Sigam os passos dos mestres que incorporam a coragem do rei leão! Discípulos, triunfem com o coração do rei leão!” Esta é a diretriz eterna para a vitória dos mestres e discípulos Soka que, com a própria vida, leem o escrito “Carta de Sado”.

Continua na próxima edição

(Daibyakurengue, edição de janeiro de 2009.)

Notas

1. Na parte final de “Carta de Sado”, Daishonin diz: “De modo semelhante, os discípulos traidores declaram: ‘Embora o reverendo Nitiren seja nosso mestre, ele é enérgico demais. Nós propagaremos o Sutra de Lótus de maneira mais branda’. Com tal declaração, eles estão se mostrando tão ridículos quanto o vaga-lume que ri do Sol e da Lua, um formigueiro que despreza o monte Hua, poços e riachos que zombam dos rios e oceanos ou uma pomba que imita a fênix”. (END-1, p. 29.)

2. Campanha de Osaka: Em maio de 1956, os membros de Kansai, unidos ao jovem Daisaku Ikeda, que fora enviado a essa localidade pelo presidente Toda para apoiá-los, concretizaram a conversão de 11.111 famílias ao Budismo de Nitiren Daishonin. Na eleição realizada dois meses mais tarde, o candidato apoiado pela Soka Gakkai em Kansai conquistou uma cadeira na Casa dos Conselheiros, feito considerado impossível na época.

3. Toki Jonin (1216-1299): Seguidor leigo de Nitiren Daishonin. Viveu em Wakamiya, distrito de Katsushika, província de Shimosa (parte da atual província de Tiba), e foi um destacado samurai, vassalo do senhor feudal de Tiba, condestável dessa província. Converteu-se aos ensinos de Daishonin por volta de 1254, um ano depois deste ter recitado pela primeira vez o Nam-myoho-rengue-kyo, no templo Seityo, estabelecendo seu budismo. Recebeu várias cartas e tratados de Daishonin, como “O objeto de devoção para a observação da mente”, e os preservou cuidadosamente.

4. Shijo Kingo (c. 1230-1300): Um dos mais notáveis seguidores de Nitiren Daishonin. Seu nome e título completos eram Shijo Nakatsukasa Saburo Saemon--no-jo Yorimoto. Serviu à família Ema, uma ramificação do clã governante Hojo, como samurai. Era versado em medicina e artes marciais. Estima-se que ele tenha se convertido aos ensinos de Daishonin em 1256. Quando Nitiren Daishonin foi levado a

Tatsunokuti para ser decapitado, em 1271, Shijo

Kingo o acompanhou decidido a morrer com ele.

5. Reverendo leigo Okuratonotsuji Juro (s.d.): Um seguidor de Nitiren Daishonin. Pelo nome, é provável que ele viveu em Tsuji, Okurato, na região de Kamakura. Detalhes sobre sua pessoa são desconhecidos.

6. Monja leiga de Sajiki (s.d.): Seguidora de Nitiren Daishonin, também conhecida como Dama de Sajiki. Viveu na região homônima, em Kamakura. Informações sobre sua pessoa são escassas.

7. END-5, p. 29.

8. Exílio na Ilha de Sado: Quando as autoridades fracassaram no intento de executar Daishonin em

Tatsunokuti, em setembro de 1271, exilaram-no na Ilha de Sado no mês seguinte. Dadas as condições do lugar, a medida equivalia à sentença de morte. No entanto, quando as duas predições formuladas por Daishonin — a revolta interna e a invasão estrangeira — se cumpriram, o governo emitiu um indulto em março de 1274, permitindo seu regresso a Kamakura.

9. END-5, p. 30.

10. TODA, Jossei. Toda Josei Zenshu (Obras Completas de Jossei Toda). Tóquio: Seikyo Shimbunsha, 1983, v. 3, p. 252.

11. Refere-se à revolta ocorrida no clã governante Hojo. Esse confronto levou a lutas armadas em Kyoto, a capital imperial, e em Kamakura, a sede do governo militar. Em fevereiro de 1272, Hojo Tokisuke liderou um motim contra o meio-

-irmão mais novo, o regente Hojo Tokimune, numa tentativa de tomar-lhe o poder. Tokisuke e outras pessoas, entre as quais Nagoe Tokiakira e Nagoe Noritoki, foram mortos por suspeita de estarem envolvidos no golpe. O fato é conhecido também como Revolta de Hojo Tokisuke ou Revolta de Fevereiro.

12. Refere-se à coletânea de escritos de várias filosofias e vários ensinos não budistas.

13. Cf. LS-23, p. 285.

14. Garoto Montanhas de Neve: Nome do Buda Sakyamuni numa de suas existências passadas, quando realizava a prática de bodhisattva. A divindade Shakra, decidida a testar a determinação do menino, aparece diante dele sob a forma de um demônio faminto. Depois de ouvir a primeira parte de um ensino budista recitado pelo demônio, o menino lhe suplica que revele a outra metade. O demônio aceita, porém, exige em troca a carne e o sangue do menino. Montanhas de Neve promete, de bom gosto, oferecer o corpo ao demônio, que então lê para ele a segunda metade do ensino. Quando o garoto está prestes a cumprir o prometido, o demônio recobra a forma anterior, revelando-se como Shakra. A divindade elogia a atitude de Montanhas de Neve de não poupar a própria vida em prol da Lei.

15. Aspiração à Lei: O nome de Sakyamuni em uma de suas existências passadas. Um demônio disfarçado de brâmane apresenta-se a ele e diz que lhe ensinará uma estrofe de um ensino budista se ele se dispuser a transcrevê-la usando a própria pele como papel, um dos ossos como pena e o sangue como tinta. Quando Aspiração à Lei aceita de bom grado e se prepara para escrever o ensino budista, o demônio desaparece. No lugar deste, surge um buda e transmite-lhe um profundo ensino.

16. Fundamentos do Governo na Era Chen-kuan (Zhenguan Zhengyao): Obra editada por Wu Ching, historiador chinês da dinastia T’ang (618-907). Foi amplamente estudada pelos funcionários do governo japonês na época de Daishonin.

17. WND-1, p. 1.125.

18. MAKIGUTI, Tsunessaburo. Makiguchi Tsunesaburo Zenshu (Obras Completas de Tsunessaburo Makiguti). Tóquio: Daisanbunmei-sha, 1987, v. 10, p. 17.

19. Ibidem, p. 21.

20. Três períodos: Primeiros, Médios e Últimos Dias da Lei. Três períodos consecutivos nos quais o tempo posterior à morte do Buda é dividido. Durante os Primeiros Dias da Lei, o espírito ou a essência do budismo prevalece e as pessoas podem atingir a iluminação por meio da prática. Nos Médios Dias da Lei, embora firmemente estabelecido na sociedade, o budismo torna-se cada vez mais formal e poucas pessoas se beneficiam dele. Nos Últimos Dias da Lei, as pessoas vivem à mercê dos três venenos — avareza, ira e estupidez — e deixam de aspirar ao estado de Buda. Nesse período, o budismo perde o poder de conduzir as pessoas à iluminação.

21. WND-1, p. 540.

22. TODA, Jossei. Toda Josei Zenshu (Obras Completas de Jossei Toda). Tóquio: Seikyo Shimbunsha, 1986, v. 6, pp. 541-542.

23. Garoto Montanhas de Neve: Ver nota nº 14.

24. Príncipe Sattva: Príncipe que se sacrificou para salvar uma tigresa faminta, segundo narra o Sutra da Luz Dourada. É identificado como uma das existências prévias do Buda Sakyamuni. A história é mencionada em várias escrituras budistas para ilustrar a benevolência. Um dia, ao passear pelo bosque de bambus, o príncipe Sattva depara-se com uma tigresa faminta que acabara de dar à luz sete filhotes e, por estar muito debilitada, não consegue alimentá-los. O príncipe dá a própria carne e o próprio sangue como oferendas e, desse modo, salva a mãe e os filhotes.

25. Tao-an e Hui-yüan: Ambos foram sacerdotes e estudiosos budistas que viveram na China no século 6, durante a regência do Imperador Wu (c. 560-578), da dinastia Chou do Norte. Tao-an (s.d.) apresentou um tratado ao Imperador, no qual afirmava a superioridade do budismo sobre o taoísmo e refutava o confucionismo. Tempos depois, Hui-yüan (523-592), protestou contra o Imperador quando este ameaçou proibir o budismo.

26. Fa-tao (1806-1147): Sacerdote que refutou o Imperador Hui-Tsung da China durante a dinastia Sung, quando este decidiu apoiar o taoismo e tentou reprimir a prática budista. Por sua audácia, Fa-tao foi marcado no rosto e exilado.

27. O leite de vaca indica o Sutra de Lótus, enquanto o leite de mula, que acreditavam ser venenoso, representa os demais sutras.

28. Tient’ai (538-597): Também conhecido como Chih-i. Fundador da escola budista chinesa Tient’ai. Comumente chamado de Grande Mestre Tient’ai. Suas explanações foram compiladas em obras como Profundo Significado do Sutra de Lótus, Grande Concentração e Discernimento, e Palavras e Frases do Sutra de Lótus. Tient’ai refutou todas as demais escolas budistas da China e propagou o Sutra de Lótus.

29. Dengyo (767-822): Também conhecido como

Saityo. Fundador da escola Tendai (Tient’ai) no Japão. Refutou os erros das seis escolas de Nara — as escolas budistas estabelecidas nessa época —, proclamou a validez do Sutra de Lótus e se dedicou a fundar o centro de ordenação do Mahayana no monte Hiei.

30. Em 24 de abril de 1979, Daisaku Ikeda renunciou à posição de terceiro presidente da Soka Gakkai e, a partir desse momento, passou a ser presidente honorário da Organização. Antes, em 1975, havia assumido a presidência da Soka Gakkai Internacional (SGI), função que continua a desempenhar até os dias de hoje.

31. Perseguição de Tatsunokuti: Em 12 de setembro de 1271, figuras poderosas do governo prenderam injustamente Daishonin e o levaram no meio da noite a um lugar chamado Tatsunokuti, nas proximidades da capital (Kamakura), onde tentaram executá-lo. O intento fracassou e, cerca de um mês depois, Daishonin foi exilado na Ilha de Sado.

32. Gilbert Keith Chesterton. Orthodoxy (Ortodoxia). Nova York: Dodd, Mead and Company, 1949, p. 133.

33. Paráfrase de uma passagem de Comentários sobre o Sutra do Nirvana, de Chang-an: “Nosso corpo é insignificante, mas a Lei é suprema” (WND-1, p. 1.021).

34. Cf. LS-16, p. 230.

35. TODA, Jossei. Toda Josei Zenshu (Obras Completas de Jossei Toda). Tóquio: Seikyo Shimbunsha, 1985, v. 5, p. 415.



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[2.3] “Carta de Sado”

Terceira Civilização, Edição 500, 01/04/2010 / Estudo

O caminho direto para atingir o estado de Buda: Superar grandes obstáculos é a chave para transformar nosso carma

Vinte e seis anos já se passaram desde a Batalha de Hoji, e o conflito já ocorreu duas vezes, no décimo primeiro e no décimo sétimo dias do segundo mês deste ano. O correto ensino d’Aquele que Traz a Verdade jamais será destruído por não budistas nem por inimigos do budismo, mas os discípulos do Buda com certeza poderão destruí-lo. Conforme o Sutra afirma, somente o verme que nasce no corpo do leão pode destruí-lo. Uma pessoa afortunada jamais será arruinada por inimigos, mas poderá ser destruída por aqueles de seu convívio. É ao atual conflito que o sutra Mestre dos Remédios está se referindo na frase “a calamidade da revolta dentro do próprio domínio”. O sutra Reis Benevolentes afirma: “Quando os sábios tiverem partido, os sete desastres ocorrerão infalivelmente”. O Sutra da Luz Dourada afirma: “Os trinta e três deuses celestiais se enfurecem porque o rei permite que o mal se espalhe e não o detém”. Embora eu, Nitiren, não seja sábio, posso ser comparado a um, pois pratico o Sutra de Lótus exatamente como este ensina. Além disso, como há longo tempo obtive a compreensão do que rege o mundo, todas as profecias que fiz nesta existência se realizaram. Por essa razão, jamais duvide de minhas palavras em relação às existências futuras.

No décimo segundo dia do nono mês do ano passado, quando fui preso, declarei em voz alta: “Eu, Nitiren, sou o pilar, o Sol e a Lua, o espelho e os olhos do clã que governa Kanto. Se a nação me abandonar, os sete desastres ocorrerão sem falta”. Essa profecia não se realizou em apenas 60 dias e depois 150 dias mais tarde? E esses conflitos foram somente os primeiros sinais. Será lamentável quando os efeitos se manifestarem por completo!

As pessoas ignorantes questionam por que Nitiren é perseguido pelos governantes se ele é realmente sábio. Apesar disso, tudo está ocorrendo exatamente como eu previa. O rei Ajatashatru torturou os pais e foi aclamado pelos ministros reais por essa atitude. Quando Devadatta matou um arhat e feriu o Buda, Kokalika e outros se deleitaram. Nitiren é o pai e a mãe do soberano e é como um buda ou um arhat nesta época. O soberano e seus subordinados que se alegram com meu exílio são, na realidade, as pessoas mais desprezíveis e deploráveis de todas. Aqueles reverendos caluniadores que se ressentiram por seus erros terem sido expostos podem estar alegres neste momento, mas consequentemente sofrerão tanto quanto eu e meus discípulos. A alegria deles é como a de Yasuhira quando este matou o irmão mais novo e Kuro Hogan. O demônio que destruirá o clã governante já está presente na nação. Esse é o significado da passagem do Sutra de Lótus que diz: “Os demônios se apossarão dos outros”.

As perseguições que Nitiren tem enfrentado são o resultado do carma criado em existências passadas. O capítulo “Bodhisattva Jamais Desprezar” [do Sutra de Lótus] declara: “Quando suas ofensas forem expiadas”, indicando que o Bodhisattva Jamais Desprezar foi insultado e agredido por incontáveis caluniadores do ensino correto devido ao seu carma passado. Isso é ainda mais verdadeiro no caso de Nitiren que, nesta existência, nasceu numa família pobre e humilde da classe chandala. Em meu coração, cultivo a fé no Sutra de Lótus; porém, meu corpo, o de um ser humano, é basicamente o de um animal. Este corpo foi concebido de dois fluidos, um branco e um vermelho, de um pai e de uma mãe que subsistiram comendo peixes e aves. Meu espírito habita este corpo assim como a imagem da Lua é refletida na água lamacenta ou como o ouro envolto por um pano imundo. Uma vez que meu coração acredita no Sutra de Lótus, não temo nem a Brahma nem a Shakra; no entanto, meu corpo continua sendo o de um animal. Com tal disparidade entre meu corpo e meu coração, é natural que os tolos me desprezem. Não há dúvidas de que meu coração, quando comparado com meu corpo, brilha como a Lua ou como o ouro. Quem sabe que calúnias devo ter cometido no passado? Talvez eu possua o espírito do monge Intenção Superior ou de Mahadeva. Pode ser que eu descenda daquelas pessoas desdenhosas que perseguiram o Bodhisattva Jamais Desprezar, ou esteja entre aqueles que se esqueceram de que a semente da iluminação havia sido plantada em sua vida. Pode até ser que eu tenha parentesco com as cinco mil pessoas arrogantes ou pertença ao terceiro grupo [dos que não conseguiram abraçar a fé no Sutra de Lótus] nos dias do Buda Excelência da Grande Sabedoria Universal. É impossível avaliar a profundidade do próprio carma.

O ferro, quando aquecido e forjado, torna-se uma excelente espada. Os sábios e os honoráveis são testados com ofensas. Meu presente exílio não é resultado de nenhum crime secular, mas serve somente para que eu possa expiar, nesta existência, as graves ofensas que criei no passado e me libertar dos três maus caminhos na próxima.

O sutra Parinirvana afirma: “Surgirão no futuro aqueles que entram para a ordem monástica, vestem-se com mantos clericais e se gabam por estudarem meus ensinos [os de Sakyamuni]. Pelo fato de serem apáticos e negligentes, eles caluniarão os sutras semelhantes e corretos. O senhor deve estar ciente de que todas essas pessoas são seguidoras das doutrinas não budistas dos dias atuais”. Aqueles que lerem esta passagem devem refletir profundamente sobre a própria prática. O Buda está dizendo que nossos reverendos atuais que se vestem com mantos clericais, mas agem com apatia e negligência, foram, na época dele, discípulos dos seis mestres não budistas.

Os seguidores de Honen, que se denominam como escola Nembutsu, não somente desviam as pessoas do Sutra de Lótus, dizendo-lhes para “descartar, fechar, ignorar e abandonar” esse Sutra, como também as incentivam a recitar unicamente o nome de Amida, um buda mencionado nos ensinos provisórios. Os seguidores de Dainiti, conhecidos como escola Zen, afirmam que os verdadeiros ensinos do Buda foram transmitidos fora dos sutras. Eles ridicularizam o Sutra de Lótus comparando-o com um dedo apontado para a Lua ou um monte de palavras sem sentido. Esses reverendos de ambas as escolas devem ter sido os seguidores dos seis mestres não budistas, que somente agora entraram para a linhagem do budismo.

De acordo com o Sutra do Nirvana, o Buda emitiu uma forte luz que iluminou os 136 infernos subterrâneos e revelou que ali não havia mais nenhum ofensor. A razão disso é porque todos os ofensores haviam atingido o estado de Buda por meio do capítulo “Revelação da Vida Eterna do Buda” do Sutra de Lótus. No entanto, é lamentável que os icchantika, ou pessoas de descrença incorrigível, que haviam caluniado o ensino correto, tenham ficado detidos pelos guardiões do inferno. Eles se multiplicaram até se tornarem as pessoas do Japão dos dias atuais.

Uma vez que o próprio Nitiren cometeu calúnias no passado, ele se tornou um reverendo da Nembutsu nesta existência e, durante vários anos, também ridicularizou os praticantes do Sutra de Lótus, dizendo que “nem uma única pessoa jamais atingiu a iluminação” por meio desse sutra, ou que “nem mesmo uma única pessoa em mil” pode ser salva por esse sutra. Ao despertar de meu estado intoxicado pela calúnia, senti como se eu fosse um filho embriagado que, ao ficar sóbrio, lamenta-se de ter se alegrado ao agredir os próprios pais. Apesar de ele se arrepender amargamente disso, já é tarde demais; seu ato maligno é extremamente difícil de ser erradicado. E ainda mais difíceis de eliminar são as calúnias cometidas contra o ensino correto, que deixam uma profunda mancha no coração de quem as cometeu. Um sutra afirma que tanto a cor negra do corvo como a cor branca da garça, na verdade, são manchas profundas do carma passado deles. Incapazes de reconhecerem esse fato, os não budistas defendem que isso é obra da natureza. Na presente época, quando exponho as calúnias das pessoas no esforço de salvá-las, elas negam isso com todas as desculpas possíveis e argumentam usando as palavras de Honen sobre fechar as portas para o Sutra de Lótus. Isso não é surpresa, vindo dos seguidores da Nembutsu, mas até os reverendos das escolas Tendai e Verdadeira Palavra os apoiam ativamente.

No décimo sexto e décimo sétimo dias do primeiro mês deste ano, centenas de reverendos e seguidores leigos da Nembutsu e de outras escolas budistas desta província de Sado vieram me confrontrar num debate. Um líder da escola Nembutsu, Insho-bo, declarou [nessa ocasião]: “O Honorável Honen não nos instruiu a abandonar o Sutra de Lótus. Ele simplesmente escreveu que todas as pessoas deveriam recitar a Nembutsu e que os grandes benefícios lhes assegurariam o renascimento na Terra Pura. Mesmo os reverendos do monte Hiei e do templo Onjo que foram exilados nesta ilha o elogiam, afirmando que o ensino dele é excelente. Como o senhor ousa refutá-lo?” Os reverendos locais são ainda mais ignorantes do que os reverendos da Nembutsu em Kamakura. Eles são absolutamente desprezíveis. (END-5, pp. 17-25.)

Explanação

Qual o propósito de termos nascido? Nascemos para sermos felizes e ajudar outros a conquistarem a felicidade também. Para esse fim, o mais importante é vencer a si mesmo. Praticamos o Budismo de Nitiren Daishonin para vencer nossa escuridão ou ignorância, nosso carma, os obstáculos e funções maléficas e para derrotar os três poderosos inimigos.1 O budismo ensina que cada um de nós possui inerente a sabedoria e o poder de triunfar em todos os campos da vida. É uma filosofia orientada para a vitória. O ponto essencial do estudo do Budismo de Nitiren Daishonin, o budismo da vitória, é aprofundar nossa compreensão nesta filosofia cheia de esperança, para que possamos recorrer a ela como fonte de inspiração visando a sucessivas vitórias.

Recordo que meu mestre Jossei Toda, o segundo presidente da Soka Gakkai, encorajou um membro da Divisão Feminina de Jovens que lutava corajosamente contra o carma. O pai da jovem havia falecido quando ela ainda era criança e, tempos depois, também perdeu a mãe, que era seu único apoio. A jovem teve de travar uma verdadeira batalha para manter-se economicamente ao mesmo tempo em que enfrentava a própria doença. Recorreu então ao presidente Toda em busca de orientação. Ele fitou a jovem com olhos cheios de bondade. As palavras porém eram rigorosas: “Pergunto com que seriedade está realmente lidando com seus problemas? Praticar o budismo nada mais é que enfrentar os problemas. A fé existe para tratar os conflitos e resolvê-los”.

Estas palavras sintetizam a essência do Budismo de Nitiren Daishonin. Com atitude similar, o Sr. Toda me disse uma vez: “Dai, a vida implica sofrimentos. Somente por meio do sofrimento é possível, de fato, compreender a fé e tornar-se uma grande pessoa”.2 Isso foi pouco antes de me lançar à histórica Campanha de Osaka,3 em 1956.

Como praticantes do Budismo de Nitiren Daishonin, quando temos problemas, preocupações ou sofrimentos enxergamos a situação como uma oportunidade de enfrentar o carma resultante dos quatro sofrimentos universais: o nascimento, o envelhecimento, a doença e a morte. Se nos deixarmos abater pela realidade adversa, ou se nos limitarmos a lamentar a situação, não teremos força para romper com a dependência do carma, que existe justamente para ser transformado. Do ponto de vista do budismo, o carma é um meio hábil para comprovarmos a grandeza da Lei Mística.

A jovem que recebeu essas palavras de encorajamento do presidente Toda deixou de ter dó de si mesma e abandonou a tristeza. Compreendeu que, quando perdemos de vista nossa missão pelo Kossen-rufu, nos desviamos do curso da vitória. Ela chegou a ser responsável pela Divisão Feminina de Jovens e, logo depois, pela Divisão Feminina. Empenhou-se como discípula com profundo sentimento de gratidão até o último momento da vida. A nobre vitória dessa líder da Divisão Feminina continua a inspirar muitas pessoas até hoje.

Durante o severo exílio na Ilha de Sado, Nitiren Daishonin ensinou aos discípulos a essência da fé para conquistar a vitória absoluta. No início de “Carta de Sado”, com o desejo de que os discípulos triunfem sobre todos os obstáculos, ele ressalta a importância de se praticar a fé com espírito abnegado e a disposição de um rei leão. Transmite a alegria ilimitada de dedicar-se à Lei sem poupar a vida.

No trecho que estudaremos nesta oportunidade, Daishonin descreve as ações destemidas de um verdadeiro rei leão que ele tomou para vencer os governantes perversos e os sacerdotes errôneos. Ao mesmo tempo, usa a si próprio como exemplo para ensinar aos discípulos a chave dessa fé condutora à transformação do carma.

O tema principal desse trecho é que devemos seguir os passos inequívocos de Nitiren Daishonin e, praticando com a mesma postura digna, intrépida e imperturbável, conquistar a vitória insuperável pelo budismo e por nossa própria vida.

Vinte e seis anos já se passaram4 desde a Batalha de Hoji, e o conflito já ocorreu duas vezes, no décimo primeiro e no décimo sétimo dias do segundo mês deste ano [1272].5 O correto ensino d’Aquele que Traz a Verdade jamais será destruído por não budistas nem por inimigos do budismo, mas os discípulos do Buda com certeza poderão destruí-lo. Conforme o Sutra afirma, somente o verme que nasce no corpo do leão pode destruí-lo.6 Uma pessoa afortunada jamais será arruinada por inimigos, mas poderá ser destruída por aqueles de seu convívio. É ao atual conflito que o sutra Mestre dos Remédios está se referindo na frase “a calamidade da revolta dentro do próprio domínio”. O sutra Reis Benevolentes afirma: “Quando os sábios tiverem partido, os sete desastres7 ocorrerão infalivelmente”. O Sutra da Luz Dourada afirma: “Os trinta e três deuses celestiais8 se enfurecem porque o rei permite que o mal se espalhe e não o detém”. (END-5, pp. 17-18.)

O cumprimento das predições formuladas na “Tese sobre o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação”

A Batalha de Hoji refere-se a um conflito ocorrido em 1247 (primeiro ano da era Hoji), no qual o regente Hojo Tokiyori destruiu o clã Miura, cujos membros exerciam considerável influência no governo. A derrota do grande rival permitiu ao clã Hojo estabelecer um regime ditatorial. Mas no vigésimo sexto ano posterior a essa batalha, irrompeu uma luta interna pelo poder no clã Hojo. Refiro-me à Revolta de Fevereiro de 12729 [que ocorreu um mês antes de “Carta de Sado” ter sido escrita, em março]. Nesse trecho, Daishonin declara que essa recente rebelião representa a calamidade das revoltas internas ou motins dentro do próprio território, descrita no sutra Mestre dos Remédios, e declara que as predições formuladas em sua “Tese sobre o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação” haviam se cumprido.

A causa fundamental das três calamidades e dos sete desastres,10 entre as quais se incluem as revoltas internas, reside no fato de um país perder de vista o ensino correto. Quando surgem sacerdotes corruptos que distorcem o ensino, o budismo é destruído a partir de dentro. Daishonin declara que as pessoas más que atuam contra a Lei são influências que destroem o budismo, comparando-as com os vermes no corpo do leão.

Os valores confusos que derivam de ideias e de crenças errôneas ativam e reforçam na vida das pessoas as funções dos três ou quatro estados inferiores, também chamados “três ou quatro maus caminhos”.11 Consequentemente, os indivíduos governados pela avareza, ira, estupidez e inveja perseguem as pessoas que propagam os ensinos corretos, e trata de isolá-las ou expulsá-las da sociedade. Esta é a realidade da época que chamamos de Últimos Dias da Lei. Quando uma sociedade afasta ou silencia as pessoas de sabedoria por meio da cumplicidade entre autoridades corruptas e sacerdotes errôneos, o estado de vida que prevalece entre os habitantes é o de animalidade. Como resultado, ocorrem conflitos internos que expõem o povo ao sofrimento.

Se não observarmos a realidade com os olhos do Buda e os olhos da Lei, não conseguiremos compreender que a perseguição contra o ensino correto é a causa primordial do caos e da instabilidade social. Praticar o budismo significa lutar para conquistar a vitória. Portanto, temos de nos levantar com o coração de um rei leão e triunfar.

Embora eu, Nitiren, não seja sábio, posso ser comparado a um, pois pratico o Sutra de Lótus exatamente como este ensina. Além disso, como há longo tempo obtive a compreensão do que rege o mundo, todas as profecias que fiz nesta existência se realizaram. Por essa razão, jamais duvide de minhas palavras em relação às existências futuras. (END-5, p. 18.)

Um sábio compreende a verdadeira natureza dos fenômenos sociais

As aparências e o prestígio social não permitem avaliar se alguém é sábio ou não. São as ações e a conduta de um indivíduo que servem de parâmetro. Quem pratica o Sutra de Lótus exatamente como o Buda ensina é um autêntico sábio.

É fato que “todos os fenômenos são manifestações da Lei budista”.12 Um sábio que compreende a essência dos ensinos do budismo possui profunda compreensão do funcionamento social. Por ser capaz de discernir com lucidez a verdadeira natureza dos fenômenos sociais, essa pessoa terá também uma visão clara e acertada do futuro.

Quando, com firme convicção, Daishonin declara em “Carta de Sado” que suas predições se cumpririam, as palavras dele devem ter sido uma fonte de imenso alento para os seguidores que perseveravam na prática budista em meio às perseguições.

Em outro escrito [“Carta a Horen”], Daishonin ressalta: “Quando uma pessoa consegue mostrar provas claras nesta existência, conforme exposto no Sutra de Lótus, também surgirão pessoas que conseguirão acreditar [no Sutra]”.13 De acordo com estas palavras, o Kossen-rufu avança de forma irrestrita quando há “provas claras”.

Nesta parte específica de “Carta de Sado”, Nitiren Daishonin expõe: “Todas as profecias que fiz nesta existência se realizaram. Por essa razão, jamais duvide de minhas palavras em relação às existências futuras”.14 Daishonin foi realmente um sábio que compreendeu as três existências — passado, presente e futuro. A exatidão de suas predições deve ter fortalecido ainda mais a convicção e fé dos seguidores.

Os membros da SGI também atribuem suma importância às “provas claras”, de acordo com os ensinos de Daishonin, e mostram inúmeros exemplos de vitórias cotidianas na sociedade. Por isso, há tantas pessoas no mundo inteiro que confiam na SGI.

No décimo segundo dia do nono mês do ano passado [1271], quando fui preso, declarei em voz alta: “Eu, Nitiren, sou o pilar, o Sol e a Lua, o espelho e os olhos do clã que governa Kanto. Se a nação me abandonar, os sete desastres ocorrerão sem falta”. Essa profecia não se realizou em apenas 60 dias e depois 150 dias mais tarde?15 E esses conflitos foram somente os primeiros sinais. Será lamentável quando os efeitos se manifestarem por completo! (END-5, p. 18.)

Advertência visando à felicidade das pessoas

A declaração de Daishonin: “Eu, Nitiren, sou o pilar, o Sol e a Lua, o espelho e os olhos do clã que governa Kanto”, possui profundo significado. “Clã que governa Kanto”, especificamente, refere-se ao clã Hojo, mas também pode aludir às figuras proeminentes do governo militar e, no sentido geral, a toda a nação japonesa. “Pilar” indica a virtude de soberano; “Sol, Lua, espelho e olhos” correspondem à virtude do mestre; e “pai e mãe”, mencionados no parágrafo seguinte, expressam a virtude de pais. Daishonin dá a entender, desse modo, que ele é o Buda dos Últimos Dias, possuidor das três virtudes de soberano, mestre e pais,16 que são as características de um buda.

Remetendo-se à passagem citada, do sutra Reis Benevolentes: “Quando os sábios partem, os sete desastres recairão sobre a nação”, Daishonin expressa a seguinte convicção: “Se a nação me abandonar, os sete desastres ocorrerão sem falta”.17 Assim, ele ressalta que os acontecimentos sucedidos até aquele momento eram apenas os “primeiros sinais”, e pede às pessoas que compreendam a verdade antes de os “efeitos se manifestarem por completo”, ou seja, a verdadeira retribuição. Os conflitos internos ou guerras civis tinham de ser evitados a todo custo. Por isso, Daishonin insistia nas advertências, originadas de seu comprometimento altruístico. O objetivo dessas admoestações era instigar os governantes e o povo do Japão a “abrirem os olhos” antes que fosse tarde demais, em prol da paz.

As pessoas ignorantes questionam por que Nitiren é perseguido pelos governantes se ele é realmente sábio. Apesar disso, tudo está ocorrendo exatamente como eu previa. O rei Ajatashatru18 torturou os pais e foi aclamado pelos ministros reais por essa atitude. Quando Devadatta19 matou um arhat20 e feriu o Buda, Kokalika21 e outros se deleitaram. (END-5, pp. 18-19.)

Saldar a infinita dívida ao mestre

A seguir, Daishonin se refere às críticas frequentes nessa época: se, de fato, ele era um sábio, por que as autoridades o perseguiam e o exilaram? Essa crítica, na realidade, tinha duas conotações: primeira, se ele era uma pessoa tão sábia, seria capaz de prever a ameaça da perseguição e a teria evitado; segunda, uma pessoa de genuína sabedoria certamente seria respeitada pela sociedade. Daishonin, no entanto, refuta tais ideias dizendo ser um modo de pensar próprio de “pessoas ignorantes”.

“Tudo está ocorrendo exatamente como eu previa”, diz Daishonin, indicando que sempre teve consciência de que seria perseguido. Os budas invariavelmente enfrentam grandes obstáculos e oposição. É um princípio imutável no budismo.

Quando o devoto do Sutra de Lótus é perseguido, o estado de vida de seus seguidores é claramente revelado. Nesse momento, eles se mostram sábios ou tolos? São discípulos que sentem gratidão ao mestre, que suportam todo o peso da perseguição, e, por esse motivo, decidem lutar do lado dele? Ou são pessoas que se unem aos perseguidores, consentindo o mal e até ajudando a perpetrá-lo?

Certa ocasião, o Sr. Toda disse, comentando a passagem de “Carta de Sado” em que Daishonin se refere à perseguição das autoridades: “Tive a experiência de ser perseguido pelas autoridades uma vez. Se tiver boa sorte, gostaria de enfrentar perseguições novamente. (...) Estou totalmente preparado para essas adversidades. Se não estivesse, não poderia ser líder de nosso movimento”.22

Em 1957, quando fui preso sob falsas acusações relacionadas ao Incidente de Osaka,23 o Sr. Toda foi pessoalmente ao escritório da Promotoria Pública do Distrito de Osaka, apesar da saúde extremamente debilitada, para apresentar um protesto ao promotor--chefe. “Digam ao promotor que se a verdadeira intenção é oprimir a Soka Gakkai, então sou eu quem devem prender!’, declarou. Em outra ocasião, exigiu saber: “Quanto tempo mais pretendem manter meu discípulo que é inocente no cárcere?!”

O Sr. Toda foi um mestre magnífico, inigualável. Saldar a dívida de gratidão ao mestre é o caminho do discípulo. Durante sessenta e dois anos, dediquei-me sinceramente a seguir corretamente o caminho do discípulo. Por isso, não tenho o menor arrependimento.

Nitiren é o pai e a mãe do soberano e é como um buda ou um arhat nesta época. O soberano e seus subordinados que se alegram com meu exílio são, na realidade, as pessoas mais desprezíveis e deploráveis de todas. Aqueles reverendos caluniadores que se ressentiram por seus erros terem sido expostos podem estar alegres neste momento, mas consequentemente sofrerão tanto quanto eu e meus discípulos. A alegria deles é como a de Yasuhira quando este matou o irmão mais novo e Kuro Hogan.24 O demônio que destruirá o clã governante já está presente na nação. Esse é o significado da passagem do Sutra de Lótus que diz: “Os demônios se apossarão dos outros”.25 (END-5, p. 19.)

Empenhar-se em estabelecer o ensino correto para a paz da nação

“Nitiren é o pai e a mãe do soberano.”26 Que declaração magnífica! Daishonin não sentia o menor medo diante dos poderosos. Ao contrário, proclamava com audácia que ele era o pai e a mãe do clã Hojo, o mesmo clã que havia tentado executá-lo e que o tinha sentenciado ao exílio. Esse era o imensurável estado de vida do Buda dos Últimos Dias da Lei.

Com relação ao destino do soberano e dos súditos que o perseguiram e que se alegravam com os infortúnios pelos quais passava, Daishonin afirma que, sem falta, experimentariam grandes sofrimentos. Esse princípio é o mesmo em todas as épocas.

Os três primeiros presidentes da Soka Gakkai suportaram enormes perseguições e triunfaram. Espero que nunca se esqueçam dessa história solene e nobre.

Daishonin afirma em seguida: “O demônio que destruirá o clã governante já está presente na nação”.27 Rejubilar-se em ver uma pessoa de justiça ser atormentada é característica de uma sociedade cujo povo está “possuído pelo demônio”.28 Isso se refere ao caso em que a nação está cheia de funções negativas poderosas que inibem a consciência moral da população.

Nada é mais temível que as ideias errôneas e filosofias distorcidas. É nos empenhando para estabelecer o ensino correto em prol da paz que a nação pode ser melhorada. Este é o espírito do Budismo de Nitiren Daishonin.

As perseguições que Nitiren tem enfrentado são o resultado do carma criado em existências passadas. O capítulo “Bodhisattva Jamais Desprezar” [do Sutra de Lótus] declara: “Quando suas ofensas forem expiadas”,29 indicando que o Bodhisattva Jamais Desprezar30 foi insultado e agredido por incontáveis caluniadores do ensino correto devido ao seu carma passado. Isso é ainda mais verdadeiro no caso de Nitiren que, nesta existência, nasceu numa família pobre e humilde da classe chandala.31 Em meu coração, cultivo a fé no Sutra de Lótus; porém, meu corpo, o de um ser humano, é basicamente o de um animal. Este corpo foi concebido de dois fluidos, um branco e um vermelho, de um pai e de uma mãe que subsistiram comendo peixes e aves. Meu espírito habita este corpo assim como a imagem da Lua é refletida na água lamacenta ou como o ouro envolto por um pano imundo. Uma vez que meu coração acredita no Sutra de Lótus, não temo nem a Brahma nem a Shakra;32 no entanto, meu corpo continua sendo o de um animal. Com tal disparidade entre meu corpo e meu coração, é natural que os tolos me desprezem. Não há dúvidas de que meu coração, quando comparado com meu corpo, brilha como a Lua ou como o ouro. Quem sabe que calúnias devo ter cometido no passado? Talvez eu possua o espírito do monge Intenção Superior33 ou de Mahadeva.34 Pode ser que eu descenda daquelas pessoas desdenhosas que perseguiram o Bodhisattva Jamais Desprezar, ou esteja entre aqueles que se esqueceram de que a semente da iluminação havia sido plantada em sua vida.35 Pode até ser que eu tenha parentesco com as cinco mil pessoas arrogantes36 ou pertença ao terceiro grupo [dos que não conseguiram abraçar a fé no Sutra de Lótus] nos dias do Buda Excelência da Grande Sabedoria Universal.37 É impossível avaliar a profundidade do próprio carma. (END-5, pp. 19-21.)

A grande batalha para transformar o carma da humanidade

“Carta de Sado” é um escrito sobre a luta compartilhada por mestre e discípulo. Nitiren Daishonin não só registra a própria luta espiritual como um rei leão mas também exorta aos discípulos a seguir o exemplo dele.

No início do trecho, Daishonin descreve de que maneira, como o devoto do Sutra de Lótus, ele perseverou em meio a obstáculos extremos e como, por meio de admoestações intrépidas, tornou evidente a verdadeira natureza maléfica dos sacerdotes e governantes. Nesta parte, descreve a luta destemida para a consecução do estado de Buda.

Atingir o estado de Buda significa transformar o próprio carma. Neste trecho, Daishonin explica que quando uma pessoa enfrenta perseguições ou outros obstáculos difíceis, pode transformar o carma gerado em existências passadas. Na postura de não poupar a vida se encontra o caminho para a felicidade eterna. As grandes dificuldades conduzem diretamente à transformação do carma. Por isso, sempre devemos recordar a importância de mantermos o espírito de luta. Transformar o carma não é algo simples. É por isso que Daishonin ensina a importância de sermos assíduos e firmes na prática budista. Acima de tudo, ele nos pede que lutemos convictos contra o nosso carma até o fim.

Quando Daishonin afirma: “As perseguições que Nitiren tem enfrentado são o resultado do carma criado em existências passadas”,38 ele esclarece que, a hostilidade que sofria, independentemente de toda a dinâmica social que pudesse explicar esse ambiente opressivo, tinha a ver com as próprias ações contra a Lei cometidas em existências passadas. Ele diz que isso concorda com os ensinos do Sutra de Lótus e cita especificamente o princípio de que o carma se erradica com a luta contra as adversidades, tal como afirma a passagem: “Quando suas ofensas forem expiadas”, que se refere à luta do Bodhisattva Jamais Desprezar.

O Bodhisattva Jamais Desprezar reverenciava a natureza de Buda inerente à vida das pessoas e praticava fielmente os princípios expostos no Sutra de Lótus, um ensino de iluminação universal. Como resultado, ele foi insultado, maltratado e até agredido pelas pessoas com pedras e bastões.39 Esses atos hostis, na realidade, eram uma retribuição pelas próprias ofensas cometidas no passado. O Sutra de Lótus explica que ele foi capaz de expiar essas ofensas e atingir finalmente o estado de Buda porque persistiu na prática de reverenciar as pessoas, mesmo exposto às perseguições.

Do mesmo modo, nós também podemos transformar nosso carma acumulado em existências passadas e estabelecer uma condição de felicidade absoluta e eterna lutando contra os três obstáculos e as quatro maldades40 e os três poderosos inimigos. Esse é o benefício de atingir o estado de Buda.

A seguir, com a declaração “Nitiren que, nesta existência, nasceu em uma família pobre e humilde da classe chandala”,41 Daishonin se refere às próprias origens. A afirmação demonstra que o Budismo de Nitiren Daishonin é um aliado do povo, um ensino genuinamente humanístico. Para os praticantes deste ensino, ter origem “pobre e humilde” é motivo de grande orgulho. O compromisso eterno do Sutra de Lótus é estar sempre do lado do povo. Isso é algo que nunca mudará.

Daishonin ressalta ainda nesse trecho que o corpo dele “é basicamente o de um animal”.42 Não obstante, graças à fé inabalável no Sutra de Lótus, Daishonin conclui que o espírito dele brilha com fulgor e nobreza, com dignidade e convicção, que o tornam invulnerável ao medo. Reconhece que, devido à grande disparidade entre a natureza primitiva e animal de seu corpo e as aspirações que abrigava no coração, era natural que os demais o menosprezassem e o insultassem. Diz também que ao pensar profundamente sobre a própria vida, sentia que ele devia possuir o mesmo tipo de escuridão e ignorância demonstradas pelas pessoas que, no passado, perseguiram os praticantes budistas ou então abandonaram o Caminho do budismo. Daishonin prossegue fazendo uma série de observações profundas a respeito.

“É impossível avaliar a profundidade do próprio carma”,43 ele afirma. Com essa declaração, ele quis dizer que certamente cometeu faltas graves em existências passadas. Daishonin não faz concessões a ele mesmo. Contemplava a realidade de sua vida de forma rigorosa. Por meio da própria luta espiritual ele abriu um caminho universal para que todas as pessoas, toda a humanidade, pudessem mudar o carma.

Daishonin deixou o meio para que todos os seres humanos dos Últimos Dias da Lei pudessem bloquear o caminho do inferno de incessante sofrimento. Os incontáveis dramas de transformação cármica protagonizados pelos membros da SGI, proporcionam brilhantes provas reais de pessoas que, por si mesmas, se libertaram das correntes do carma por meio da fé no Budismo de Nitiren Daishonin. Sem dúvida, na história futura constará que essa grande filosofia, combinada com os esforços laboriosos de uma notável comunidade de pessoas comuns, foi uma poderosa força motriz para transformar o carma ou o destino da humanidade.

O ferro, quando aquecido e forjado, torna-se uma excelente espada. Os sábios e os honoráveis são testados com ofensas. Meu presente exílio não é resultado de nenhum crime secular, mas serve somente para que eu possa expiar, nesta existência, as graves ofensas que criei no passado e me libertar dos três maus caminhos na próxima. (END-5, p. 21.)

Cultivar a própria vida é o benefício supremo

Neste trecho, Daishonin ressalta o ponto-chave da prática budista em termos da transformação do nosso carma.

Desenvolver a força interior é o benefício supremo da prática do Budismo de Nitiren Daishonin. Uma vida solidamente forjada assegura nossa felicidade eterna. Daishonin declara que a provação pela qual passava “não é resultado de nenhum crime secular”.44 Chega a dizer inclusive que foi exilado só para que pudesse transformar o carma na presente existência.

Praticamos o budismo para fortalecer e transformar nossa vida. Conforme destaca o escritor russo Mikhail Sholokhov (1905– 1984), cada um de nós é “o ferreiro da própria felicidade”.45

Meus discípulos, sejam fortes como o aço, fortes como espadas temperadas com primor! Ponham-se de pé como verdadeiros sábios e honoráveis!

Daishonin encoraja de modo vigoroso os discípulos combatentes, como se os sacudisse pelos ombros. “É preciso que transformem o carma!”, “O poder necessário para isso está dentro de vocês!”, “Não fujam das dificuldades! A verdadeira vitória implica triunfar sobre as próprias fraquezas!”, “Os grandes sofrimentos forjam uma magnífica personalidade! Sejam vencedores, persistam por toda a vida!”

O sutra Parinirvana afirma: “Surgirão no futuro aqueles que entram para a ordem monástica, vestem-se com mantos clericais e se gabam por estudarem meus ensinos [os de Sakyamuni]. Pelo fato de serem apáticos e negligentes, eles caluniarão os sutras semelhantes e corretos. O senhor deve estar ciente de que todas essas pessoas são seguidoras das doutrinas não budistas dos dias atuais”. Aqueles que lerem esta passagem devem refletir profundamente sobre a própria prática. O Buda está dizendo que nossos reverendos atuais que se vestem com mantos clericais, mas agem com apatia e negligência, foram, na época dele, discípulos dos seis mestres não budistas.46

Os seguidores de Honen,47 que se denominam como escola Nembutsu, não somente desviam as pessoas do Sutra de Lótus, dizendo-lhes para “descartar, fechar, ignorar e abandonar”48 esse Sutra, como também as incentivam a recitar unicamente o nome de Amida,49 um buda mencionado nos ensinos provisórios. Os seguidores de Dainiti,50 conhecidos como escola Zen, afirmam que os verdadeiros ensinos do Buda foram transmitidos fora dos sutras. Eles ridicularizam o Sutra de Lótus comparando-o com um dedo apontado para a Lua ou um monte de palavras sem sentido. Esses reverendos de ambas as escolas devem ter sido os seguidores dos seis mestres não budistas, que somente agora entraram para a linhagem do budismo.

De acordo com o Sutra do Nirvana, o Buda emitiu uma forte luz que iluminou os 136 infernos subterrâneos51 e revelou que ali não havia mais nenhum ofensor. A razão disso é porque todos os ofensores haviam atingido o estado de Buda por meio do capítulo “Revelação da Vida Eterna do Buda” do Sutra de Lótus. No entanto, é lamentável que os icchantika,52 ou pessoas de descrença incorrigível, que haviam caluniado o ensino correto, tenham ficado detidos pelos guardiões do inferno.53 Eles se multiplicaram até se tornarem as pessoas do Japão dos dias atuais. (END-5, pp. 21-22.)

Uma terra onde prevalecem os atos contra a Lei

Nesse trecho, Daishonin muda o foco para a retribuição cármica que aguarda os que perseguem seus seguidores, ou seja, os sacerdotes que expõem ensinos errôneos e as pessoas de toda a nação cuja mente foi envenenada por tais ideias. Ele toma emprestadas as palavras do 16º capítulo do Sutra de Lótus, “Revelação da Vida Eterna do Buda”: “O veneno havia penetrado profundamente e a mente delas [das crianças] já não raciocinava como antes”.54

De acordo com o sutra Parinirvana, esses sacerdotes corruptos, indolentes e ociosos, que atuam contra o ensino correto do Sutra de Lótus não são outros senão os descendentes espirituais dos que mantinham doutrinas não budistas e criticavam os ensinos de Sakyamuni durante a existência do Buda. Daishonin prossegue refutando a posição de diversos sacerdotes budistas de seus dias, que difamam o Sutra de Lótus. O que todos têm em comum é a atitude hipócrita de caluniar sem base alguma este ensino supremo, e de afastar as pessoas dele em benefício das próprias doutrinas. Daishonin afirma que esses sacerdotes devem ser “seguidores dos seis mestres não budistas”55 dos dias de Sakyamuni.

Num estudo sobre esta passagem do sutra Parinirvana, o Sr. Toda declarou: “É provável que os maus sacerdotes que hostilizaram Daishonin, surjam dentro da Nitiren Shoshu e de outras escolas budistas da época atual”. Em vista das ações insanas que, em anos recentes, Nikken Abe e seu séquito na Nitiren Shoshu cometeram — demonstrando ser inimigos do Kossen-rufu —, as palavras do Sr. Toda resultaram ser proféticas.

Daishonin destaca que as pessoas de todo o Japão que o hostilizaram e o caluniaram não diferenciam dos icchantika, ou pessoas de descrença incorrigível, incapazes de atingir a iluminação mesmo depois de ouvirem o Buda Sakyamuni pregar o capítulo “Revelação da Vida Eterna do Buda”, do Sutra de Lótus. Nesta parte, Daishonin esclarece a verdadeira natureza dos inimigos do Sutra de Lótus com quem tem lutado. Os “seis mestres não budistas” e os “icchantika” mencionados nesse trecho, representam a tendência negativa à incredulidade e à calúnia ao ensino correto.

O que reside na raiz dessa tendência? A ilusão ou escuridão. Um estado de vida incapaz de compreender a essência do Sutra de Lótus — o respeito a todas as pessoas. Em termos contemporâneos, significa não respeitar a dignidade da vida, a igualdade humana e o infinito potencial de cada pessoa.

De modo penetrante, Daishonin observou que os maus sacerdotes de sua época e os seguidores destes careciam dessa percepção e, dessa forma, rechaçavam o ensino correto que

lhes teria possibilitado cultivar a verdadeira sabedoria na vida e hostilizavam todos os que o praticavam. A observação de Daishonin descreve perfeitamente a tendência de muito japoneses de hoje, que desdenham do valor da filosofia e da religião.

O eminente estudioso budista Hajime Nakamura (1912– 1999) observou: “É muito difícil estabelecer até que ponto os japoneses se devotavam ao budismo com sinceridade e reconheciam, realmente, o valor intrínseco deste ensino. A maioria deles se limitou a seguir a religião, distorcendo o ensino ou o caráter do Buda como se nota nas seguintes frases: ‘O estado de Buda consiste em não saber’ (Na ignorância está a infelicidade), ou ‘Até o semblante do Buda muda (revela ira) depois da terceira vez” (A paciência tem limite). O Buda é representado de maneira extremamente próxima e familiar [aos seres humanos]. (...) A terminologia budista costuma ser parodiada em expressões vernáculas da língua cotidiana”.56

Muitos japoneses tendem a demonstrar pouco interesse pelos princípios budistas que tratam da essência da vida. Em vez disso, menosprezam e ridicularizam esses ensinamentos. Nessa atmosfera espiritual que predomina no Japão e que reflete falta de convicções firmes, os membros da Soka Gakkai têm se empenhado tenazmente para convidar as pessoas para o diálogo. Eles se dedicam, sem descanso, para elevar o estado de vida das pessoas.

Uma vez que o próprio Nitiren cometeu calúnias no passado, ele se tornou um reverendo da Nembutsu nesta existência e, durante vários anos, também ridicularizou os praticantes do Sutra de Lótus, dizendo que “nem uma única pessoa jamais atingiu a iluminação”57 por meio desse sutra, ou que “nem mesmo uma única pessoa em mil”58 pode ser salva por esse sutra. Ao despertar de meu estado intoxicado pela calúnia, senti como se eu fosse um filho embriagado que, ao ficar sóbrio, lamenta-se de ter se alegrado ao agredir os próprios pais. Apesar de ele se arrepender amargamente disso, já é tarde demais; seu ato maligno é extremamente difícil de ser erradicado. E ainda mais difíceis de eliminar são as calúnias cometidas contra o ensino correto, que deixam uma profunda mancha no coração de quem as cometeu. Um sutra afirma que tanto a cor negra do corvo como a cor branca da garça, na verdade, são manchas profundas do carma passado deles. Incapazes de reconhecerem esse fato, os não budistas defendem que isso é obra da natureza. Na presente época, quando exponho as calúnias das pessoas no esforço de salvá-las, elas negam isso com todas as desculpas possíveis e argumentam usando as palavras de Honen sobre fechar as portas para o Sutra de Lótus. Isso não é surpresa, vindo dos seguidores da Nembutsu, mas até os reverendos das escolas Tendai59 e Verdadeira Palavra60 os apoiam ativamente.

No décimo sexto e décimo sétimo dias do primeiro mês deste ano, centenas de reverendos e seguidores leigos da Nembutsu e de outras escolas budistas desta província de Sado vieram me confrontrar num debate. Um líder da escola Nembutsu, Insho-bo,61 declarou [nessa ocasião]: “O Honorável Honen não nos instruiu a abandonar o Sutra de Lótus. Ele simplesmente escreveu que todas as pessoas deveriam recitar a Nembutsu e que os grandes benefícios lhes assegurariam o renascimento na Terra Pura. Mesmo os reverendos do monte Hiei e do templo Onjo que foram exilados nesta ilha o elogiam, afirmando que o ensino dele é excelente. Como o senhor ousa refutá-lo?” Os reverendos locais são ainda mais ignorantes do que os reverendos da Nembutsu em Kamakura. Eles são absolutamente desprezíveis. (END-5, pp. 22-24.)

O propósito da existência do budismo é a felicidade das pessoas

Citando o exemplo dos próprios anos de estudo, Daishonin observa que as pessoas de sua época estavam confusas e, por isso, falhavam em perceber a superficialidade dos ensinos da Nembutsu, que promovia um movimento hostil ao Sutra de Lótus e a seus praticantes em toda nação japonesa. Havia porém um problema mais grave ainda, provocado pelos que diziam praticar o Sutra de Lótus, mas que ignoravam os inimigos e nada faziam para combatê-los. Templos suntuosos, tradições e formalidades solenes, alta posição social não têm absolutamente nenhum sentido se o espírito de defender e proteger com rigor os ensinos for perdido. Em circunstâncias assim, se instala o autoritarismo, ocasionando a corrupção e a decadência, deixando apenas uma concha vazia da intenção original dos ensinamentos.

O propósito da existência do budismo é a felicidade das pessoas. Porém, os ensinos errôneos e as más interpretações podem conduzir o povo ao sofrimento e à miséria. Fechar os olhos para essas ideias distorcidas e esquecer o desejo de conduzir as pessoas à iluminação é agir como inimigos do povo. Isso é algo que não podemos permitir. A prática do Chakubuku exposta por Nitiren Daishonin, ou seja, refutar o errôneo e revelar o verdadeiro, é uma luta para restaurar o autêntico coração do budismo, reviver o verdadeiro espírito benevolente do Buda Sakyamuni e elevar o estado de vida de todos os seres humanos.

Como afirmou o poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856): “Quanto maior for a pessoa, melhor alvo será para as flechas da zombaria. É difícil alvejar os indivíduos de ínfima estatura”.62

Sem se deixar intimidar pelas críticas e a perseguição, com o exemplo da própria vida, Daishonin ensinou o caminho supremo para transformar nosso carma e atingir o estado de Buda. Ele almejava que seus discípulos se levantassem e concretizassem a vitória com base na fé “como a de Nitiren”, e com “o mesmo espírito” que ele. Nós, membros da Soka Gakkai, mantemos essa brilhante tradição de mestre e discípulo.

Agora, no século 21, a Soka Gakkai resplandece fulgurante como “pilar do Japão”, “olhos” do mundo e “grande nau” da humanidade.63

Enquanto o espírito de mestre e discípulo do Budismo de Nitiren Daishonin, que foi solidificado no presente por meio da luta abnegada dos três primeiros presidentes — o Sr. Makiguti, o Sr. Toda e eu — for mantido, a Soka Gakkai florescerá. Em especial, desejo que os membros da Divisão dos Jovens, sucessores de nosso movimento, gravem profundamente no coração esta fórmula para a vitória de nosso movimento pelo Kossen-rufu.

(Daibyakurengue, edição de fevereiro de 2009.)

1. Três poderosos inimigos: Três tipos de pessoas arrogantes que perseguem os que propagam o Sutra de Lótus na era maléfica posterior à morte do Buda Sakyamuni. São descritos no trecho em verso de vinte linhas, que consta no 13o capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”. O Grande Mestre Miao-lo, da China, classifica os três poderosos inimigos em: (1) leigos arrogantes; (2) sacerdotes arrogantes; e (3) sábios falsos e arrogantes.

2. Cf. IKEDA, Daisaku. A Youthful Diary: One Man’s Journey from the Beginning of Faith to Worldwide Leadership for Peace (Diário da Juventude: A jornada de um homem do início da fé à liderança pela paz). Santa Mônica, Califórnia: World Tribune Press, 2000, p. 276.

3. Campanha de Osaka: Em maio de 1956, os membros de Kansai, unidos ao jovem Daisaku Ikeda, que fora designado pelo presidente Jossei Toda para apoiá-los, concretizaram a conversão de 11.111 famílias ao Budismo de Nitiren Daishonin. Na eleição realizada dois meses mais tarde, a Soka Gakkai conquistou uma cadeira na Casa dos Conselheiros, feito considerado impossível na época.

4. Na realidade, 25 anos se passaram desde que a Batalha de Hoji ocorreu, mas segundo o método de contagem tradicional japonês, isso corresponde a 26 anos.

5. Os combates ocorreram em 11 e 15 de fevereiro de 1272. Mais detalhes, leia a nota número 9.

6. Vermes no corpo do leão: Metáfora empregada para descrever os que, apesar de serem seguidores do budismo, destroem os ensinos, tal como os vermes devoram o corpo do leão por dentro. A intenção dessa metáfora é ressaltar que os membros da Ordem Budista, mais do que os não budistas, possuem a capacidade de destruir o budismo.

7. Ver nota número 10.

8. Trinta e três divindades celestiais: Divindades que, segundo a crença, vivem num platô no topo do monte Sumeru. Shakra governa de seu palácio, que fica no centro do planalto, e as demais trinta e duas divindades habitam os quatro picos, sendo que oito ocupam uma das quatro extremidades do platô.

9. Revolta de Fevereiro de 1272: Também conhecida como Revolta de Hojo Tokisuke. Rebelião que ocorreu dentro do clã governante Hojo. Resultou em lutas armadas em Kyoto e em Kamakura. Em fevereiro de 1272, Hojo Tokisuke, influente oficial em Kyoto, liderou um motim contra o meio-irmão mais novo, o regente Hojo Tokimune, numa tentativa de tomar-lhe o poder. Os conspiradores de Tokisuke em Kamakura foram aniquilados pelas tropas do governo em 11 de fevereiro, enquanto Tokisuke foi atacado e morto em Kyoto no dia 15. A referência feita em “Carta de Sado” ao dia 17 ou se baseia em informação inexata, ou é um erro introduzido durante a transcrição do documento original.

10. Três calamidades e sete desastres: As três calamidades são a guerra, as pestes e a fome. Costumam ser mencionadas em conjunto com os sete desastres. Acredita-se que os sete desastres são causados pelos atos contra o ensino correto. O Sutra Mestre dos Remédios define os sete desastres da seguinte forma: (1) peste; (2) invasão estrangeira; (3) revoltas internas; (4) mudanças extraordinárias no céu; (5) eclipses solares e lunares; (6) tempestades fora de estação; e (7) secas.

11. Os três maus caminhos são os estados de Inferno, Fome e Animalidade, ou seja, os três estados inferiores dentro da escala dos Dez Mundos. Os quatro maus caminhos referem-se aos três maus caminhos mais o estado de Ira. São chamados de “maus” porque se caracterizam pelo sofrimento.

12. WND-2, p. 906.

13. WND-1, p. 512.

14. END-5, p. 18.

15. Não está claro a que incidente Daishonin se refere quando fala das sucessivas ocorrências sessenta dias depois da Perseguição de Tatsunokuti. Pode ter se referido a alguma rebelião ou incidente específico. Há os que identificam o incidente com a chegada de outro emissário mongol em novembro de 1271. O evento que ocorreu 150 dias depois se refere à Revolta de Fevereiro de 1272.

16. Três virtudes de soberano, mestre e pais: A virtude de soberano é o poder de proteger os seres vivos, a virtude de mestre corresponde à sabedoria de instruí-los e guiá-los à iluminação, e a virtude de pais é a benevolência de nutrir e apoiá-los.

17. END-5, p. 18.

18. Rei Ajatashatru: Rei de Magadha, na Índia, que viveu nos dias de Sakyamuni. Incitado por Devadatta, conquistou o trono assassinando o próprio pai, o rei Bimbisara, que era seguidor de Sakyamuni. Também cometeu atentados contra o Buda e os seguidores deste, soltando um elefante embriagado contra eles a pedido de Devadatta.

19. Devadatta: Primo de Sakyamuni que, a princípio, foi seguidor do Buda. Porém, logo, devido à arrogância, tornou-se inimigo de Sakyamuni e cometeu diversos atos de maldade extrema como atentar contra a vida do Buda. Acredita-se que, como resultado das más ações, tenha caído vivo no inferno.

20. Arhat: Pessoa que atingiu o estágio mais elevado da iluminação contemplado pelo budismo Hinayana. Arhat significa digno de respeito.

21. Kokalika: Membro da tribo Sakya da Índia antiga e inimigo do Buda Sakyamuni. No início foi discípulo do Buda, mas, com o tempo, sob influência de Devadatta, caluniou os discípulos Shariputra e Maudgalyayana.

22. TODA, Jossei. Toda Josei Zenshu (Obras Completas de Jossei Toda). Tóquio: Seikyo Shimbunsha, 1986, v. 6, p. 555.

23. Incidente de Osaka: Ocasião em que Daisaku Ikeda, então coordenador da Secretaria da Divisão dos Jovens da Soka Gakkai, foi preso e acusado injustamente de violar a lei eleitoral na campanha de renovação parcial da Casa dos Conselheiros (Câmara Alta) de Osaka, em 3 de julho de 1957. No fim do julgamento, que se estendeu por quase cinco anos, ele foi inocentado de todas as acusações.

24. “Yasuhira” refere-se a Fujiwara Yasuhira (1155-1189), filho de Fujiwara Hidehira, senhor feudal da província de Mutsu, nordeste do Japão. Yasuhira assassinou o irmão e usurpou-lhe o poder. Minamoto no Yoritomo, xogum de Kamakura, ordenou-lhe que matasse Kuro Hogan Yoshitsune, irmão de Yorimoto, o que ele fez para provar a lealdade. Mais tarde, porém, Yorimoto mandou executá-lo para consolidar o próprio poder no norte do Japão.

25. Frase do 13o capítulo do Sutra de Lótu, “Devoção Encorajadora”.

26. END-5, p. 19.

27. Ibidem.

28. Cf. ibidem.

29. “Quando suas ofensas forem expiadas”: Este verso do 20o capítulo do Sutra de Lótus, “Bodhisattva Jamais Desprezar”, significa que o Bodhisattva Jamais Desprezar expiou os atos contra a Lei praticados no passado, suportando perseguições em prol da Lei. Foi dessa forma que ele conseguiu atingir o estado de Buda. Leia em LS-20, p. 270.

30. Bodhisattva Jamais Desprezar: Bodhisattva descrito no 20o capítulo do Sutra de Lótus, “Bodhisattva Jamais Desprezar”. Esse bodhisattva que em existências posteriores seria o próprio Sakyamuni, viveu no fim dos Médios Dias da Lei depois da morte de um buda chamado Rei do Som Imponente. Ele venerava todas as pessoas e lhes dizia: “Eu os reverencio profundamente, jamais ousaria tratá-los com desdém ou arrogância. Por quê? Porque todos praticam o caminho do bodhisattva e infalivelmente atingirão o estado de Buda”. Mesmo atacado por pessoas arrogantes, continuou a perseverar na prática e, como resultado, atingiu o estado de Buda.

31. Chandala: Casta dos intocáveis, inferior à mais baixa das quatro classes do sistema de castas da Índia antiga. As pessoas dessa casta realizavam tarefas associadas à morte e à matança de seres. Viviam expostas à discriminação extrema. Daishonin declara ser membro de uma família chandala porque era filho de um pescador. Ensina que mesmo alguém proveniente do nível mais baixo da sociedade pode atingir a iluminação suprema.

32. Brahma e Shakra: São as duas principais divindades protetoras do budismo.

33. Intenção Superior: Monge que viveu na última era posterior à morte do Buda Rei Rugido de Leão. De acordo com o Sutra da Não Substancialidade de Todos os Fenômenos, ele caluniou o monge Raiz da Alegria, que ensinava a doutrina correta e, por esse motivo, caiu no inferno.

34. Mahadeva: Monge que viveu cerca de cem anos após a época de Sakyamuni e que provocou a primeira divisão da Ordem Budista. Antes de unir-se à Ordem, assassinou o pai, a mãe e um arhat. Mais tarde, Mahadeva começou a impor ideias arbitrárias em relação ao budismo e as controvérsias resultantes delas provocaram um cisma na Ordem.

35. “Aqueles que se esqueceram de que a semente da iluminação” são pessoas que, devido aos atos contra a Lei, não recordam de ter recebido de Sakyamuni as sementes do estado de Buda há kalpa tão numeroso quanto as partículas de pó de incontáveis grandes sistemas de mundos.

36. De acordo com o 16o capítulo do Sutra de Lótus, “Meios”, cinco mil pessoas — monges, monjas, leigos e leigas — abandonaram a assembleia quando Sakyamuni começou a pregar a “substituição dos três veículos pelo veículo único”, porque acreditavam ter atingido o que na realidade não haviam conseguido atingir.

37. Isso é descrito no 7o capítulo do Sutra de Lótus, “Parábola da Cidade Imaginária”, no trecho que narra a história do Buda Excelência da Grande Sabedoria Universal e de seus dezesseis filhos. Há kalpas tão numerosos quanto as partículas de pó de um grande sistema de mundos, esse Buda pregou o Sutra de Lótus aos filhos, que por sua vez, fizeram o mesmo com o povo. De toda a população, o terceiro grupo representa os que ouviram o Sutra de Lótus nessa oportunidade, mas não abraçaram a fé e não puderam manifestar a iluminação mesmo quando o décimo sexto filho nasceu na Índia com a identidade do Buda Sakyamuni e voltou a pregá-lo em benefício das pessoas.

38. END-5, p. 19.

39. Cf. LS-20, p. 267.

40. Três obstáculos e quatro maldades: Três obstáculos e quatro maldades: Vários obstáculos e impedimentos à prática budista. São classificados no Sutra do Nirvana e no Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria, de Nagarjuna. Os três obstáculos são: (1) o obstáculo dos desejos mundanos, que surgem dos três venenos — avareza, ira e estupidez; (2) o obstáculo do carma, ou resistências derivadas do mau carma criado por ter cometido algum dos cinco atos malignos ou dos dez maus atos; (3) o obstáculo da retribuição, causado pelos efeitos cármicos negativos de ações cometidas nos três maus caminhos (estados de Inferno, Fome e Animalidade). As quatro maldades são: (1) o impedimento dos cinco componentes ou obstruções causadas por nossas funções físicas e mentais; (2) impedimento dos desejos mundanos ou obstruções causadas pelos três venenos (avareza, ira e estupidez); e (3) impedimento da morte, devido à própria morte do praticante ou à morte prematura ou intempestiva de um seguidor, gerando dúvidas nos demais; e (4) impedimento do Rei Demônio do Sexto Céu, função destrutiva que se vale de diversas pessoas e circunstâncias para fazer com que o praticante budista abandone a fé. É considerado como o impedimento mais difícil de se superar.

41. END-5, pp. 19-20.

42. Ibidem, p. 20.

43. Ibidem, p. 21.

44. Ibidem.

45. Artigo do Seikyo Shimbun, 16 de dezembro de 2008.

46. Seis mestres não budistas: Termo geral que se refere a pensadores que desfrutavam prestígio na época de Sakyamuni.

47. Honen (1133-1212): Também conhecido como Guenku. Fundador da escola budista Terra Pura (Nembutsu) no Japão. Propunha a prática exclusiva da Nembutsu, ou a recitação do nome do Buda Amida. Em sua obra Escolha Exclusiva da Nembutsu, Honen exorta às pessoas a descartarem todos os sutras, incluindo o Sutra de Lótus, salvo três escrituras deste nas quais a escola Terra Pura se fundamentava. Na “Tese sobre o estabelecimento do ensino correto para a paz da nação”, Daishonin repudia a Nembutsu como “o mal” causador dos vários desastres ocorridos no Japão, na época.

48. Honen não usa exatamente essa sequência de palavras juntas. Nitiren Daishonin, no entanto, as extrai da obra Escolha Exclusiva da Nembutsu, e as agrupa numa mesma frase.

49. Amida é um buda descrito nos sutras da escola Terra Pura. Nesses sutras consta que ele vive na Terra Pura da Perfeita Alegria, situada a oeste. É venerado pelos seguidores da escola Nembutsu ou Terra Pura.

50. Dainiti (s.d.): Também conhecido como Nonin, ou Dainiti Nonin. Sacerdote japonês considerado entre os primeiros a propagar os ensinos do Zen Budismo no Japão, durante o século 12. Embora a escola Rinzai estabelecida por Eisai (1141-1215) ter sido a primeira escola oficial do Zen Budismo japonês, Dainiti difundiu os ensinos no país antes deste.

51. Em Profundo Significado do Sutra de Lótus, o Grande Mestre Tient’ai descreve 136 tipos de inferno: oito grandes infernos, cada um com dezesseis infernos subsidiários. O último e pior de todos é o inferno de incessante sofrimento.

52. Icchantika: Pessoas de descrença incorrigível, que não aspiram à iluminação e, por essa razão, não têm nenhuma perspectiva de atingir o estado de Buda. As noções sobre a possibilidade ou impossibilidade de que os icchantika atinjam a iluminação diferem segundo os sutras.

53. Guardiões do inferno: Na mitologia budista, demônios que atormentam os transgressores que caíram no inferno. Trabalham para o rei Yama (Emma), rei do inferno, que julga e determina a retribuição cármica negativa dos falecidos.

54. Daishonin diz: “As palavras ‘O veneno havia penetrado profundamente’ (LS-16, p. 228) se referem às pessoas que se envolveram profundamente com os ensinos provisórios, ato que constitui uma ação contra a Lei. Por essa razão, elas não acreditam ou não aceitam o remédio altamente eficaz do Sutra de Lótus. Mesmo que alguém lhes dê uma dose desse remédio, recusam-se a tomá-lo ou cuspem-no fora porque ‘não percebem quão benéfico é’ (LS-16, p. 228); ou seja, não lhes é agradável” (OTT, p. 132).

55. END-5, p. 22.

56. NAKAMURA, Hajime: Ways of Thinking of Eastern Peoples India, China, Tibet, Japan (Métodos de Pensamento dos Povos Orientais: Índia, China, Tibete e Japão), Philip P. Wiener ed. Honolulu: East-West Center Press, 1969, p. 528.

57. Ensaios Compilados sobre o Mundo de Paz e Alegria, de Tao-ch’o.

58. Louvor ao Renascimento na Terra Pura, de Shan-tao.

59. Escola Tendai: Escola do Budismo Tient’ai no Japão. Foi fundada no início do século 9 pelo sacerdote japonês Dengyo (767-822), também conhecido como Saityo. Nos tempos de Daishonin a Tendai perdeu o espírito de basear-se estritamente no Sutra de Lótus, mostrando-se tolerante em relação aos ensinos errôneos de outras escolas como Verdadeira Palavra, Terra Pura (Nembutsu) e Zen.

60. Escola Verdadeira Palavra: Escola japonesa budista fundada por Kobo (774-835), também conhecido cmo Kukai, que segue as doutrinas e práticas esotéricas do Sutra Mahavairochana e do Sutra da Coroa de Diamantes.

61. Insho-bo: Detalhes sobre sua pessoa são desconhecidos.

62. HEINE, Heinrich. “Die romantische Schule” (A Escola Romântica), in Sämtliche Werke (Obras Completas), Hans Kaufmann, ed. Munique: Kindler Verlag, 1964, v. 9, p. 149.

63. Em “Abertura dos olhos”, Daishonin declara: “Eu serei o pilar do Japão. Eu serei os olhos do Japão. Eu serei a grande nau que conduzirá o Japão. Este é o meu juramento, e jamais recuarei um único passo!” (END-4, pp. 200-201.)


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“Carta de Sado” [3.3]

Terceira Civilização, Edição 502, 01/06/2010 / Estudo

Dedicar a nossa vida ao grande caminho de mestre e discípulo

Como são terríveis as calúnias que Nitiren cometeu nas existências passada e presente! Uma vez que nasceram nesta nação maléfica e se tornaram discípulos de um homem como eu, não há forma de prever o próprio destino. O sutra Parinirvana declara: “Bom homem, pelo fato de as pessoas terem cometido incontáveis ofensas e acumulado grande quantidade de mau carma no passado, elas devem esperar a retribuição negativa por tudo o que fizeram. Poderão ser desprezadas, amaldiçoadas com uma aparência feia, carecer de roupas e alimentos, buscar riqueza em vão, nascer numa família pobre e de posição inferior ou que mantém visões errôneas, ou ser perseguidas pelo soberano”. O sutra continua: “Poderão passar por vários outros sofrimentos e receber várias outras retribuições. Graças aos benefícios obtidos por protegerem a Lei é que essas pessoas poderão diminuir seus sofrimentos e retribuições nesta existência”. Se não fosse por Nitiren, estas passagens do sutra, com certeza, fariam do Buda um mentiroso. Em primeiro lugar, o sutra diz: “Serão desprezadas”. Segundo: “Serão amaldiçoadas com uma aparência feia”. Terceiro: “Carecerão de roupas”. Quarto: “Carecerão de alimentos”. Quinto: “Buscarão a riqueza em vão”. Sexto: “Nascerão numa família pobre e de posição inferior”. Sétimo: “Nascerão numa família que mantém visões errôneas”. E oitavo: “Serão perseguidas por seu soberano”. Estas oito frases só se aplicam a mim, Nitiren.

Aquele que escala uma montanha, mais cedo ou mais tarde terá de descê-la. Aquele que despreza o outro, será desprezado. Aquele que despreza o outro por sua bela aparência, nascerá com uma aparência feia. Aquele que rouba alimentos e roupas, cairá infalivelmente no mundo dos espíritos famintos. Aquele que ridiculariza uma pessoa digna que observa os preceitos, nascerá numa família pobre e de posição inferior. Aquele que calunia uma família que abraça o ensino correto, nascerá numa família que mantém visões errôneas. Aquele que ridiculariza o que mantém fielmente os preceitos, nascerá como uma pessoa comum e será perseguido pelo soberano de sua nação. Essa é a lei geral de causa e efeito.

No entanto, meus sofrimentos não se atribuem a essa lei causal. No passado, desprezei os devotos do Sutra de Lótus. Ridicularizei também o próprio Sutra, algumas vezes com louvor exagerado, outras, com desdém — esse Sutra que é tão maravilhoso quanto duas luas brilhando uma ao lado da outra, duas estrelas juntas, um monte Hua sobre outro ou duas joias unidas. É por isso que enfrentei os oito tipos de sofrimentos mencionados. Normalmente, esses sofrimentos aparecem um de cada vez ao longo do infinito futuro. Porém, Nitiren denunciou os inimigos do Sutra de Lótus de maneira tão voraz que todos os oito sofrimentos apareceram de uma só vez. Isso se assemelha ao caso do camponês que tem uma enorme dívida para com o lorde de seu vilarejo e outras autoridades. Enquanto o camponês permanecer no vilarejo ou no distrito, em vez de pressioná-lo impiedosamente, seus credores talvez prolonguem o pagamento ano após ano. Porém, se o camponês tentar ir embora, eles o cercarão e exigirão que ele pague tudo de uma vez. É o que o sutra [Parinirvana] quer dizer com a seguinte frase: “Isso ocorre graças aos benefícios obtidos por proteger a Lei”.

O Sutra de Lótus afirma: “Haverá muitas pessoas ignorantes que nos caluniarão e falarão mal de nós, que nos atacarão com espadas e bastões, pedras e telhas... Eles se dirigirão aos governantes, aos ministros influentes, aos brâmanes e chefes de família [bem como aos outros monges para nos caluniar e falar mal de nós]... seremos banidos repetidamente”.1 Se os ofensores não forem atormentados pelos guardiões do inferno, jamais conseguirão [pagar por suas ofensas e] escapar do inferno. Se não fosse pelos governantes e ministros que agora me perseguem, eu não conseguiria expiar minhas ofensas passadas de calúnia ao correto ensino.

Nitiren é como o Bodhisattva Jamais Desprezar do passado e as pessoas dos dias atuais são como as quatro categorias de seguidores que insultaram e amaldiçoaram esse bodhisattva. Embora as pessoas sejam diferentes, a causa é a mesma. Ainda que diferentes pessoas assassinem os próprios pais, todas cairão igualmente no inferno de incessante sofrimento. Se Nitiren está fazendo a mesma causa que o Bodhisattva Jamais Desprezar, como seria possível ele não se tornar um buda igual a Sakyamuni? Além disso, as pessoas que agora o caluniam são como Bhadrapala e os outros [que amaldiçoaram Jamais Desprezar]. Elas serão torturadas no Inferno Aviti durante mil kalpa. Por essa razão, compadeço-me profundamente delas e me pergunto se não haveria uma forma de salvá-las. Aqueles que desprezaram e amaldiçoaram o Bodhisattva Jamais Desprezar, agiram assim no início, mas, depois de certo tempo, abraçaram seus ensinos e rapidamente se tornaram seus seguidores. Então, a maior parte de suas calúnias foi expiada. No entanto, mesmo essa pequena parte que restou, levou-os a sofrer terrivelmente como se tivessem matado os pais mil vezes. As pessoas desta era se recusam terminantemente a se arrepender. Por essa razão, conforme o capítulo “Parábolas” afirma, elas sofrerão no inferno durante incontáveis kalpa; poderão até sofrer no inferno durante numerosos kalpa de partículas de pó de um sistema de grandes mundos e durante incontáveis kalpa de partículas de pó de um sistema de grandes mundos.

Além dessas pessoas, há aquelas que pareciam acreditar em mim, mas começaram a criar dúvida ao me verem ser perseguido. Elas não só abandonaram o Sutra de Lótus como também se consideram sábias o bastante para me ensinar. É lamentável que essas pessoas perversas deverão sofrer no Inferno Aviti por um tempo ainda mais longo que os seguidores da Nembutsu.

Um asura declarou que o Buda havia ensinado apenas dezoito elementos, enquanto ele expôs dezenove. Os mestres não budistas alegaram que o Buda havia oferecido somente um caminho para a iluminação, ao passo que eles ofereciam noventa e cinco. De modo semelhante, os discípulos traidores declaram: “Embora o reverendo Nitiren seja nosso mestre, ele é enérgico demais. Nós propagaremos o Sutra de Lótus de maneira mais branda”. Com tal declaração, eles têm se mostrado tão ridículos quanto o vaga-lume que ri do Sol e da Lua, um formigueiro que despreza o monte Hua, poços e riachos que zombam dos rios e oceanos ou uma pomba que imita a fênix. Nam-myoho rengue-kyo.

Nitiren

No vigésimo dia do terceiro mês do nono ano de Bun-ei (1272), ciclo do signo de mizunoe-saru.

Aos discípulos e seguidores leigos de Nitiren

Pós-escrito

Não há papel suficiente para escrever aqui na província de Sado e levaria muito tempo para eu escrever para cada um. Se uma única pessoa ficar sem receber uma carta minha, isso poderá causar ressentimentos. Por essa razão, meu desejo é que as pessoas que possuem espírito de procura reúnam-se para lerem juntas esta carta de encorajamento. Quando grandes infortúnios ocorrem no mundo, pequenos infortúnios tornam-se insignificantes. Não sei quão precisas são as notícias que chegam a mim, mas, com certeza, muitos devem estar lastimando profundamente a perda dos que foram mortos nas recentes batalhas. O que aconteceu com os reverendos Izawa e Sakabe? Enviem-me notícias de Kawanobe, Yamashiro, Tokugyo-ji e dos demais. Peço-lhes, também, a gentileza de enviar os Fundamentos do Governo da Era Chen-Kuan, a coletânea de contos dos clássicos não budistas e o registro dos ensinos transmitidos nas oito escolas. Sem esses textos, não poderei nem escrever cartas. (END, v. 5, pp. 24-30.)

Explanação

Sempre que leio “Carta de Sado”, recordo-me vividamente de um episódio de minha juventude. Ocorreu num período em que os negócios de meu mestre, Toda sensei, passavam pela pior crise. Meu mestre acabara de renunciar ao posto de diretor-geral da Soka Gakkai para proteger a Organização, e travava uma luta indescritível para superar essas dificuldades.

Lembro-me de meu mestre lendo uma parte da “Carta de Sado”. Era a passagem em que Daishonin explica que as diversas dificuldades vividas por ele — como ser insultado, caluniado, ou carecer de roupa e de alimento — coincidem perfeitamente com a descrição dos sutras. O Sr. Toda observou: “Só de imaginar que Daishonin suportou tais circunstâncias... E eu, agora, passo pela mesma situação... No meu caso, por mais dinheiro que ganhe, não tenho como obter lucros!” E enquanto dizia isso, ele ria. Mesmo em meio a problemas enormes como os que enfrentava, ele ria. Essa imagem serena de meu mestre em meio às adversidades ficará gravada para sempre em meu coração.

Recordo-me de outra ocasião em que o Sr. Toda regressou de uma audiência no Ministério das Finanças para tratar das dificuldades econômicas. Era um dia gélido e chovia granizo. Ele chegou tremendo de frio. “Ah, este mundo é realmente um lugar frio”, disse rindo, e logo acrescentou: “Daisaku, eu não fui derrotado. Minha empresa faliu, isso é tudo. A verdadeira batalha encontra-se adiante”. Ele tencionava dizer que, embora financeiramente acabado, no que dizia respeito à vida e à fé, ele não fora vencido. Afinal, tinha um discípulo genuíno e o verdadeiro teste ainda estava por vir. O espírito intrépido do Sr. Toda fortaleceu ainda mais minha determinação e meu espírito de luta. Jurei que não deixaria ninguém difamar ou fazer mal ao meu mestre.

Os escritos de Nitiren Daishonin, da mesma maneira, podem despertar um indomável espírito de luta no coração das pessoas golpeadas pelos ventos gélidos dos sofrimentos ou das adversidades. Quando o espírito invencível de Nitiren Daishonin palpita em nossa vida, nada pode nos intimidar.

Enquanto nos dedicarmos a ler os escritos de Daishonin e a incorporar sua mensagem, não haverá carma capaz de nos derrubar. Enquanto nos dedicarmos sincera e constantemente ao caminho de mestre e discípulo, não haverá obstáculo ou função maléfica capaz de nos impedir de avançar. Por favor, tenham a convicção de que por meio de uma existência alicerçada nos escritos de Nitiren Daishonin e de acordo com a prática do discípulo, poderão sobrepujar qualquer obstáculo ou limitação.

Neste artigo, enfocarei o elevado estado de vida de Nitiren Daishonin que, como um rei leão, uma pessoa de coragem indescritível, tornou possível a todos os seres humanos transformar o carma.

Um ensino para que as pessoas expandam o próprio poder

Para mim, não há honra maior na vida do que ter conhecido meu mestre e ter-me dedicado ao Kossen-rufu como seu discípulo.

O Budismo de Nitiren Daishonin é um ensino que revela aos seres humanos como fortalecer a si próprios, como se tornar um rei leão.

Em “Carta de Sado”, Daishonin ressalta a importância de percorrer o grande caminho de mestre e discípulo por toda a vida. A mensagem deste escrito é que, assim como ele havia enfrentado todas as lutas com a postura de um majestoso leão, os discípulos também deviam agir da mesma forma, pois, por meio desses esforços espirituais, é possível atingir o estado de Buda. Do início ao fim desta carta, palpita o afeto de Daishonin pelos discípulos e a preocupação sincera pelo bem-estar deles. Busca transmitir a eles que, é justamente em meio às dificuldades extremas, que podem transformar o carma e assegurar o caminho para a iluminação. Daishonin pede aos discípulos que sigam o exemplo e a postura dele nos momentos de extrema dificuldade.

Conforme observei da vez passada, a fim de explicar o princípio da transformação cármica, primeiro, Daishonin se refere à prática do Bodhisattva Jamais Desprezar.2 Em seguida, ele menciona as adversidades pessoais. Diz que a perseguição do exílio na Ilha de Sado, uma ameaça direta à própria vida, se devia ao “carma criado em existências anteriores”.3 Apesar de reconhecer que “não há forma de prever o próprio destino”,4 contempla claramente as causas negativas que pode ter cometido em existências passadas.

No trecho que analisaremos nesta oportunidade, Daishonin afirma que, sem dúvida alguma, ele agiu contra a Lei não apenas em existências passadas, mas também na existência presente ao longo dos estudos budistas. Porém, a declaração de Daishonin: “Como são terríveis as calúnias que Nitiren cometeu nas existências passada e presente”, também indica a realidade das escolas budistas estabelecidas no Japão em sua época, que depreciavam e negavam o ensino correto do budismo. Em outras palavras, os atos contra a Lei eram tão generalizados no país, que mesmo alguém disposto a estudar sinceramente o budismo, acabava, de modo involuntário, cometendo graves faltas. Isso era algo realmente temível.

Daishonin observa ainda: “Uma vez que nasceram nesta nação maléfica e se tornaram discípulos de um homem como eu, não há forma de prever o próprio destino”.5 Nesta parte, ele confirma os profundos laços que o uniam aos discípulos. A real intenção de Daishonin, acredito, era transmitir a alegria de se dedicarem juntos pelo Kossen-rufu. A cada instante, ressalta a honra e a nobreza supremas que representam para os discípulos lutar contra as adversidades e sobrepujar as perseguições como fazia o mestre.

Os oito tipos de retribuição cármica

Na ocasião passada, analisamos o trecho do sutra Parinirvana citado por Daishonin. Essa passagem, em particular, destaca que os sacerdotes que atuavam contra o ensino correto na era maléfica posterior à morte do Buda haviam sido discípulos dos mestres não budistas nos dias de Sakyamuni.8

A passagem do sutra Parinirvana citada desta vez é a que segue imediatamente à frase anterior. Descreve o benefício de manter o ensino correto numa época de crise, quando os sacerdotes de pensamentos distorcidos proliferam e esse ensino corre perigo de desaparecer. Isso alude ao princípio de amenizar o efeito cármico.9 Daishonin destaca oito exemplos de efeitos cármicos que, segundo as pessoas pressupunham, derivavam de ofensas passadas cometidas contra a Lei. Esclarece então que esses sofrimentos e efeitos diversos podem ser amenizados na presente existência graças aos “benefícios obtidos por protegerem a Lei”.10 Para confirmar a veracidade das palavras do Buda, Daishonin oferece o exemplo pessoal, já que ele mesmo havia experimentado esses oito tipos de efeitos. Em termos da vida de Daishonin, essas oito circunstâncias cármicas seriam as seguintes:

1. “Serão desprezadas” — Daishonin foi caluniado e aviltado em todo o Japão por propagar o ensino correto.

2. “Serão amaldiçoadas com uma aparência feia” — Isso poderia ser interpretado como uma referência à má reputação de Daishonin por ser um exilado.

3. “Carecerão de roupas” — Na inóspita Ilha de Sado, não havia roupas adequadas para resistir ao frio extremo.

4. “Carecerão de alimentos” — As provisões que ele ocasionalmente conseguia na Ilha de Sado eram tão escassas que corria o risco de morrer de fome.

5. “Buscarão a riqueza em vão” — Daishonin vivia exposto a grandes privações, sem poder suprir as necessidades básicas para sobreviver.

6. “Nascerão numa família pobre e de posição inferior” — O próprio Daishonin havia dito que pertencia a uma família “pobre e humilde”.11

7. “Nascerão numa família que mantém visões errôneas” — Daishonin não nasceu num lar onde se praticava o ensino correto.

8. “Serão perseguidas por seu soberano” — Como sabemos, Daishonin sofreu perseguições por parte das autoridades. Os exílios na Península de Izu e na Ilha de Sado foram algumas delas.

Daishonin conclui dizendo: “Estas oito frases só se aplicam a mim, Nitiren”.12 Em seu tratado “Abertura dos olhos”, ele também enumera os oito tipos de retribuição cármica descritos no sutra Parinirvana, comentando depois cada um deles: “Isso se aplica a mim”.13

Apesar de o próprio Daishonin se encontrar em circunstâncias tão restritas, em momento algum ele se entrega à lamentação. Como um rochedo imperturbável diante dos golpes das ondas, sempre enfrentou as perseguições com um sorriso. Este trecho de “Carta de Sado” transmite justamente esse estado de vida destemido de Daishonin.

O budismo visa a libertar as pessoas dos sofrimentos do carma

“Aquele que escala uma montanha, mais cedo ou mais tarde terá de descê-la...”14 Por meio de um raciocínio que todos podem compreender, Daishonin delineia o princípio budista convencional sobre a retribuição cármica.

A palavra “carma” deriva do antigo conceito indiano, anterior ao budismo, sobre o carma, que significa “ação”. Na Índia antiga, acreditava-se que para se libertar do sofrimento ocasionado pelo carma negativo era necessário praticar ações especiais; por exemplo, rituais presididos por sacerdotes em nome dos seguidores, que nesse caso, se limitavam a esperar que os deuses lhes concedessem a salvação.

Em contrapartida, o budismo rejeitou o pensamento de que o destino era determinado por uma divindade ou ser transcendental ao ser humano. É uma filosofia voltada para o interior do indivíduo, segundo a qual a iluminação provém da própria vida. Nesse sentido, o budismo afirma que cada pessoa é arquiteta do próprio destino. Nossa vida atual é resultado de nossas ações e escolhas do passado. Nosso futuro será determinado pelo que fizermos no presente — seja pelo acúmulo de “bom carma”, seja pelo acúmulo de “mau carma”.

Esse foi justamente um dos tópicos de meu diálogo com o historiador britânico Arnold Toynbee (1889-1975). Na opinião do Dr. Toynbee, temos a liberdade de melhorar nosso destino em qualquer momento, aqui mesmo e neste instante. Tal como ele afirmou, o budismo é uma filosofia que concede importância primordial a nossas ações e disposição interior.

As ideias budistas convencionais sobre a retribuição cármica, segundo as quais nossos efeitos negativos do presente são o resultado de nossas más causas anteriores, e os efeitos positivos são o produto das boas causas realizadas no passado, na realidade não constituem um princípio de transformação cármica. Isso porque para se erradicar todas as causas cometidas no passado, uma a uma, seria preciso um tempo inconcebivelmente longo.

Em “Carta de Sado”, Daishonin salienta que essa visão sobre a retribuição cármica se baseia na “lei geral de causa e efeito”.15 De modo implícito, ele diz que o seu budismo não se baseia nessa causalidade geral.

A causalidade da Lei Mística é a base para a transformação do carma

Daishonin revela neste trecho uma causalidade muito mais profunda ou essencial. Explica que a razão pela qual tem suportado os oito tipos de retribuição cármica não se deve à lei geral de causa e efeito como ele descreveu. Ele atribui o motivo às ações contra a Lei praticadas no passado, por exemplo, o ato de aviltar os devotos do Sutra de Lótus, o rei dos sutras, um ensino tão maravilhoso “quanto duas luas brilhando uma ao lado da outra, duas estrelas juntas, um monte Hua sobre outro ou duas joias unidas”.17 Devido a esse carma negativo fundamental formado por meio de ações contra os que mantinham o supremo ensino, Daishonin teve de experimentar os oito tipos de retribuição. Ele esclarece que, na raiz de toda as causas negativas que fazem os seres humanos sofrer, estão os atos contra a Lei [que, no sentido amplo, incluem a calúnia e a recusa à Lei fundamental da vida e do Universo].

Por fim, é possível nos libertarmos de nosso carma negativo e acumular um carma fundamentalmente positivo em nossa vida por meio de nossa dedicação como devotos do Sutra de Lótus de enfrentarmos os adversários do Sutra e de propagar a Lei Mística.

O que Daishonin explica nesta passagem é a “causalidade para atingir o estado de Buda”, que implica eliminar o mal fundamental e manifestar com vigor o estado de Buda — a nona consciência18 — que existe na essência da vida. Esta é a “causalidade da Lei Mística”, implícita no Sutra de Lótus; ou seja, no Nam-myoho-rengue-kyo.

Mesmo que neste momento estejamos sofrendo devido a alguma retribuição cármica, se nos basearmos na causalidade da Lei Mística, manifestaremos imediatamente o vasto estado de vida de Buda. Isso quer dizer que só podemos transformar realmente nosso carma por meio da Lei Mística da simultaneidade de causa e efeito.19 A Lei Mística nos possibilita realizar uma transformação interior com base no princípio de que os nove mundos e o mundo do estado de Buda são inerentes e indivisíveis; ou seja, os nove mundos possuem o potencial do estado de Buda, enquanto este último conserva o potencial dos nove mundos.

Em contraste, a causalidade geral dos ensinos pré-Sutra de Lótus opera com base no princípio da não simultaneidade de causa e efeito.20 Como a eliminação de incontáveis faltas cometidas em existências passadas levaria um tempo inconcebível, a transformação do carma nesta existência acabaria sendo algo impossível.

Nitiren Daishonin afirma, ressaltando a diferença entre estas duas ideias de lei causal: “Normalmente, esses sofrimentos aparecem um de cada vez ao longo do infinito futuro. Porém, Nitiren denunciou os inimigos do Sutra de Lótus de maneira tão voraz que todos os oito sofrimentos apareceram de uma só vez”.21 Nesta frase, Daishonin esclarece o tipo de prática budista que nos possibilita realizar causas positivas fundamentais. Essa prática não é outra senão o Chakubuku — a refutação do errôneo e a revelação do verdadeiro — especificamente expressa como “denunciar os inimigos do Sutra de Lótus”, um ato que incorpora a causalidade da Lei Mística e que nos permite transformar o carma.

“Assim como Nitiren.”22 Quando nos munimos da “coragem de um leão”,23 praticamos com a mesma postura que Daishonin e nos empenhamos intrepidamente para propagar o ensino correto, manifestamos de nosso interior um estado de Buda idêntico ao que foi manifestado por ele.

“Graças aos benefícios obtidos por proteger a Lei [as pessoas podem amenizar, nesta existência, os sofrimentos e a retribuição]”, afirma o sutra Parinirvana. Isso significa que podemos transformar nosso carma, agindo como reis leões, exatamente como fez Daishonin, e dedicando-nos sinceramente para proteger a Lei. De que forma podemos fazer isso? Denunciando quem ataca o ensino correto; ou seja, refutando o errôneo e proclamando o verdadeiro. Como resultado desse ato de coragem, todas as nossas retribuições cármicas se desvanecem “instantaneamente”,24 nos assegura Daishonin. Podemos também estabelecer em nossa vida a condição iluminada do estado de Buda. Para nós, os “benefícios obtidos por proteger a Lei” se referem aos que conseguimos por meio da luta em prol do Kossen-rufu junto com nosso mestre.

O princípio da unicidade de mestre e discípulo que se encontra no Sutra de Lótus

Neste trecho, uma vez mais, Daishonin descreve a natureza dos inimigos do Sutra de Lótus que os praticantes devem estar preparados para enfrentar. Ele está se referindo aos três poderosos inimigos27 mencionados no 13º capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”.

A passagem do Sutra: “Haverá muitas pessoas ignorantes que nos caluniarão e falarão mal de nós, que nos atacarão com espadas e bastões, pedras e telhas”, descreve os leigos arrogantes que maltratam os devotos do Sutra de Lótus e faziam deles alvo de insultos e calúnias, com o intuito de prejudicá-los. O trecho: “Eles se dirigirão aos governantes, aos ministros influentes, aos brâmanes e chefes de família” se refere às acusações infundadas dos sábios falsos e arrogantes. E o trecho: “Seremos banidos repetidamente”28 descreve a situação em que os sacerdotes de ensinos errôneos e os maus governantes, dispostos a banir e a exilar os devotos do Sutra de Lótus, agem em conspiração.

O surgimento dos três poderosos inimigos constitui a prova de que os devotos do Sutra de Lótus estão aplicando os ensinos desse Sutra na própria vida. A oposição e as perseguições são o que permite a esses devotos transformar o carma e atingir o estado de Buda. É como afirma Daishonin: “Se não fosse pelos governantes e ministros que agora me perseguem, eu não conseguiria expiar minhas ofensas passadas de calúnia ao correto ensino”.29 Indica também que os esforços constantes para propagar a Lei, alicerçados na convicção de que as perseguições e as hostilidades possibilitam aos devotos transformar o carma de forma direta, concorda perfeitamente com o princípio que possibilitou ao Bodhisattva Jamais Desprezar atingir o estado de Buda, tal como descrito no 20º capítulo do Sutra de Lótus, “Bodhisattva Jamais Desprezar”.

O Bodhisattva Jamais Desprezar respeitava e reverenciava todas as pessoas. Por causa dessa atitude, no entanto, ele foi hostilizado, desprezado e perseguido por indivíduos pertencentes às quatro categorias de seguidores: monges e monjas, leigos e leigas. Porém, por meio da perseguição incessante que enfrentou, Jamais Desprezar pôde expiar o carma negativo acumulado em existências passadas. O Sutra de Lótus descreve o benefício que ele recebeu “quando suas ofensas foram expiadas”,30 ou seja, a purificação dos seis órgãos sensoriais ou dos seis sentidos31 e a conquista do Caminho do Buda. Numa existência posterior, ele renasceu com a identidade do Buda Sakyamuni.32

À luz dessa passagem, Daishonin diz: “Nitiren é como o Bodhisattva Jamais Desprezar do passado”.33 Os que praticam o Sutra de Lótus poderão pertencer a épocas diferentes, mas a causa fundamental para atingir o estado de Buda será sempre a mesma. A fórmula básica permanece. Assim, se fizermos os mesmos tipos de causas que o Bodhisattva Jamais Desprezar acumulou ao longo da prática budista, também poderemos atingir a condição de Buda, sem falta.

“Se Nitiren está fazendo a mesma causa que o Bodhisattva Jamais Desprezar, como seria possível ele não se tornar um buda igual a Sakyamuni?”,34 pergunta a si mesmo Daishonin pelo bem dos discípulos. A frase indica o princípio da inseparabilidade de mestre e discípulo. Em outras palavras, nós também podemos, infalivelmente, atingir o estado de Buda se seguirmos o exemplo de Daishonin e triunfarmos sobre nossas adversidades, e mantivermos firmemente a prática do Chakubuku: refutar o errôneo e revelar o verdadeiro.

É natural que nossa vida pareça bem diferente da vida de um grande predecessor como Nitiren Daishonin. Isso é perfeitamente lógico já que somos indivíduos diferentes, cada um com as próprias circunstâncias, personalidade, capacidades e subjetividade. No entanto, se fizermos o mesmo tipo de causa que os corajosos devotos do Sutra de Lótus do passado realizaram, ou seja, se mantivermos o mesmo curso de ação e a mesma prática que eles, poderemos obter os mesmos efeitos ou resultados. Esta é uma forma de ver a causalidade baseada no caminho do mestre e do discípulo.

Embora os discípulos se sintam totalmente diferentes do mestre em termos de sabedoria e de benevolência, enquanto mantiverem o mesmo compromisso, os mesmos ideais e esforços abnegados que o mestre poderão, sem falta, desfrutar um estado de vida tão sublime e vasto quanto o do mestre.

Esse é o Caminho para atingir a iluminação com base na unicidade de mestre e discípulo que pulsa no Sutra de Lótus.

A rigorosa lei da causalidade

Com relação aos que perseguiram o Bodhisattva Jamais Desprezar, como resultado das más ações, não puderam encontrar nenhum buda durante duzentos milhões de kalpa, e passaram por terríveis agonias no inferno de incessante sofrimento ou Inferno Aviti.39 Daishonin diz que se compadece dos que no presente cometem causas similares perseguindo a ele, mas que nada pode ser feito por essas pessoas. Ninguém pode manipular a lei de causa e efeito; ela é rigorosa e inexorável.

Ele prossegue dizendo que mesmo as pessoas que haviam atacado Jamais Desprezar conseguiram, com o tempo, reencontrar-se com o mestre delas graças à relação estabelecida com esse bodhisattva e, por fim, como Bhadrapala e os demais, puderam ser seus discípulos quando este nasceu sob a identidade do Buda Sakyamuni. Mas Daishonin salienta que as pessoas de sua época, que o caluniaram, recusavam-se terminantemente a mudar de atitude. Por essa razão, ele lamenta que, como resultado elas terão de sofrer durante incontáveis kalpa.

A temível natureza do Rei Demônio do Sexto Céu

Nitiren Daishonin destaca que o problema maior são os discípulos arrogantes. Pois a ofensa dos que rechaçam e caluniam o ensino correto num primeiro momento não é tão grave quanto a de ex-seguidores que, não satisfeitos em abandonar a fé, caluniam o mestre e os companheiros. A retribuição que os últimos cometem é muito mais severa.

Os discípulos que se deixam dominar pela escuridão fundamental e pela ignorância, procuram influenciar outros, podendo fazer com que muitos se desviem da prática correta. Essa é a temível natureza do Rei Demônio do Sexto Céu.40 Conforme Daishonin observa em outro escrito [”As funções de Brahma e de Shakra”]: “As pessoas dominadas por um grande mal, uma vez que são bem-sucedidas em persuadir um seguidor a abandonar a fé, usam esse indivíduo como meio para que muitos outros façam o mesmo”.41 Apesar da boa sorte de terem conhecido e adotado a fé na Lei Mística, essas pessoas acabam deixando a vida sucumbir à vontade do Rei Demônio do Sexto Céu. O principal motivo atribui-se à arrogância, cuja essência é a inveja e o desprezo ao mestre. Daishonin descreve tais indivíduos como “pessoas perversas que se consideram sábias o bastante para ensiná-lo”.42 Esta observação deveria ser interpretada como uma eterna advertência aos seguidores.

O princípio budista de causa e efeito se processa através da eternidade. A vida de quem age de acordo com a causalidade da Lei Mística prosperará constantemente, por toda a eternidade. A boa sorte dessa pessoa será transmitida aos entes queridos e descendentes, por infinitas futuras gerações ao longo dos Últimos Dias da Lei. Por outro lado, Daishonin deixa claro que os seguidores que se esqueceram do caminho de mestre e discípulo, que traíram o mestre e os companheiros de fé deveriam “sofrer no Inferno Aviti por um tempo ainda mais longo que os seguidores da Nembutsu”.43

Daishonin se conscientizou da Lei que possibilita a qualquer pessoa atingir a iluminação. Do ponto de vista do caminho fundamental para a consecução do estado de Buda, o ensino de Daishonin, o Buda dos Últimos Dias da Lei, é absoluto. Como mestre, Daishonin se dedicou de todo o coração a forjar e a treinar os discípulos e, por essa razão, seu ensino costumava ser muito rigoroso. Porém, houve os que não conseguiram entender o coração de Daishonin e se voltaram contra ele. Por mais que esses indivíduos perversos tentassem sujar o nome de Daishonin, ele sempre se mantinha imperturbável.

Um juramento de vitória aos discípulos

Daishonin conclui a parte principal do texto de “Carta de Sado” com uma passagem que expressa a convicção monumental de um rei leão.

Nesse trecho, ele destaca que os arrogantes tentarão inserir pensamentos próprios e arbitrários nos ensinos do Buda. Por exemplo, quando Sakyamuni ensinou a existência dos dezoito elementos, um asura gabou-se dizendo conhecer dezenove elementos; e quando o Buda expôs que havia um único caminho supremo para a iluminação, os não budistas fizeram alarde dizendo conhecer noventa e cinco.

Entre os discípulos de Daishonin também havia os que o menosprezavam com grande arrogância, dizendo: “Embora o reverendo Nitiren seja nosso mestre, ele é enérgico demais. Nós propagaremos o Sutra de Lótus de maneira mais branda”.47 Apesar de, no início, aparentarem ter fé no Sutra de Lótus, na realidade, eles tinham perdido totalmente de vista a essência do Sutra. Consequentemente, não puderam apreciar a verdadeira grandeza com que o mestre Nitiren Daishonin propagava o Sutra de Lótus nos Últimos Dias.

Do ponto de vista do budismo, o exílio na Ilha de Sado e outras perseguições que Daishonin enfrentou, resultaram da ação do Rei Demônio do Sexto Céu que se “apoderou” da vida do governante e de outras figuras poderosas para criar uma divisão entre Daishonin e os seguidores. Quando os laços que unem mestre e discípulo são fortes e saudáveis, o poder e a influência da Lei Mística aumentam. A eterna perpetuação do ensino correto também ganha ímpeto e o grande caminho condutor à felicidade e à paz de toda a humanidade — propósito fundamental do budismo — é amplamente aberto. É por essa razão que o Rei Demônio tenta, a todo custo, impedir que isso ocorra.

Nesse sentido, os discípulos de Daishonin que o criticavam, ao mesmo tempo em que eles próprios evitavam a perseguição, haviam sido completamente derrotados pelo Rei Demônio. Eles permitiram que o nobre espírito de mestre e discípulo fosse encoberto pela natureza maléfica, pela própria escuridão fundamental.

Imagino nitidamente Daishonin proclamando: “Eles têm se mostrado tão ridículos quanto o vaga-lume que ri do Sol e da Lua, um formigueiro que despreza o monte Hua, poços e riachos que zombam dos rios e oceanos ou uma pomba que imita a fênix”.48

Os três primeiros presidentes da Soka Gakkai avançaram em prol do Kossen-rufu com essa mesma convicção.

“Carta de Sado” revela o monumental estado de vida de Daishonin em meio a perseguições mortais É a declaração de vitória do mestre. Ao mesmo tempo, este escrito constitui um brado de vitória, um juramento de vitória, dirigido aos corajosos discípulos que estavam lutando ao lado de Daishonin, decididos a superar grandes desafios.

A vitória dos discípulos é a vitória da Soka Gakkai

Esta parte constitui um pós-escrito que mostra a imensa benevolência e a profunda preocupação de Daishonin pelos seguidores. Ele pergunta pelo bem-estar de pessoas específicas e pede que lhe envie vários textos para consulta a fim de preparar seus escritos. Na remota Ilha de Sado, Daishonin prossegue a incansável luta espiritual motivado pela profunda benevolência por toda a humanidade.

Imensamente afortunada é a pessoa que tem um mestre. Este é o constante sentimento que pulsa em meu coração. Tenho consagrado minha vida a saldar a dívida de gratidão ao meu mestre, a retribuir-lhe até pelo menor benefício que dele recebi por meio de minha dedicação sincera e absoluta ao Kossen-rufu.

No fim de abril de 1951, pouco antes de meu mestre assumir a presidência da Soka Gakkai, reli o escrito “Carta de Sado” como testamento da vitória de mestre e discípulo. Naquele mês, anotei em meu diário as seguintes passagens em especial:

(27 de abril)

Quando um governante mau se associa a reverendos que seguem ensinos errôneos e tentam destruir o ensino correto e eliminar um sábio, aqueles que possuem o coração de um rei leão, com certeza, atingirão o estado de Buda, assim como Nitiren.52

(Dia 28 de abril)

De modo semelhante, os discípulos traidores declaram: “Embora o reverendo Nitiren seja nosso mestre, ele é enérgico demais. Nós propagaremos o Sutra de Lótus de maneira mais branda”. Com tal declaração, eles têm se mostrado tão ridículos quanto o vaga-lume que ri do Sol e da Lua, um formigueiro que despreza o monte Hua, poços e riachos que zombam dos rios e oceanos ou uma pomba que imita a fênix.53

Para mim, “Carta de Sado”, é um escrito sobre a vitória do mestre e do discípulo, que o Sr. Toda e eu estudamos e utilizamos como inspiração para superar as adversidades. Jurei que, para tornar realidade o sonho de meu mestre, daria o máximo de mim e assumiria total responsabilidade pelo Kossen-rufu.

Para esse fim, decidi desenvolver a minha comunidade. Comecei a visitar os companheiros em suas casas, a realizar reuniões de diálogo e a gerar ondas crescentes de propagação. Atuei dessa forma por saber que a vitória do Kossen-rufu no futuro depende da expansão do caminho inigualável de mestre e discípulo Soka a partir de nossa própria comunidade.

Em termos modernos, pôr em prática o espírito da “Carta de Sado” seria participar de um diálogo de vida a vida para transmitir a grandeza do Budismo de Nitiren Daishonin, e compartilhar resolutamente o nobre caminho de mestre e discípulo com os demais.

Oro para que meus genuínos discípulos perpetuem, com orgulho, o legado de mestre e discípulo dos três primeiros presidentes.

(Daibyakurengue, edição de março de 2009.)

1. LS, cap. 13, p. 193.

2. Bodhisattva Jamais Desprezar:

Bodhisattva descrito no 20º capítulo do Sutra de Lótus, “Bodhisattva Jamais Desprezar”. Segundo o Sutra, trata-se de Sakyamuni em uma de suas existências prévias. Esse bodhisattva curvava-se em reverência a todos com quem se encontrava e dizia: “Eu os reverencio profundamente, jamais ousaria tratá-los com desdém ou arrogância. Por quê? Porque todos estão praticando o caminho do bodhisattva e infalivelmente atingirão o estado de Buda”. (LS20, pp. 266–267.) Mesmo sendo atacado por pessoas arrogantes, que o agrediam com pedras e bastões, ele perseverava em sua prática. O capítulo esclarece que a prática de reverenciar o estado de Buda em outras pessoas, tornou-se a causa para ele atingir a iluminação.

3. Carma criado em existências anteriores: Embora possa aplicar-se tanto ao bom carma como ao mau carma, no geral, a expressão costuma aludir ao mau carma (leia em END, v. 5, p. 24).

4. END, v. 5, p. 24.

5. Ibidem.

6. Sutra Parinirvana: Também conhecido como sutra Mahaparinirvana. Versão chinesa do Sutra do Nirvana em seis volumes, traduzido por Fa-hsien e por Buddhabhadra, por volta de 417.

7. Estas frases em conjunto formam os chamados oito tipos de sofrimento ou retribuição. Referem-se às adversidades que uma pessoa deve enfrentar como retribuição cármica negativa pelas incontáveis ofensas cometidas no passado.

8. Cf. END, v. 5, p. 25.

9. Amenização do efeito cármico: Princípio segundo o qual uma pessoa experimenta de forma atenuada os efeitos do mau carma gerado no passado, por meio da fé e da prática do budismo.

10. END, v. 5, p. 25.

11. Ibidem.

12. Ibidem.

13. END, v. 4, p. 203.

14. END, v. 5, p. 25.

15. Ibidem, p. 26.

16. Monte Hua: Uma alta montanha localizada na província de Shaanxi, na China. Uma das cinco montanhas sagradas do país.

17. END, v. 5, p. 26.

18. Nona consciência: A nona consciência ou consciência amala é a natureza de Buda ou força purificadora fundamental, livre de todos os impedimentos cármicos.

19. Simultaneidade de causa e efeito: Princípio segundo o qual a causa e o efeito existem simultaneamente, em cada instante da vida.

20. Não simultaneidade de causa e efeito: A visão de que existe um intervalo ou separação entre a causa e o efeito. Na prática budista embasada em outros ensinos além do Sutra de Lótus, só é possível obter o efeito da iluminação depois de um período de tempo extremamente longo, destinado ao acúmulo de causas positivas para neutralizar as causas negativas anteriores.

21. END, v. 5, p. 26.

22. Ibidem, p. 17.

23. WND, v. 1, p. 997.

24. END, v. 3, p. 127.

25. Cf. LS, cap. 13, pp. 193-195. A frase pertence ao 13º capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”. O capítulo, na realidade, só faz referência a “espadas e bastões”. As palavras “pedras e telhas” foram extraídas do 20º capítulo, “Bodhisattva Jamais Desprezar” e inseridas no 13º capítulo.

26. Guardiões do inferno: Demônios da mitologia budista que atormentam os transgressores que caíram no Inferno. Servem ao rei Yama, o rei do Inferno, que julga e determina as retribuições, positiva ou negativa, aos mortos.

27. Três poderosos inimigos: Três tipos de pessoas arrogantes que perseguem os que propagam o Sutra de Lótus na era maléfica posterior à morte do Buda. São descritos no trecho em verso de vinte linhas, que consta no 13º capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”. O Grande Mestre Miao-lo, da China, classifica os três poderosos inimigos em: (1) leigos arrogantes; (2) sacerdotes arrogantes; e (3) sábios falsos e arrogantes.

28. “Seremos banidos repetidamente”: Uma passagem do 13º capítulo do Sutra de Lótus, “Devoção Encorajadora”. Explica que quando os devotos do Sutra de Lótus expõem o ensino correto nos Últimos Dias da Lei, sofrem sucessivas perseguições. Em conformidade com as predições desta passagem, Nitiren Daishonn foi exilado na Península de Izu e na Ilha de Sado. (Leia em LS, cap. 13, p. 195.)

29. END, v. 5, p. 27.

30. LS, cap. 20, p. 270.

31. Purificação dos seis órgãos sensoriais: Também chamada purificação dos seis sentidos. O termo refere-se ao processo pelo qual os seis órgãos dos sentidos (olhos, nariz, língua, ouvidos, pele e mente) se purificam, permitindo ao indivíduo captar todos os fenômenos corretamente. O 19º capítulo do Sutra de Lótus, “Os Benefícios do Mestre da Lei”, explica que os que praticam e mantêm o Sutra adquirem 800 benefícios referentes aos olhos, ao nariz e à pele, e 1.200 benefícios referentes aos ouvidos, à língua e à mente. Por meio desses benefícios, os seis órgãos sensoriais são aguçados e purificados.

32. “Quando suas ofensas foram expiadas”: Este verso do 20º capítulo do Sutra de Lótus, “Bodhisattva Jamais Desprezar”, indica que o bodhisattva foi capaz de expiar as faltas cometidas no passado, pelas ações contra a Lei, graças às perseguições que teve de suportar.

33. END, v. 5, p. 27.

34. Ibidem.

35. Bhadrapala: Bodhisattva que foi discípulo do Buda Sakyamuni. No 20º capítulo do Sutra de Lótus, “Bodhisattva Jamais Desprezar”, consta que, no passado ele havia sido um dos quatro tipos de seguidores que caluniaram o Bodhisattva Jamais Desprezar. Por essa má ação, caiu vivo no inferno de incessante sofrimento e ali permaneceu por mil kalpa. Mais tarde, graças ao benefício derivado da relação inversa formada no passado, ele conseguiu renascer nos dias de Sakyamuni — que havia sido o Bodhisattva Jamais Desprezar naquela época remota — e tornar-se discípulo do Buda.

36. Inferno Aviti: Também conhecido como inferno de incessante sofrimento.

37. LS, cap. 3, p. 74.

38. “Numerosos kalpa de partículas de pó de um sistema de grandes mundos” e “incontáveis kalpa de partículas de pó de um sistema de grandes mundos”: Períodos de tempo imensuráveis.

39. No Sutra de Lótus, Sakyamuni diz: “Poderia ocorrer de o Bodhisattva Jamais Desprezar ser alguém desconhecido para vocês? O que acham? A verdade é que esse bodhisattva não era outro senão eu! (...) O coração dos indivíduos pertencentes às quatro categorias de seguidores — monges e monjas, leigos e leigas — foi tomado pela ira e todos me trataram com indiferença e desdém. Por duzentos milhões de kalpa nunca puderam encontrar um buda, ouvir a Lei ou ver a comunidade de monges. Durante mil kalpa suportaram grandes sofrimentos no Inferno Aviti. Quando acabaram de expiar as ofensas cometidas, voltaram a encontrar o Bodhisattva Jamais Desprezar [eu, Sakyamuni], que lhes ensinou o anuttara-samyak-sambodhi [a suprema iluminação]”. (LS, cap. 20, pp. 268-269.)

40. Rei Demônio do Sexto Céu: Também chamado “Rei Demônio” ou “Demônio Celestial”. Soberano das funções maléficas que habita o sexto céu, o mais elevado dos seis mundos do desejo. É referido como “Demônio que se Regozija em Manipular Livremente as Pessoas e em Usurpar o Fruto dos Esforços Delas”. Função manipuladora da mente das pessoas. O Demônio do Sexto Céu é servido por incontáveis funções subsidiárias que visam a impedir a prática budista, consumindo a vitalidade dos seguidores. Personifica a tendência negativa de impor a própria vontade aos demais a qualquer custo.

41. WND, v. 1, p. 800.

42. Cf. END, v. 5, pp. 27-28.

43. Cf. END, v. 5, p. 29.

44. Asura: Um tipo de demônio da mitologia Indiana de natureza hostil, que luta constantemente contra a divindade Shakra.

45. Dezoito elementos: Conceito abrangente das três categorias inter-relacionadas: os seis órgãos sensoriais (olhos, ouvidos, nariz, língua, pele e mente), os seis objetos que esses órgãos percebem e as seis consciências ou funções perceptivas dos órgãos dos sentidos em relação a esses objetos.

46. A frase baseia-se numa passagem da obra Tratado sobre a Grande Perfeição da Sabedoria. Os “noventa e cinco” caminhos podem se referir ao fato de, na época de Sakyamuni, ter existido noventa e cinco escolas não budistas.

47. END, v. 5, p. 29.

48. Ibidem.

49. Kawanobe, Yamashiro e Tokugyo-ji foram seguidores de Daishonin. Acredita-se que depois da Perseguição de Tatsunokuti foram presos num calabouço.

50. Fundamentos do Governo da Era Chen-Kuan: Obra editada por Wu Ching, historiador chinês da dinastia T’ang (618-907). Foi amplamente estudada pelos funcionários do governo japonês na época de Nitiren Daishonin.

51. Oito escolas: Oito principais escolas do budimo japonês antes do período Kamakura (1185-1333). Elas são: Tesouro da Análise do Darma, Estabelecimento da Verdade, Preceitos, Características do Darma, Três Tratados, Guirlanda de Flores, Tendai e Verdadeira Palavra. As seis primeiras floresceram no período Nara (710-794), enquanto as escolas Tendai e Verdadeira Palavra ganharam influência no período Heian (794-1185).

52. IKEDA, Daisaku. A Youthful Diary: One Man’s Journey from the Beginning of Faith to Worldwide Leadership for Peace (Diário da Juventude: A jornada de um homem do início da fé à liderança mundial pela paz). Santa Mônica, Califórnia: World Tribune Press, 2000, p. 109. A frase citada consta em END, v. 5, pp. 16-17.

53. Ibidem, END, v. 5, p. 29.

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