terça-feira, 5 de julho de 2016

[10, 11 e 12] Os três tipos de tesouro

[4] “Os Três Tipos de Tesouro” - Parte 1

Aprendendo com os escritos de Nitiren Daishonin: os ensinos para a vitória

Terceira Civilização, Edição 518, 15/10/2011 / Estudo

A essência do Budismo está no “comportamento da pessoa como ser humano”

por Daisaku Ikeda, presidente da SGI

Recebi vários artigos trazidos por seu mensageiro, incluindo um traje acolchoa­do branco, um cordão de moedas e [a carta de Toki]. Os caquis, as peras e algas frescas e secas são particularmente bem-vindos.

Lamento a doença de seu lorde. Embora ele não tenha fé no Sutra de Lótus, o senhor é membro do clã dele e é graças à consideração dessa pessoa que o senhor pode fazer oferecimentos ao Sutra. Assim, estes [oferecimentos ao Su­tra] podem se tornar orações exclusivamente para a recuperação de seu lorde. Pense numa pequena árvore que fica debaixo de uma grande ou na grama que fica à beira de um grande rio. Embora não recebam a chuva nem a água do rio diretamente, ainda assim vicejam, compartilhando o orvalho da grande árvore ou a umidade do rio. O mesmo acontece com o relacionamento entre o senhor e seu lorde. Para dar outro exemplo, o rei Ajatashatru era inimigo do Buda. Mas como Jivaka, ministro da corte do rei, acreditava no Buda e fazia contínuos oferecimentos a ele, consta que os benefícios decorrentes de suas ações retornaram para Ajatashatru.

O Budismo ensina [a importante doutrina] que, quando a natureza de Buda se manifesta no interior, surge a proteção exterior. Este é um de seus princípios fundamentais. O Sutra de Lótus diz: “Eu tenho profunda reverência por você”. O Sutra do Nirvana declara: “Todos os seres vivos possuem igualmente a natureza de Buda”. “O Despertar da Fé no Mahayana”, do Bodhisattva Ashvaghosha, afirma: “Como a Lei verdadeira e definitiva permeia invariavel­mente a vida da pessoa e exerce sua influência, as ilusões se extinguem instantaneamente e o corpo do Dharma se manifesta”. O “Tratado sobre os Estágios da Prática de Ioga”, do Bodhisattva Maitreya, contém uma declaração semelhante. O que está oculto se transforma em virtude manifesta.

O demônio celestial [ou seja, o Rei Demônio do Sexto Céu] sabia sobre isso [esse princípio] desde antes, e, portanto, possuiu seus colegas [os servidores do lorde Ema], levando-os a inventar essa mentira absurda [de que o senhor perturbou o Debate de Kuwagayatsu] a fim de impedirem-no de fazer oferecimentos ao Sutra de Lótus. Contudo, uma vez que sua fé é profunda, as dez filhas-demônio devem ter vindo em seu auxílio e causado a doença de seu lorde. Ele [lorde Ema] não o considera seu inimigo, mas, desde que agiu contra o senhor, dando crédito às falsas acusações de seus colegas, acabou ficando gravemente doente, e a doença persiste.

[O monge] Ryuzo-bo, com quem essas pessoas contam como seu pilar de força, já foi derrubado, e aqueles que falaram mal do senhor contraíram a mesma doença que seu lorde. Como Ryokan [patrono de Ryuzo-bo] é culpado de uma ofensa muito pior, é provável que ele sofra ou cause um grave acidente. Certamente, ele não escapará ileso (WND, v. 1, p. 848).

Explanação

O Budismo manifesta-se no “comportamento da pessoa como ser humano”. A Lei Mística é invisível aos olhos. Porém, é visível na conduta de quem pratica corretamente os ensinos budistas. Isso porque as ações da pessoa que pratica corretamente comprovam a eficácia da Lei.

Nesse sentido, é essencial que os líderes da SGI se encontrem com as pessoas, dialoguem com elas, compartilhem suas alegrias e tristezas, trabalhem e avancem junto com elas. Os líderes precisam oferecer incentivos inspiradores e proporcionar às pessoas coragem para desafiarem os problemas e as dificuldades. Devem confrontar o erro e a injustiça enquanto protegem, direcionam e cuidam de todos calorosamente. O Budismo não existe separado da “ação dedicada dos seres humanos”.

A pessoa que ora e trabalha mais do que ninguém para realizar o Chakubuku é genuí­na líder do Budismo. “Buda” é outro nome para alguém que empreende ações dedicadas. Enquanto houver indivíduos dedicados a ajudar os outros a atingir a iluminação, o Budismo brilhará eternamente como religião viva. Mas se essas ações dedicadas desaparecerem, o Budismo se tornará uma religião morta, desin­te­ressante.

Sakyamuni e Nitiren Daishonin deixaram um modelo de ações dedicadas em conduzir outras pessoas à iluminação. Eles estavam sempre entre as pessoas, dialogando para despertar a natureza de Buda inata em cada uma delas.

O comportamento humano assume todos os tipos de formas. Isso reflete os diferentes estados dos Dez Mundos — os estados da vida que vão do estado de Inferno ao estado de Buda. O foco da minha explanação é o comportamento humano do estado de Buda que se refere especificamente a mais elevada conduta humanística. É o comportamento que demonstra respeito por todas as pes­soas. Também inclui as ações dedicadas para o crescimento interior e a conquista da felicidade de si mesmo e dos outros no cotidiano. As ações dedicadas com o objetivo de despertar as pessoas para a natureza de Buda correspondem ao comportamento do Bodhisattva Jamais Desprezar.1 Indicam também a conduta do Buda Nitiren Daishonin em sua dedicação à prática do Chakubuku com foco na realização do Kossen-rufu. Este é o comportamento exato de cada um de nós da SGI como Bodhisattvas da Terra2 que se empenham pelo Kossen-rufu.

O Budismo funciona somente para os indivíduos que demonstram incessante respeito pelas pessoas, assim como o Buda.

Estudaremos o Gosho “Os Três Tipos de Tesouro”. Nesta carta, dirigida a Shijo Kingo, datada de setembro de 1277, Daishonin ensina a seu leal discípulo a importância de viver de maneira sábia, e esclarece qual deve ser o comportamento humano correto num momento de adversidade.

Como budistas, qual deve ser o comportamento correto? Como agir firme e sabiamente para vencer qualquer dificuldade? Nitiren Daishonin responde a essas perguntas nesta carta, explicando o caminho essencial da vida para os praticantes do Budismo.

Gravem profundamente a orientação de Daishonin sobre como viver com sabedoria. Use-a como inspiração para vencer na vida e no Kossen-rufu.

Trecho do Gosho

Recebi vários artigos trazidos por seu mensageiro, incluindo um traje acolchoado branco, um cordão de moedas e [a carta de Toki].3 Os caquis, as peras e algas frescas e secas são particularmente bem-vindos (WND, v. 1, p. 848).

Sinceridade e integridade são o trampolim para superar a adversidade

Na época em que esta carta foi escrita, Shijo Kingo passava sérias dificuldades. Numa carta anterior, Nitiren Daishonin comenta sobre a afirmação de seu discípulo de que grandes dificuldades haviam caído sobre ele [Shijo Kingo] como chuva (END, v. 1, p. 281). Três anos antes (em 1274), Shijo Kingo tentou converter seu lorde, Ema, ao ensino de Daishonin. Porém, isso só resultou em antipatia por parte dele, que era seguidor do bonzo Ryokan da escola Preceitos-Verdadeira Palavra. Aproveitando-se da situação, outros empregados maldosos espalharam falsas acusações sobre Shijo Kingo e mancharam seu bom nome. Tentaram até mesmo matá-lo.

Aborrecido, o lorde Ema causava diversas dificuldades para Shijo Kingo e sua família. A mais visível era a de que ele havia sido obrigado a abandonar o feudo e a aceitar outro menor. Ao longo de todas essas batalhas, Shijo Kingo continuou a seguir fielmente a orientação detalhada de Daishonin e a perseverar tenazmente em sua prática budista.

Como consequência das falsas acusações, principalmente em relação a um incidente no Debate de Kuwagayatsu,4 realizado em junho de 1277, Shijo Kingo enfrentou a ameaça eminente de ter todas as suas terras confiscadas. O lorde Ema exigiu que ele abandonasse a fé no Sutra de Lótus, caso contrário, tomaria seu feudo. Mas, sem dúvida, Shijo Kingo escolheu a fé. E, de imediato, escreveu sua decisão a Nitiren Daishonin, que respondeu rapidamente: “Esta vida é como um sonho. Não há certeza de que estaremos vivos amanhã. Mesmo que se torne o mais miserável dos mendigos, jamais desonre o Sutra de Lótus” (WND, v. 1, p. 824).

Outro conselho coerente de Daishonin a Shijo Kingo foi o de não ser bajulador nem submisso.5 A submissão equivale a destruir a própria dignidade ou a autoestima. Pior ainda, o comportamento covarde ou servil em relação às funções malignas impede o brilho do estado de Buda.

Enfrentem firmemente as funções malignas que trazem infelicidade às pessoas. Quando confrontadas pelo comportamento destemido de pessoas dignas e íntegras, as funções malignas sempre se retiram instantaneamente. É como as raposas fugindo ao ouvirem o rugido poderoso do rei leão, ou como a escuridão desaparecendo no instante em que o Sol surge.

Vivam com inabalável convicção e orgulho e sem a menor submissão. Nitiren Daishonin ensina repetidamente a seus discípulos que este é o verdadeiro brilho da dignidade humana.

O que é admirável em Shijo Kingo é sua busca constante pela orientação de Daishonin e a exatidão de como ele aplicava em sua vida. Este é o espírito de unicidade com o mestre. Por agir assim, ele conseguiu triunfar sobre todos os obstáculos de forma magnífica. A unicidade de mestre e discípulo é a força motriz para a vitória na vida e no Kossen-rufu. Este é um princípio eternamente imutável do Budismo.

Quando Shijo Kingo aplicou fielmente as orientações de seu mestre, de jamais desonrar o Sutra de Lótus e nunca se comportar de maneira servil, sua situação mudou radicalmente.

Lorde Ema foi acometido de uma grave doença e Shijo Kingo, que era versado em medicina, cuidou dele. Assim, ele teve a oportunidade de reconquistar a confiança de seu lorde. Esse fato ocorreu alguns meses depois de ele ter enfrentado a ameaça de confiscarem seus feudos.

A chance de melhorar seu relacionamento com o lorde Ema se materializou, porém, ainda havia outras questões que não tinham solução imediata. A hostilidade dos empregados maldosos e a discórdia com os irmãos persistiam. Enquanto isso, continuavam as conspirações ardilosas de Ryokan do templo Gokuraku6 e de outros com o objetivo de desacreditá-lo.

Como a solução começava a tomar forma, era essencial que Shijo Kingo não ficasse excessivamente confiante nem negligente. Era preciso cautela para buscar uma solução para o problema e ficar ainda mais atento a pessoas e situações ao seu redor. Shijo Kingo deveria garantir a vitória por meio de suas ações dedicadas como ser humano. Esta é a orientação concreta que Daishonin oferece a ele nesta carta, aconselhando-o em detalhes sobre como observar e desafiar sua situação crítica.

No começo deste escrito, Nitiren Daishonin expressa sua gratidão pelos oferecimentos recebidos. Com base nessa passagem, percebemos que Shijo Kingo havia lhe enviado um pacote considerável com sinceros oferecimentos e uma carta de Toki Jonin. Com a aproximação do inverno, Shijo Kingo preocupou-se com o bem-estar de Daishonin, que se encontrava nas remotas montanhas de Minobu. Por isso, Shijo Kingo enviou-lhe uma grande variedade de itens. Nitiren Daishonin confirma que os produtos chegaram com segurança e agradece calorosamente ao discípulo por sua generosidade, acrescentando que os alimentos são “particularmente bem-vindos”. Nesse trecho, sentimos a sinceridade entre mestre e discípulo.

Ao receber notícias da situação de Shijo Kingo, Daishonin oferece a ele conselhos pertinentes de como proceder em sua conduta diária. Ele também o elogia pela vitória alcançada por meio da fé, dizendo: “Não seria isso o Sutra de Lótus vindo em seu auxílio?” (END, v. 1, p. 295) Ao mesmo tempo, preocupado que Shijo Kingo se tornasse alvo de inveja e fosse posto em perigo ainda maior, Daishonin o adverte a ser extremamente cuidadoso e evitar um comportamento irrefletido ou indiscreto. Ele também ensina que manter a integridade pessoal e concretizar a vitória como ser humano são pontos essenciais para abrir o caminho nas diferentes situações desafiadoras que enfrentar.

Esta carta inteira brilha com passagens profundas que deram encorajamento e amparo aos incontáveis membros da SGI:

“Mais valioso que o tesouro do cofre é o tesouro do corpo, e o tesouro do coração é o mais valioso de todos” (END, v. 1, p. 297).

***

“O propósito do advento do Buda Sakyamuni, o lorde dos ensinos, neste mundo encontra-se em seu comportamento como ser humano” (WND, v. 1, p. 852).

***

“O sábio deve ser chamado humano, e os tolos são denominados animais” (WND, v. 1, p. 852).

Daishonin explica a seu discípulo em apuros que a chave para vencer a adversidade está na ação dedicada como ser humano. Isso não se aplica só a Shijo Kingo. No nosso caso, essas ações dedicadas são o reflexo de nossa fé e determinam o resultado da vitória ou derrota na prática budista.

Cada passagem neste escrito está imbuída da profunda compaixão de Nitiren Daishonin que tinha como prioridade incentivar sinceramente cada discípulo. Como budista, nenhuma ação é mais sublime que a de criar outros seres humanos, treinando pessoas capazes de também empreender ações dedicadas.

Certa vez, Tsunessaburo Makiguti, presidente fundador da Soka Gakkai, incentivou um jovem professor. Proveniente de uma área rural do Japão, o rapaz sentia vergonha do seu sotaque e, por isso, tinha dificuldades de falar diante das pessoas. O Sr. Makiguti disse-lhe: “Mesmo que sua pronúncia seja humilde ou que tenha sotaque, é importante que seja você mesmo e faça o melhor possível. Cada pessoa é dotada de um maravilhoso potencial. Vá em frente e seja voluntário para falar em público. Isso vai beneficiá-lo. Ao mesmo tempo, o fato de fazer essa apresentação também beneficiará os outros professores e, por extensão, contribuirá para o crescimento das crianças que estão sob a responsabilidade deles. Assim, sua ação resultará em um bem maior. Educação Soka significa fazer o máximo para criar valor que constitua o benefício e o bem”.

“Seja você mesmo e faça o melhor” — esse princípio da educação Soka concorda inteiramente com os princípios humanísticos do Budismo Nitiren. Eis por que o comportamento humanístico de um genuíno praticante budista leva à criação de um supremo valor.

Ajudar as pessoas a desenvolver sua humanidade é o princípio fundamental do Budismo. A mensagem principal de Daishonin para Shijo Kingo é que o caminho correto da prática budista consiste em realizar ações dedicadas para melhorar seu caráter. Em outras palavras, é realizar a própria revolução humana.

Trecho do Gosho

Lamento a doença de seu lorde. Embora ele não tenha fé no Sutra de Lótus, o senhor é membro do clã dele e é graças à consideração dessa pessoa que o senhor pode fazer oferecimentos ao Sutra. Assim, estes [oferecimentos ao Sutra] podem se tornar orações exclusivamente para a recuperação de seu lorde. Pense numa pequena árvore que fica debaixo de uma grande ou na grama que fica à beira de um grande rio. Embora não recebam a chuva nem a água do rio diretamente, ainda assim vicejam, compartilhando o orvalho da grande árvore ou a umidade do rio. O mesmo acontece com o relacionamento entre o senhor e seu lorde. Para dar outro exemplo, o rei Ajatashatru7 era inimigo do Buda. Mas como Jivaka,8 ministro da corte do rei, acreditava no Buda e fazia contínuos oferecimentos a ele, consta que os benefícios decorrentes de suas ações retornaram para Ajatashatru (WND, v. 1, p. 848).

O sábio sente gratidão por seus benfeitores

Seguindo os passos do pai como samurai, Shijo Kingo servia à família Ema, que era ligada a um dos regentes Hojo do governo militar de Kamakura. Tanto pai como filho haviam demonstrado fidelidade máxima à família Ema em tempos de perigo.9 Portanto, o lorde Ema confiava em Shijo Kingo, que atraiu a antipatia dele após tentar convertê-lo aos ensinos de Nitiren Daishonin.

Sofrendo hostilidades injustificadas e sub­metido a uma ação disciplinar, incluindo a transferência para outra propriedade numa província remota, parece que Shijo Kingo chegou a considerar uma ação judicial contra o lorde Ema. Daishonin pede a ele, em outra carta datada do mesmo período, que contenha-se: “Como vassalos, o senhor, seus pais e seus parentes possuem uma obrigação moral com seu lorde” (WND, v. 1, p. 794); e “Mesmo que ele nunca lhe demonstre a mínima consideração, o senhor não deve guardar rancor” (WND, v. 1, p. 794). A ingratidão está entre os piores tipos de conduta humana, uma vez que implica em mau carma.

Daishonin diz a Shijo Kingo que, em vez de ficar ressentido com seu lorde, que o pressionava diretamente, ele deve se concentrar em combater o verdadeiro adversário. Ou seja, as funções dos três obstáculos e das quatro maldades10 manifestadas nas ações do lorde Ema. O culpado, aponta ele, é Ryokan cujas tramoias abomináveis eram responsáveis pela perseguição aos discípulos de Daishonin e pelas falsas suposições do lorde Ema. Nitiren Daishonin declara que Ryokan é o “falso sábio arrogante” — um dos três poderosos inimigos11 do Budismo. É uma advertência para reconhecer a verdadeira natureza dessas forças negativas e obstrutivas.

Seguindo essa orientação de Daishonin, Shijo Kingo agiu com sinceridade e sabedoria em sua vida diária e no relacionamento com outras pessoas. Como resultado, o lorde Ema, quando ficou doente, foi se tratar com Shijo Kingo, que era reconhecido como um “médico excelente” (WND, v. 1, p. 955).

Ao ficar sabendo que o lorde Ema estava doente, Nitiren Daishonin escreve: “Lamento a doença de seu lorde” (WND, v. 1, p. 848). Ele estava profundamente preocupado com a doen­ça do lorde Ema, mesmo que, aparentemente, este fosse a pessoa a causar sofrimento a Shijo Kingo, sincero praticante do Sutra de Lótus. Quando se trata da verdade ou de erro em termos da Lei ou do ensino, o Budismo Nitiren mantém uma atitude rigorosa. Mas, quando se trata do sofrimento das pessoas, o Budismo tem o espírito de tolerância e compaixão. Esta era a disposição de Nitiren Daishonin: ajudar as pessoas que sofrem, mesmo que tenham caluniado a Lei. Pensando no infortúnio delas, exclamou: “Como é trágico, que lamentável!” (Cf. WND, v. 1, p. 578) Sentia-se “indignado” (Idem, p. 7) com o sofrimento humano. A essência do Budismo está no sincero desejo pela felicidade de cada pessoa.

Meu mestre, Jossei Toda, segundo presidente da Soka Gakkai, compartilhava o mesmo espírito de Nitiren Daishonin. Quando alguém abandonava a fé, ele sentia profunda tristeza. “Como isso é trágico!”, exclamou certa vez. “Dói, como se uma broca perfurasse meu coração!”

A Soka Gakkai tem um desenvolvimento brilhante e sem precedentes, pois herdou o nobre espírito de estar entre as pessoas e agir visando à felicidade de todos.

Neste escrito, Nitiren Daishonin destaca que o lorde Ema, embora não fosse praticante do Sutra de Lótus, tornou possível a Shijo Kingo fazer oferecimentos ao Sutra. Por essa razão, diz ele, o mérito e a boa sorte adquiridos por Shijo Kingo também se estenderiam ao lorde Ema. Ele cita o exemplo de uma pequena árvore debaixo de uma grande ou da grama que fica às margens de um grande rio. Embora não recebam nem a chuva nem a água do rio diretamente, ainda assim compartilharão a umidade natural na forma de orvalho e se desenvolverão. Ele também observa que, na época de Sakyamuni, havia um rei chamado Ajatashatru que era um grande inimigo do Budismo. Mas esse governante foi protegido, pois seu médico, Jivaka, era um devotado discípulo do Buda.

Na família, quando há uma pessoa que irradia o brilho da Lei Mística, todos os seus membros, incluindo aqueles que não praticam o Budismo Nitiren, serão protegidos. Um indivíduo pode igualmente iluminar seu local de trabalho e sua comunidade. O benefício da Lei Mística é vasto e imensurável. Do ponto de vista da prática budista, o importante é que nós mesmos, independentemente do que os outros façam, nos tornemos a grande árvore ou o grande rio desta analogia.

Trecho do Gosho

O Budismo ensina [a importante doutrina] que, quando a natureza de Buda se manifesta no interior, surge a proteção exterior. Este é um de seus princípios fundamentais. O Sutra de Lótus diz: “Eu tenho profunda reverência por você” (LS, v. 20, p. 266). O Sutra do Nirvana declara: “Todos os seres vivos possuem igualmente a natureza de Buda”. “O Despertar da Fé no Mahayana”, do Bodhisattva Ashvaghosha,12 afirma: “Como a Lei verdadeira e definitiva permeia invariavelmente a vida da pessoa e exerce sua influência, as ilusões se extinguem instantaneamente e o corpo do Dharma se manifesta”. “O Tratado sobre os Estágios de Prática de Ioga”, do Bodhisattva Maitreya,13 contém uma declaração semelhante. O que está oculto se transforma em virtude manifesta (WND, v. 1, p. 848).

Quando a “natureza de Buda se manifesta no interior, surge a proteção exterior”

Aqui, Nitiren Daishonin explica um dos princípios-chave do Budismo: quando a “natureza de Buda se manifesta no interior, surge a proteção exterior”. Em outras palavras, quando ativamos a natureza de Buda dentro de nós, ela induz as funções protetoras da vida a trabalhar externamente.

A verdade é: possuímos a natureza de Buda. Cabe a nós despertar (orar) para essa verdade e fazê-la manifestar (agir). Quando praticamos o Budismo Nitiren, a Lei Mística passa a “permear nossa vida e a exercer sua influência” (Cf. WND, v. 1, p. 848) — ou seja, a natureza de Buda, uma vez revelada, permeia nossa vida da mesma forma que a queima de incenso impregna nossas roupas com sua fragrância. Nossa natureza de Buda emerge como uma fragrância sendo transportada pela brisa. Para receber proteção das divindades celestiais ou das forças positivas do Universo, o primeiro passo é iniciar a transformação interior.

Em “Como Aqueles que Inicialmente Aspiravam ao Caminho Conseguem Atingir o Estado de Buda por meio do Sutra de Lótus”, Nitiren Daishonin escreveu: “Quando reverenciamos o Myoho-rengue-kyo inerente em nossa vida como objeto de devoção, a natureza de Buda dentro de nós é convocada e se manifesta por meio da recitação do Nam-myoho-rengue-kyo. É isso o que significa ‘Buda’. Para ilustrar, quando um pássaro engaiolado canta, os pássaros que estão voando são convocados e se reúnem em volta dele. Quando isso acontece, aquele que está na gaiola se esforça para sair. Ao recitarmos a Lei Mística, nossa natureza de Buda, tendo sido convocada, invariavelmente surgirá. A natureza de Buda de Brahma e Shakra, tendo sido chamada, nos protegerá, e a natureza de Buda dos Budas e bodhisattvas, tendo sido convocada, se regozijará” (WND, v. 1, p. 887).

Recitar o Nam-myoho-rengue-kyo ao Gohonzon, o objeto de devoção no Budismo Nitiren, é, na verdade, o mesmo que convocar e louvar a natureza de Buda que é inerente à nossa vida e reside em tudo no Universo. Em resposta ao som de nossa oração, todas as divindades benevolentes do Universo entram em ação para nos proteger. Este princípio expressa de forma sucinta o caráter único do Budismo Nitiren, completamente diferente da fé que se fixa na esperança de salvação, dependendo de alguma energia externa.

O conceito de “a natureza de Buda se manifesta no interior” indica um poder existente e gerado dentro de nós. O Budismo é conhecido como o “caminho interior”. Portanto, não buscamos o estado de Buda, ou a vida do Buda, fora de nós, mas sim dentro. O estado da vida do Buda, caracterizado pelas quatro nobres virtudes de “eternidade, felicidade, verdadeiro eu e pureza”, encontra-se no interior do mortal comum que experimenta as ilusões dos desejos mundanos e os sofrimentos do nascimento e da morte. O Budismo Nitiren nos permite explorar e manifestar esse benefício na vida diária.

Em outras palavras, como todos nós possuímos a natureza de Buda, quando recitamos o Nam-myoho-rengue-kyo com a mente claramente focada, emerge a vida do Buda do nosso interior. Manifestar o estado de Buda faz surgir a proteção externa. Tudo isso depende de nosso foco ou de nossa determinação.

À luz do princípio da “natureza de Buda se manifesta no interior e surge a proteção exterior”, podemos mudar definitivamente qualquer situação ou ambiente ao transformarmos nossa mentalidade fundamental e revelarmos a natureza de Buda. Todo o medo desaparece no momento em que acreditamos: “Eu sou o único roteirista da minha vida”.

A seguir, Nitiren Daishonin afirma: “O que está oculto se transforma em virtude manifesta” (WND, v. 1, p. 848). A virtude invisível transforma-se em benefício visível. Praticar a Lei Mística é prosseguir no caminho da vitória; toda a virtude se manifestará sem falta de forma visível. Avançar com esta convicção profunda e inabalável abre o futuro de forma maravilhosa como nunca imaginado. Esta é a convicção, bem como a declaração, de Nitiren Daishonin, o Buda dos Últimos Dias da Lei.

De fato, os membros da SGI constroem essa confiante condição de vida. Eles são modelos de conduta humanística e respeitosa em relação aos outros. O espírito do Sutra de Lótus de respeitar e reverenciar todas as pessoas está profundamente arraigado no modo de vida dos membros da SGI, como se tivesse “permeado sua vida e a influenciado” (Cf. WND, v. 1, p. 848).

Quando vemos alguém em dificuldade, não podemos simplesmente virar as costas. Quando vemos alguém que está batalhando, devemos oferecer incentivo. Quando vemos alguém sofrendo, não podemos deixar de abraçá-lo. Ao acreditar no ilimitado potencial das pessoas, ativamente procuramos interagir com os outros de forma positiva e significativa. As ações dos membros da SGI são a personificação do respeito pelos outros.

Tal ação é a prova de que eles cultivaram profundamente o estado da vida dos budas e bodhisattvas. Não existe benefício maior que este. A perfumada brisa da ilimitada felicidade acaricia seu ser. Os membros da SGI são verdadeiramente os heróis do povo. Eles são nobres campeões da vida.

Trecho do Gosho

O demônio celestial [ou seja, o Rei Demônio do Sexto Céu]14 sabia sobre isso [esse princípio] desde antes, e, portanto, possuiu seus colegas [os servidores do lorde Ema], levando-os a inventar essa mentira absurda [de que o senhor perturbou o Debate de Kuwagayatsu] a fim de impedirem-no de fazer oferecimentos ao Sutra de Lótus. Contudo, uma vez que sua fé é profunda, as dez filhas-demônio15 devem ter vindo em seu auxílio e causado a doença de seu lorde. Ele [lorde Ema] não o considera seu inimigo, mas, desde que agiu contra o senhor, dando crédito às falsas acusações de seus colegas, acabou ficando gravemente doen­te, e a doença persiste (WND, v. 1, p. 848).

Jamais sejam derrotados por mentiras e difamações

As forças malignas sempre inventam mentiras. Nessa passagem, Nitiren Daishonin indica que os demônios sempre recorrerão a mentiras e falsas acusações para desacreditar as pessoas.

O escritor chinês Lu Xun (1881-1936) fez esta sutil observação: “Há também uma arma que mata sem derramar nenhum sangue — os boatos”.16 A característica essencial das funções malignas é espalhar mentiras grosseiras.

Nitiren Daishonin diz que a Perseguição de Tatsunokuti,17 que culminou com ele quase decapitado, foi ocasionada por “calúnias sem fim” (WND, v. 1, p. 728). Difamar significa distorcer os fatos para caluniar outra pessoa. As funções malignas constantemente empregam esses meios para persuadir os poderosos a derrubar as pessoas íntegras e justas. Este é o trabalho traiçoei­ro e manipulador do Rei Demônio do Sexto Céu. Aqueles que se enquadram na categoria de “falsos sábios arrogantes” — o mais temível dos três poderosos inimigos — empregam falsas acusações e desinformação para incitar as autoridades a perseguir o devoto do Sutra de Lótus. Em contraste com aqueles que são qualificados como “leigos arrogantes” ou “monges arrogantes” — os outros dois poderosos inimigos —, os “falsos sábios arrogantes” nunca aparecem abertamente; eles não atacam diretamente. Esta é a verdadeira natureza do Rei Demônio do Sexto Céu.

Com base nesse princípio, Nitiren Daishonin afirma que essas funções malignas estavam por trás da situação que Shijo Kingo enfrentava naquele momento. Em suma, ele está dizendo que o Rei Demônio influenciou pessoas ligadas à família Ema, levando-as a inventar mentiras para Shijo Kingo ser duramente criticado.

Silenciosa e imperceptivelmente, as funções malignas causam estragos e destruição no coração das pessoas. Ter sabedoria para discernir a verdadeira natureza dessas funções faz sua força ser reduzida pela metade. No fim, a coragem — que equivale ao poder da fé — derrota as funções malignas.

Com base no princípio da “natureza de Buda se manifesta no interior e surge proteção exterior”, Daishonin explica que, como Shijo Kingo manifestou sua natureza de Buda inerente — ou seja, demonstrou ter forte fé —, as dez filhas-demônio entraram em ação e o resultado foi a doença do lorde Ema. Na verdade, conforme já mencionei, esse acontecimento deu a Shijo Kingo a oportunidade de superar a situação dolorosa em que se encontrava.

A maneira como as Funções Protetoras do Universo se manifestam difere muito, dependendo de circunstâncias particulares. De acordo com Nitiren Daishonin, no caso de Shijo Kingo, a proteção apareceu na forma da doença do lorde Ema, porque ele se deixou enganar pelas forças malignas. Porém, como esse evento fez o lorde retomar a confiança em Shijo Kingo, ele também, em conformidade com o princípio mencionado anteriormente, compartilhou o benefício do Sutra de Lótus. Isso é exatamente o resultado da boa sorte do lorde Ema.

Na passagem seguinte, Daishonin esclarece como aqueles que instigaram diretamente essas funções malignas contra os outros receberiam a inconfundível punição em sua existência presente.

Trecho do Gosho

[O monge] Ryuzo-bo,18 com quem essas pessoas contam como seu pilar de força, já foi derrubado, e aqueles que falaram mal do senhor contraíram a mesma doença que seu lorde. Como Ryokan [patrono de Ryuzo-bo] é culpado de uma ofensa muito pior, é provável que ele sofra ou cause um grave acidente. Certamente, ele não escapará ileso (WND, v. 1, p. 848).

A vitória comprova a justiça

Os malfeitores nunca prosperam — o bem sempre vencerá o mal de acordo com as inexoráveis funções causais da Lei Mística.

Ryuzo-bo era venerado por muitos daqueles que eram hostis a Shijo Kingo. Em razão da epidemia, ele ficou doente, assim como diversos outros samurais que caluniaram Shijo Kingo. Daishonin diz que Ryokan, envolvido em tramoias desprezíveis e malignas, era “culpado de uma ofensa muito pior (...). Certamente, ele não escapará ileso” (Cf. WND, v. 1, p. 848).

Se Nitiren Daishonin não tivesse aparecido, Ryokan continuaria a ser reverenciado pelas pessoas como um “Buda vivo” e sua repulsiva e verdadeira natureza ficaria oculta. Humilhado por perder para Daishonin durante o desafio de oração por chuva, Ryokan astuciosamente se envolveu ainda mais com várias personalidades influentes e conspirou para Daishonin ser perseguido.

Mesmo após Daishonin ter se mudado para o Monte Minobu, sem dúvida o fútil e egoísta Ryokan sentia o constante medo de as pessoas descobrirem que ele era uma fraude, aterrorizado com a nobre e digna força do Buda. Independentemente da demonstração de ameaça que ele pudesse ter assumido, com certeza tremia por dentro. Quanto mais permitia que sua vida fosse governada por impulsos negativos, mais consciente ficava da própria miséria.

O escritor e poeta francês Charles Péguy (1873-1914) declarou: “O triunfo dos demagogos é passageiro, mas a ruína é eterna”.19 As pessoas que fomentam mentiras vivem uma existência de arrependimento eterno e de derrota espiritual.

Nessa mesma época, além do triunfo de Shijo Kingo, os irmãos Ikegami — dois outros importantes discípulos de Daishonin que haviam sido perseguidos por causa da fé no Budismo — também foram vitoriosos. Para Ryokan, que tinha a intenção de estimular intrigas com o propósito de oprimir os discípulos de Daishonin, com certeza esse fato foi uma grande reviravolta. As maldosas intrigas de Ryokan acabaram em fracasso total — os discípulos de Daishonin deram forte golpe para desmoralizar o poder.

“Embora os males possam ser numerosos, eles não conseguem prevalecer sobre uma grande e única verdade [ou bem]” (WND, v. 1, p. 618). Tudo se resume a uma grande verdade ou bem. Quando mestre e discípulo se unem, as funções malignas são definitivamente derrotadas. Quando essa vitória é garantida, uma nova página se abre.

Não é exagero dizer que o drama vivido por Shijo Kingo é um testemunho brilhante de sua vitória graças ao comportamento honesto como ser humano — em outras palavras, as forças do Buda vencem todas as forças malignas.

A época atual clama pelo humanismo. Sem dúvida, a ação humanística será cada vez mais importante no futuro. Toda Sensei disse certa vez: “Vocês podem falar o que quiserem sobre a sinceridade e a integridade, mas, a menos que suas ações correspondam às suas palavras, será tudo em vão”. O que importa são nossas ações. O mundo agora espera ansiosamente pelo comportamento humanístico que os membros da SGI exemplificam.

O palco para nossas ações se abre cada vez mais diante de nós enquanto avançamos na direção da era das pessoas, das mulheres, dos jovens, das crianças, da paz, da cultura, da educação, da humanidade e da vida. O século 21 está apenas começando. Chegou o momento em que a luz radiante de nossa humanidade, nosso comportamento humanista, irradiará um brilho cada vez maior.

(Daibyakurengue, edição de outubro de 2009.)


======

[4] “Os Três Tipos de Tesouro” - Parte 2

Aprendendo com os escritos de Nitiren Daishonin: os ensinos para a vitória

Terceira Civilização, Edição 519, 12/11/2011 / Estudo

“Valorizando cada pessoa”

O espírito condutor de nossas ações como genuínos praticantes do Budismo Nitiren


Da forma como as coisas estão agora, sinto que o senhor está em perigo. É certeza que seus inimigos cometerão atentado contra a sua vida. No gamão, se duas pedras da mesma cor são colocadas lado a lado, elas não podem ser atingidas por uma pedra adversária. A carroça, enquanto tiver duas rodas, não se desequilibra pelo caminho. Da mesma maneira, se dois homens caminham juntos, um inimigo hesitará em atacá-los. Portanto, não importa que falhas perceba em seus irmãos mais novos, não permita que eles o deixem sozinho nem por um momento.

Seu rosto apresenta sinais claros de um temperamento esquentado. Mas o senhor deve saber que os deuses celestiais não protegerão uma pessoa que se irrita facilmente, por mais importante que ela pense que seja. Mesmo que atinja o estado de Buda, se o senhor for morto, seus inimigos ficariam contentes, mas nós sentiríamos apenas sofrimento. Isso seria de fato lamentável. Enquanto seus inimigos conspiram contra o senhor, a confiança do seu lorde no senhor é ainda maior. Portanto, embora eles estejam aparentemente calmos, não há dúvida de que o coração deles queima de ódio. (...)

Provavelmente, o senhor está bem ciente disso. Porém, deixe-me citar a previsão do Buda sobre como serão os Últimos Dias: “Será uma época turva em que até os sábios terão dificuldades para viver. Eles serão como pedras num grande incêndio, que durante certo tempo parecem suportar o calor, mas acabam carbonizadas e se desintegram, tornando-se cinzas”. (...) “Assim diz o ditado: ‘Não permaneça no assento de honra por muito tempo’.”

Muitas pessoas tentaram incriminá-lo com falsas acusações. No entanto, o senhor escapou das intrigas e saiu vitorioso. Se perder a compostura agora e cair na armadilha delas, o senhor será como um barqueiro que rema com toda a força e no fim desembarca antes de atingir a margem, ou como uma pessoa a quem ninguém serve chá quente no final da refeição. (...)

Já que o senhor se irrita facilmente por natureza, talvez não aceite meu conselho. Nesse caso, estará além do poder de minhas orações salvá-lo.

Ryuzo-bo e seu irmão mais velho conspiraram contra o senhor. Entretanto, os deuses celestiais encontraram meios para que a situação se desenvolvesse exatamente como o senhor desejou. Então, como é que o senhor se atreveria a ir contra a vontade dos deuses celestiais? (...) Apresse-se em falar com esses quatro homens e mantenha Nitiren informado. Eu realizarei fervorosas orações aos deuses celestiais pedindo por sua proteção (WND, v. 1, p. 848-850).

EXPLANAÇÃO

Num diálogo com jovens da China, perguntaram-me qual é a chave do desenvolvimento da Soka Gakkai. Respondi sem hesitar: “Valorizamos cada um de nossos membros”. Esta é minha convicção e inabalável filosofia.

Valorizar cada pessoa — esta é verdadeiramente a base do Budismo Nitiren. Como diz o ditado: “Uma pessoa é a mãe de dez mil” (WND, v. 1, p. 131). A iluminação de uma pessoa abre o caminho para todas as demais atingirem a iluminação. O Buda Nitiren Daishonin declarou: “Quando a filha do Rei Dragão1 atingiu o estado de Buda, abriu o caminho para que todas as mulheres dos Últimos Dias alcançassem também o estado de Buda” (WND, v. 1, p. 269). Este é “um exemplo que serve para todos”2 (WND, v. 1, p. 269).

Cada membro da Soka Gakkai incorpora toda a Organização. Portanto, incentivar sinceramente o membro que está à sua frente revigora a Organização inteira. Enquanto o diálogo aberto e direto for estimulado, nossa organização prosperará. Esse tipo de diálogo dá confiança aos perdidos e confusos; esperança aos sobrecarregados de preocupações; coragem aos desesperados; alegria aos tristes; sabedoria aos cheios de dificuldades; capacidade de perseverança aos que enfrentam reveses; paz de espírito aos tomados pelo medo; e convicção aos paralisados pela incerteza. Esse diálogo é um fluxo constante de incentivos; uma poderosa fonte de revitalização criadora de vínculos de comprometimento e união por uma causa comum. Por meio desses esforços de dialogar aberta e diretamente com cada pessoa, conquistamos a felicidade para nós e para os outros.

Meu mestre, Jossei Toda, segundo presidente da Soka Gakkai, era virtuoso na arte de dar orientação pessoal e encorajamento na fé. Nos primeiros anos do pós-guerra, a Sede da Soka Gakkai possuía uma filial num prédio localizado na área de Itigaya, em Tóquio. No segundo andar, havia uma pequena sala de espera com cerca de quinze metros quadrados que estava sempre lotada de membros que desejavam receber orientação do Toda Sensei. Aquelas pessoas batalhavam em meio a todos os tipos de preocupações — dificuldades financeiras, doença, discórdia familiar e muitos outros problemas graves e sérios que são indescritíveis. Mas Toda Sensei tranquilizava as pessoas que sofriam, cumprimentando-as cordialmente e perguntando: “Qual é o problema?” Então, como se as comportas tivessem sido abertas, elas despejavam seus problemas em cima dele.

Toda Sensei sempre incentivava: “Vai dar tudo certo! Sem dúvida, você será feliz e vitorioso por praticar o Budismo Nitiren”. Ele sempre citava o Gosho ao incentivar as pes­soas e era cuidadoso ao explicar: “É isso o que Daishonin ensina. Não são palavras minhas”. Todos que iam até lá vê-lo sentiam-se completamente revitalizados por sua orientação. Confiantes, retornavam com o espírito leve, inspirados por uma nova e significativa razão de viver. Enquanto lutavam com seus desafios cármicos, aquelas pessoas aplicavam a orientação do Toda Sensei de se tornarem “emissárias da felicidade” em suas localidades, apoiando e incentivando os companheiros e treinando muitas pessoas capazes para o Kossen-rufu.

Nossa aliança de pessoas dedicadas à causa do bem — com um aumento de uma pessoa para duas, três, dez, cem, mil, dez mil e assim por diante — propagou-se firmemente e abrangeu todo o Japão. Agora, o país está verdadeiramente coroado de “flores humanas”3 (LS, v. 5, p. 105), repletas de felicidade. E se difundiu ainda mais pelo mundo inteiro, dando origem à magnífica rede global da SGI que temos hoje.

É evidente nos escritos do Buda Nitiren Daishonin que ele sempre baseou sua orientação e seu encorajamento numa profunda compreensão do caráter e da situação específica da pessoa a quem se dirigia. Isso fica particularmente nítido em “Os Três Tipos de Tesouro”. Nesta carta, sua preocupação e seus conselhos precisos são cheios de benevolência por seu discípulo Shijo Kingo, que enfrentava o maior desafio de sua vida.

Este escrito transmite a impressão de que Daishonin fala com Shijo Kingo pessoalmente, como se estivessem frente a frente. Por isso, na carta, Daishonin avalia as reações do seu discípulo aos seus conselhos. Em alguns trechos, o Buda descreve em detalhes como Shijo Kingo deve agir. Em outros, ele identifica os pontos principais nos quais seu discípulo terá de se concentrar para realizar a revolução humana. Ele ainda elogia os esforços abnegados e incansáveis de Shijo Kingo em prol da Lei. Sem dúvida, quando Daishonin redigiu esta carta, vários aspectos de seu discípulo lhe vinham à mente.

Dar orientação pessoal é uma interação séria, total e de vida a vida, movida pela benevolência e pela convicção. É uma luta para apreender as emoções que mudam de momento a momento no coração da outra pessoa para vencer a ignorância ou a escuridão que encobre a vida dela. Vemos, nessa interação, como a expressão da pessoa muda gradativamente. Por exemplo: transmite concordância; parece introspectiva, com atitude mais positiva e otimista, com sensação de alívio; e, por fim, brilha com renovada determinação. A orientação pessoal é uma batalha para acender a coragem e esperança na vida da outra pessoa, criando a força capaz de superar o destino negativo dela. Ao mesmo tempo, é compartilhar sabedoria e conselhos embasados nos ensinos do Budismo com o propósito de derrotar as funções malignas ou os obstáculos que elas enfrentam.

Para nós, o escrito “Os Três Tipos de Tesouro” — grande fonte de encorajamento para Shijo Kingo, que o ajuda a abrir o caminho para a vitória — é uma referência instrutiva para dar orientações sobre a fé.

***

Da forma como as coisas estão agora, sinto que o senhor está em perigo. É certeza que seus inimigos cometerão atentado contra a sua vida. No gamão, se duas pedras da mesma cor são colocadas lado a lado, elas não podem ser atingidas por uma pedra adversária. A carroça, enquanto tiver duas rodas, não se desequilibra pelo caminho. Da mesma maneira, se dois homens caminham juntos, um inimigo hesitará em atacá-los. Portanto, não importa que falhas perceba em seus irmãos mais novos, não permita que eles o deixem sozinho nem por um momento (WND, v. 1, p. 848).

***

Os líderes precisam ser infinitamente atenciosos

No início desta carta, referindo-se ao princípio de “a natureza de Buda se manifesta no interior, surge a proteção exterior”, Nitiren Daishonin expressa grande alegria, pois a firme fé de Shijo Kingo produziu grande avanço em direção a uma solução positiva. Ter uma atitude proativa e orientada para o futuro é fundamental para garantir um bom resultado. A negligência é o maior de todos os inimigos. Dessa passagem em diante, Daishonin passa a aconselhar Shijo Kingo sobre os diversos aspectos, empregando palavras de advertência.

Na prática da fé, os líderes precisam ser cuidadosos. Líderes que se exibem como se fossem pessoas importantes, enquanto não dão atenção aos diversos aspectos, são totalmente carentes de benevolência e preocupação pelos outros.

Em outra carta a Shijo Kingo, Daishonin diz: “O inimigo tentará fazer o senhor esquecer o perigo para que ele possa atacá-lo” (WND, v. 1, p. 952). Quando somos seduzidos pela presunção e baixamos a guarda, as funções malignas tirarão vantagem disso. Por essa razão, uma recomendação para sermos cuidadosos cria a sabedoria para derrotar as funções malignas; e também evita que acidentes aconteçam. Permanecer em silêncio é uma atitude irresponsável. Prevenir, fazer lembretes para as pessoas no final de uma reunião para que tenham cuidado ao descer as escadas ou dirijam para casa em segurança são exemplos de nossa voz fazendo o trabalho benevolente do Buda. Este é um exemplo de comportamento humanístico incorporando os princípios do Budismo Nitiren.

Ao dizer: “Da forma como as coisas estão agora” (WND, v. 1, p. 848), Daishonin muda o foco para o curso de ação de Shijo Kingo daquele momento em diante. Em primeiro lugar, ele expressa preocupação, pois a vida de seu discípulo ainda corre perigo. Naturalmente, o próprio Shijo Kingo estava ciente de que alguns grupos agiam para eliminá-lo. Mas ele pode ter pensado: “Eu ficarei muito bem porque estou praticando o budismo”. Aqui, a intenção de Daishonin era impedir que Shijo Kingo fosse negligente.

Em seguida, o Buda cita dois exemplos — o primeiro de um jogo de tabuleiro popular da época e o segundo sobre uma carroça: “No gamão, se duas pedras da mesma cor são colocadas lado a lado, elas não podem ser atingidas por uma pedra adversária. A carroça, enquanto tiver duas rodas, não se desequilibra pelo caminho” (WND, v. 1, p. 849). Ele deseja conscientizar Shijo Kingo sobre a importância de fazer amigos e de ter aliados para superar a crise atual. Especificamente, Nitiren Daishonin o instrui a cultivar relações cordiais com seus irmãos mais novos, mesmo que tenham cometido erros no passado e tenham várias falhas. O Buda ressalta ainda que, se Shijo Kingo sempre estiver acompanhado dos irmãos, seus inimigos evitarão atacá-lo.

O motivo da rigorosidade de Daishonin para que seu discípulo não viajasse sozinho foi porque a situação ainda era tensa e ele poderia cair numa emboscada a qualquer momento. Shijo Kingo havia superado um obstáculo difícil, recuperando a confiança de seu lorde, e isso o colocou numa situação mais crucial, pois aumentou a inveja e o ciúmes dos seus inimigos.

Quando leio essa passagem, fico profundamente impressionado com a imensa benevolência de Daishonin, que se preocupa, sobretudo, com a segurança e o bem-estar de seus discípulos.

***

Seu rosto apresenta sinais claros de um temperamento esquentado. Mas o senhor deve saber que os deuses celestiais não protegerão uma pessoa que se irrita facilmente, por mais importante que ela pense que seja. Mesmo que atinja o estado de Buda, se o senhor for morto, seus inimigos ficariam contentes, mas nós sentiríamos apenas sofrimento. Isso seria de fato lamentável (WND, v. 1, p 849).

***

A fé é uma batalha com nossa escuridão interior ou ignorância

“Seu rosto apresenta sinais claros de um temperamento esquentado” (WND, v. 1, p. 849), diz Daishonin. Não há como saber se Shijo Kingo tinha o aspecto de uma pessoa mal-humorada o tempo todo, ou se as tribulações que ele enfrentava fizeram sua expressão ficar triste e tensa durante esse período.

Em todo caso, a descrição de Daishonin captou um aspecto fundamental da personalidade de seu discípulo. Shijo Kingo era obstinado e agia de forma apaixonada no que dizia respeito ao certo e ao errado. Mas isso podia, às vezes, ser uma desvantagem para ele. Daishonin lhe diz de forma direta: “Os deuses celestiais não protegerão uma pessoa que se irrita facilmente” (WND, v. 1, p. 849).

Quando se trata de alcançar o estado de Buda, não há discriminação com base na personalidade. A personalidade da pessoa pode brilhar intensamente quando iluminada pela Lei Mística. E é por meio do pleno emprego da personalidade única de cada pessoa que nosso movimento em prol do Kossen-rufu alcançará um desenvolvimento perfeito e harmonioso.

No entanto, podemos supor que Daishonin tenha propositalmente adotado um tom severo a fim de dissipar a ignorância ou a escuridão inata de Shijo Kingo. A ignorância dá origem a impulsos obscuros e alimenta as tendências negativas. Todos têm um aspecto fundamental da personalidade que necessitam transformar para realizar a revolução humana. O importante é enfrentarmos esse aspecto fundamental da personalidade e nos esforçarmos para conquistar um desenvolvimento positivo. Por desafiarmos continuamente a nós mesmos e nos empenharmos para avançar, conseguimos nos desenvolver na prática da fé e expandir nosso estado da vida.

Às vezes, o mestre orienta rigorosamente o discípulo com o desejo de que manifeste seu enorme potencial. O mestre genuíno valoriza e cuida do discípulo. Muitas vezes, sua rigorosidade tem o propósito de romper as tendências negativas ou as funções malignas que atuam na vida de um discípulo.

No caso de Shijo Kingo, houve um perigo real de que seu temperamento esquentado pudesse triunfar sobre ele e agravar a situação. As pessoas se esquecem de ser cautelosas ou de considerar os sentimentos dos outros, quando são levadas por suas opi­niões sobre o que é certo e errado. Isso causa atritos e ressentimentos. Daishonin estava preocupado porque, se isso acontecesse com Shijo Kingo, as forças malignas se aproveitariam. Daí a razão para suas palavras sem rodeios.

Nitiren Daishonin salienta que, se Shijo Kingo se antagonizasse aos outros e perdesse a vida por causa disso, seus inimigos se alegrariam; ao passo que seus companheiros, praticantes da Lei Mística, ficariam muito tristes. Aqui, Daishonin ensina a seu discípulo que sua vitória não se resume apenas a ele, mas está profundamente ligada à vitória de toda a comunidade de discípulos do Buda. Por isso, ele o aconselha a agir com o máximo de cuidado e a tomar precauções para a própria segurança.

***

Enquanto seus inimigos conspiram contra o senhor, a confiança do seu lorde no senhor é ainda maior. Portanto, embora eles estejam aparentemente calmos, não há dúvida de que o coração deles queima de ódio. (...) (WND, v. 1, p. 849)

***

Uma época maligna dominada pela inveja

A seguir, Nitiren Daishonin volta sua atenção às pessoas do convívio de Shijo Kingo e à forma como elas se sentem com relação aos acontecimentos. Shijo Kingo havia conquistado a confiança do Lorde Ema mais do que antes. Isso era intolerável para quem ansiava causar a queda de Shijo Kingo. Daishonin afirma que essas pessoas hostis pareciam imperturbáveis, mas elas queimavam de ódio por dentro.

Daishonin compreendia as sutilezas da situação de Shijo Kingo. Ele reconhecia a assustadora tendência humana de caluniar os outros e destruí-los por causa da inveja, da rivalidade e do ressentimento. Essa tendência é ainda mais evidente nos Últimos Dias da Lei, uma época maligna, cheia de conflitos em que as pessoas são influenciadas pela ganância, ira, estupidez, arrogância e dúvida.4

O próprio Nitiren Daishonin venceu os três poderosos inimigos — ou seja, os “falsos sábios arrogantes”, representados por sacerdotes corruptos e invejosos escravos das funções malignas, junto com os “sacerdotes arrogantes” e os “leigos arrogantes”.

Não há nada mais terrível do que uma vida consumida pela inveja. A inveja masculina ou a rivalidade é especialmente assustadora. Toda Sensei costumava dizer: “A inveja masculina é escura como breu”. Em termos de estado de espírito, a inveja é uma manifestação de medo e de insegurança, é uma projeção da própria fraqueza.

Há algumas palavras do pensador japonês Kiyoshi Miki (1897-1945) que trago comigo desde a juventude. Ele disse: “A inveja é sempre traiçoeira. (...) Em vez de estimular as pessoas a se elevar ao mesmo nível do invejado, ela geralmente faz o invejoso rebaixar suas vítimas ao mesmo nível em que se encontra”.5 Ele também observou: “A inveja vem da insegurança”.6

Uma vez que a inveja está no cerne das tentativas para obstruir o progresso da comunidade de praticantes que mantém corretamente os ensinos do Buda, não há nada a temer. O importante é termos coragem, aliada à sabedoria e a um comportamento consciente. Nosso comportamento como seres humanos, assim como ensinado no Budismo, é a chave da vitória.

Nitiren Daishonin continua a advertir Shijo Kingo detalhadamente: “[Por isso] em circunstâncias normais, comporte-se moderadamente na presença deles [os indivíduos invejosos que estão tramando contra o senhor]. Aja com respeito ainda maior do que o senhor demonstrava no passado para os [membros e] outros empregados do clã [de Ema]. Por enquanto, evite dirigir-se ao Lorde, mesmo que ele o chame, quando os filhos do clã Hojo visitarem-no. (...)

“Se os filhos do clã Hojo ou as esposas daqueles que estão no comando perguntarem sobre a doença de seu lorde, não importa quem seja a pessoa, ajoelhe-se, mantenha as mãos numa posição apropriada e responda: ‘A doença dele está totalmente além de minha modesta habilidade de cura. Mas, não importando quantas vezes eu tenha recusado, ele insiste para que eu o trate. Como estou a serviço dele, não posso deixar de fazer conforme ele diz’. Deixe os cabelos despenteados e não vista os trajes bem engomados da corte nem brilhantes robes acolchoados e tampouco outras roupas coloridas. Seja paciente e continue agindo dessa forma, por enquanto” (WND, v. 1, p. 849).

A orientação de Daishonin é tão detalhada porque ele estava familiarizado com as tendências que poderiam fazer Shijo Kingo cometer um deslize — tendências que o próprio Shijo Kingo também reconhecia —, bem como as falhas do discípulo que ele mesmo desconhecia.

O Budismo é um ensino que permite a cada um de nós viver com total liberdade. Isso nos dá o poder de agir naturalmente, com vigor e alegria. Mas, como as palavras “por enquanto” mostram, o Budismo também significa comportar-se com o máximo cuidado, prudência e sabedoria nos momentos cruciais. Nesses momentos, é vital manifestarmos a sabedoria mais adequada à situação e criarmos o maior valor possível. Portanto, na essência de nossa vida, devemos permanecer inabaláveis e, ao mesmo tempo, responder com flexibilidade a qualquer acontecimento. Esta é a sabedoria budista do Caminho do Meio.

***

Provavelmente, o senhor está bem ciente disso. Porém, deixe-me citar a previsão do Buda sobre como serão os Últimos Dias: “Será uma época turva em que até os sábios terão dificuldades para viver. Eles serão como pedras num grande incêndio, que durante certo tempo parecem suportar o calor, mas acabam carbonizadas e se desintegram, tornando-se cinzas”. (...) “Assim diz o ditado: ‘Não permaneça no assento de honra por muito tempo’.”

Muitas pessoas tentaram incriminá-lo com falsas acusações. No entanto, o senhor escapou das intrigas e saiu vitorioso. Se perder a compostura agora e cair na armadilha delas, o senhor será como um barqueiro que rema com toda a força e no fim desembarca antes de atingir a margem, ou como uma pessoa a quem ninguém serve chá quente no final da refeição. (...) (WND, v. 1, p. 849)

***

A pessoa sábia no Budismo triunfa em meio à dura realidade da vida

Nas cartas a Shijo Kingo, o Buda Nitiren Daishonin o encoraja a viver sabiamente, citando como exemplo a conduta de várias pessoas dignas ou sábias que viveram nos séculos passados. Quando temos uma meta ou um modelo a almejar, descobrimos nosso potencial e alcançamos um desenvolvimento positivo e rápido.

Neste escrito, Nitiren Daishonin observa que mesmo os sábios têm dificuldade de viver nos Últimos Dias da Lei e orienta Shijo Kingo a agir com um comprometimento profundo e inabalável. “Não permaneça no assento de honra por muito tempo” (WND, v. 1, p. 849), diz ele. Daishonin está advertindo Shijo Kingo a não se deixar envolver só porque seu lorde lhe pediu para tratar a doença dele.

Esforçando-se com seriedade de acordo com a orientação de Daishonin, Shijo Kingo superou a situação tensa com seu lorde, mostrando a prova real da vitória embasada na fé. No entanto, muitas vezes, as sementes da derrota futura são plantadas em épocas de vitória — assim como as sementes da vitória futura também podem ser semeadas nos momentos de derrota. Daishonin salienta que, se Shijo Kingo perdesse a compostura, ele cairia na armadilha de quem conspirava contra ele (Cf. WND, v. 1, p. 849). Se ele hostilizasse os outros e piorasse a situação ao perder as estribeiras, ficando nas mãos de seus inimigos, todos os esforços para alcançar um resultado positivo teriam sido em vão.

Nitiren Daishonin usa os exemplos de “um barqueiro que rema com toda a força e no fim desembarca antes de atingir a margem” e “uma pessoa a quem ninguém serve chá quente no final da refeição” (WND, v. 1, p. 849), para incentivar Shijo Kingo a viver com sabedoria. Essas palavras contêm uma lição fundamental sobre a importância de perseverar até o fim em nossa prática budista. Por meio de desafio e esforço incessantes, nossa vida atinge a suprema realização. Não devemos nos tornar negligentes nem afrouxar os esforços ao longo do caminho. Para alcançar um estado da vida imbuído das quatro nobres virtudes da eternidade, felicidade, verdadeiro eu e pureza7 pelas três existências do passado, presente e futuro, temos de avançar sempre com vigor, otimismo e alegria.

Nesse trecho, Daishonin continua aconselhando Shijo Kingo sobre diversas precauções de segurança. Seu desejo é o de que seu discípulo triunfe sobre as dificuldades e realize a prática budista sem se deixar afetar pelas alegrias e tristezas da vida, ou os “oito ventos”.8

Daishonin escreveu: “Enquanto estiver na residência de seu lorde, se permanecer no aposento atribuído ao senhor, nada acontecerá. Entretanto, no caminho para o trabalho ao alvorecer ou ao retornar para casa quando estiver escurecendo, é certo que seus inimigos estarão esperando pelo senhor. Além disso, tenha muito cuidado tanto dentro como ao redor de sua casa na iminência de alguém estar escondido atrás das portas, dentro do santuário familiar, sob o piso ou no espaço acima do teto.

“Agora, seus inimigos serão ainda mais astutos em suas tramoias do que antes. No fim, ninguém será mais confiável em caso de emergência do que os vigias noturnos de Egara, em Kamakura. Por mais desagradável que seja, o senhor deve se associar a eles de forma amigável” (WND, v. 1, p. 849–850).

Nitiren Daishonin enfatiza a necessidade de Shijo Kingo permanecer vigilante o tempo todo — no caminho ao trabalho e quando estiver em casa. Em sua orientação, Daishonin pensa em todos os lugares possíveis onde os assassinos poderiam se esconder, inclusive sob o piso ou no espaço acima do teto. Tendo resistido a inúmeras perseguições, Nitiren Daishonin também havia sofrido ataques, grandes e pequenos. Portanto, ele sabia quão importante era ser cuidadoso. Em última análise, o Budismo é um ensino para alcançar a vitória em meio à dura realidade da sociedade.

Em suas cartas, Daishonin sempre solicitava a Shijo Kingo que agisse com grande cautela. Ele escreveu: “Determine tomar todas as precauções possíveis. Aqueles que o odeiam ficarão cada vez mais atentos em encontrar uma oportunidade de causar-lhe mal” (WND, v. 1, p. 461); “Como eu disse antes, seja milhões de vezes mais cauteloso do que nunca” (WND, v. 1, p. 839); e “Seja mais cuidadoso do que de costume” (WND, v. 2, p. 731). Numa ocasião anterior, Shijo Kingo saiu ileso de uma emboscada armada por pessoas hostis. Sobre esse fato, Daishonin citou “a prudência habitual” de seu discípulo9 (WND, v. 1, p. 1000) como uma das razões de sua vitória.

Se Daishonin tivesse avisado a Shijo Kingo uma só vez para tomar cuidado, essa vitória poderia nunca ter sido conquistada. Além disso, caso Shijo Kingo não seguisse fielmente as orientações de Daishonin, é bem possível que ele tivesse perdido a vida nesse ataque.

Em seguida, Daishonin menciona os “vigias noturnos de Egara” (WND, v. 1, p. 849), a quem ele, adiante, também se refere como “os quatro vigias noturnos” (WND, v. 1, p. 850). Fora a descrição de seu trabalho, indicando que eles eram responsáveis pelas patrulhas de segurança durante a noite, não há nenhuma informação detalhada sobre esses indivíduos. Nitiren Daishonin diz que a casa deles havia sido confiscada pelo Lorde Ema, pois eles se recusaram a abandonar a fé no Budismo Nitiren (Cf. WND, v. 1, p. 850).10 Se Shijo Kingo tiver um bom relacionamento com esses vigias noturnos e eles visitarem sua casa, Daishonin afirma que isso impedirá os ataques dos inimigos, que não desejam ser vistos (cf. WND, v. 1, p. 850).11

Embora Shijo Kingo e os quatro vigias noturnos fossem discípulos de Daishonin, a relação entre eles estava bastante tensa. Daishonin persiste em aconselhar Shijo Kingo sobre esse ponto. Afortunado é o discípulo que tem um mestre tão preocupado e cuidadoso.

Neste escrito, Nitiren Daishonin incentiva Shijo Kingo a adotar uma atitude cordial com os quatro vigias noturnos. Ele diz: “Por mais desagradável que seja, o senhor deve se associar a eles de forma amigável” (WND, v. 1, p. 849--850). Em outros escritos, Daishonin também dá conselhos sobre como Shijo Kingo deve se comportar com seus companheiros praticantes ou seus irmãos. E escreve: “Mesmo que eles tenham falhas, se elas forem pequenas, simplesmente finja que o senhor não as nota” (WND, v. 2, p. 731), e “Deve relacionar-se bem com as pessoas que acreditam neste ensino. Não fique vendo, ouvindo nem apontando algo nelas que o deixe aborrecido” (WND, v. 1, p. 907).

Em vez de considerar essas palavras dirigidas somente a Shijo Kingo, devemos tomá-las como orientação eterna para todos os praticantes do Budismo Nitiren. Ter boas relações com todas as pessoas e estimar nossos companheiros são princípios que se aplicam à SGI. Quando estamos solidamente unidos, superamos os obstáculos e as forças negativas e damos grandes passos na direção do Kossen-rufu. As funções malignas constantemente buscam semear a divisão. Se os praticantes se envolvem em mesquinhas disputas internas, prejudicam uns aos outros, possibilitando que as forças malignas vençam. Conforme escreveu Daishonin: “Se deixarem de agir em harmonia, serão como a narceja [batuíra] e os mariscos que, por estarem concentrados em combater um ao outro, [ambos] tornaram-se presas do pescador” (WND, v. 2, p. 914).

Numa carta enviada a outro seguidor, Daishonin diz: “Todos os que têm fé no Sutra de Lótus são com toda certeza budas” (WND, v. 1, p. 756). Assim, ele indica que caluniar e falar mal dos companheiros praticantes é o mesmo que cometer a ofensa de difamar um Buda.

O papel dos líderes do Kossen-rufu é abraçar e apoiar a todos os membros calorosamente. Por isso, os líderes têm de cultivar um estado da vida amplo. É o que chamamos de uma revolução de liderança na SGI.

Nitiren Daishonin é o modelo desse tipo de líder humanista. Shijo Kingo ficou ainda mais perseverante ao ler a carta e recordar o nobre semblante de Daishonin.

***

Já que o senhor se irrita facilmente por natureza, talvez não aceite meu conselho. Nesse caso, estará além do poder de minhas orações salvá-lo.

Ryuzo-bo e seu irmão mais velho conspiraram contra o senhor. Entretanto, os deuses celestiais encontraram meios para que a situação se desenvolvesse exatamente como o senhor desejou. Então, como é que o senhor se atreveria a ir contra a vontade dos deuses celestiais? (...) Apresse-se em falar com esses quatro homens e mantenha Nitiren informado. Eu realizarei fervorosas orações aos deuses celestiais pedindo por sua proteção (WND, v. 1, p. 850).

***

O comportamento inspirado no respeito aos outros

Após sugerir várias opções de como agir, Nitiren Daishonin retorna ao tema anterior: “Mas já que o senhor se irrita facilmente por natureza, talvez não aceite meu conselho. Nesse caso, estará além do poder de minhas orações salvá-lo” (WND, v. 1, p. 850). Em seus escritos, Daishonin afirma que, a menos que ele e seus discípulos estejam unidos em propósito e determinação, suas orações, seus objetivos e suas aspirações não serão realizados. Nenhum outro discípulo arriscou a vida para proteger Daishonin como Shijo Kingo. Porém, se ele perdesse a paciência e agisse por impulso, esquecendo-se do compromisso de proceder com o espírito de unicidade com seu mestre, novamente, ele seria dominado pela negatividade. Nesse caso, diz Daishonin, não importa com quão fervor ele ore por Shijo Kingo, não haverá sucesso.

A repetida advertência de Daishonin sobre o temperamento esquentado de Shijo Kingo instigou uma reflexão em seu discípulo para que se tornasse uma pessoa moderada. É interessante notar que Daishonin reitera isso logo após aconselhar seu discípulo a ter um bom relacionamento com os vigias noturnos. Isso significa que a base da prática budista reside na firme união de companheiros praticantes e no juramento comum de mestre e discípulo. Sem essa base o fluxo do Kossen-rufu teria chegado a um impasse.

Em seguida, tendo aconselhado Shijo Kingo a aliar-se com os vigias noturnos, Daishonin escreveu: “Apresse-se em falar com esses quatro homens e mantenha Nitiren informado. Então, eu realizarei fervorosas orações aos deuses celestiais pedindo por sua proteção” (WND, v. 1, p. 850). Este é um ponto essencial da orientação pessoal. O ato de orientar não se encerra assim que o incentivo foi dado. A pessoa que dá orientação deve continuar a orar com toda sinceridade pela felicidade da outra pessoa. Vemos que Daishonin sempre agiu exatamente assim.

A Soka Gakkai empenha-se em orientar de forma responsável. Se estamos dando orientação pessoal, é importante nos esforçarmos para transmitir encorajamento sincero e direcionamento claro para a outra pessoa. Ao mesmo tempo, ela deve saber que vamos lutar ao lado dela — como uma equipe. Devemos orar até a pessoa alcançar um resultado positivo ou inovador. Por avançar com esse espírito, a Soka Gakkai cresceu, tornando-se a grande organização que é hoje.

Shijo Kingo havia passado por muitos desafios: o desagrado de seu lorde; a difamação, os boatos e os ataques de seus companheiros de trabalho; a traição de seu irmão mais velho; o desacordo com seus irmãos mais novos; e as tensas relações com alguns praticantes. Nitiren Daishonin preocupava-se com todas essas situações e aconselhou Shijo Kingo pertinentemente sobre como resolver cada uma. Percebemos quão Daishonin se preocupava com Shijo Kingo, apoiando-o e orientando-o com um carinho que superava até mesmo a um membro da família.

Nitiren Daishonin estimava plenamente ca­da um de seus discípulos. Demonstrar atenta consideração para cada pessoa é a expressão do humanismo budista.

As escrituras budistas descrevem como o Buda Sakyamuni expôs a Lei de acordo com a capacidade das pessoas. Certa vez, ele encontrou uma mãe angustiada com o filho morto nos braços. Quando ela implorou a Sakyamuni que o curasse, o Buda disse: “Se a senhora for para a cidade e me trouxer um grão de mostarda, farei um remédio para seu filho. Mas a semente deve vir de uma casa onde ninguém tenha morrido”. À medida que a mãe andava de casa em casa, ela percebeu que todas as famílias tinham passado pela morte de um ente querido. Ao aceitar a impermanência da vida, a mãe tornou–se discípula de Sakyamuni.12

Em outra ocasião, Sakyamuni deparou-se com um membro da Ordem Budista chamado Surihandoku, que chorava desconsoladamente à beira da estrada. Após algumas indagações, ele descobriu que o jovem havia sido rejeitado pelos colegas monges porque não memorizou nem um único verso. Sakyamuni disse-lhe: “Você pensa que é ignorante. Você, Surihandoku, é, na verdade, o mais sábio de todos. Os mais ignorantes são aqueles que pensam que são muito inteligentes”. Assim, incentivado por Sakyamuni, Surihandoku passou a ser um mestre exemplar, amado e venerado por inúmeras pessoas.13

Essa tradição de humanismo budista — caracterizada por valorizar e demonstrar o máximo respeito pelas pessoas — pulsa na SGI. O primeiro e o segundo presidentes da Soka Gakkai, Tsunessaburo Makiguti e Jossei Toda, sempre estimaram e respeitaram cada pessoa.

Makiguti Sensei, apesar da idade avançada, viajou inúmeras vezes para destinos distantes, como Osaka e Shimonoseki (no extremo sudeste de Honshu, a ilha principal do Japão), e até Kyushu (ilha situada ao Sul). Para chegar a essas localidades, as viagens de trem eram longas e com inúmeras paradas e transferências. Além disso, havia intermináveis solavancos e empurrões nos assentos duros do trem. Makiguti Sensei partiu numa viagem dessas para atender apenas uma pessoa ou incentivar uma única família. Nas visitas, ele se reunia com os membros da família, ouvia as preocupações de cada um e explicava o princípio de que a fé equivale à vida diária de forma que todos entendiam.

Uma vez por semana, ele também realizava sessões de orientação pessoal aos membros na casa dele, localizada em Mejiro, Tóquio. De todo coração, ele incentivava poucas ou muitas dezenas de pessoas. Isso continuou até a sua prisão em Shimoda (na área sul da Península de Izu) sob a acusação de ter cometido crime de lesa-majestade e ter violado a Lei de Preservação da Paz. O promotor citava “dar orientação pessoal” como uma das acusações apresentadas contra ele. Nessa época, o clero se aliou ao governo totalitário, marchando e difamando a “orientação pessoal” — fonte de humanismo budista de prezar cada pessoa.

Como mencionei anteriormente, Toda Sen­­sei realizava sessões de orientação pessoal na antiga Sede da Soka Gakkai e prezava cada pessoa.

Sem dúvida, o humanismo será a tendência do século 21. Todos os principais pensadores que encontrei compartilhavam dessa visão.

As ligações positivas e encorajadoras entre as pessoas estão cada vez mais fracas na sociedade contemporânea. Além disso, chegamos a um momento decisivo: ou permitimos que as divisões entre nações, etnias, religiões e culturas aumentem cada vez mais, ou tomamos medidas para criar o entendimento e a cooperação mútuos. O mundo está em busca de um sistema de pensamento ou de uma filosofia que faça a ligação entre essas diferenças e forneça um princípio para tratar todas as pessoas com respeito. Nós, da SGI, incorporamos exatamente essa filosofia. Estamos numa época em que nosso comportamento e nossas ações serão altamente aclamados como a “prática de bodhisattvas do século 21” e a “conduta de budas vivos”.

O conceito budista de “comportamento como ser humano” constitui uma filosofia de ação que oferece um novo modelo de conduta para a raça humana. O mundo necessita urgentemente de pessoas que pratiquem o humanismo e baseiem suas ações nele. A conduta dos membros da SGI de prezar e valorizar cada pessoa é elogiada em muitos países e regiões ao redor do mundo como modelo de humanidade para uma nova era.

(Daibyakurengue, edição de novembro de 2009.)

Notas:

1. Filha do Rei Dragão: Também chamada menina-dragão. Seu pai, Sagara, era um dos oito grandes reis dragões que viviam num palácio no fundo do mar. De acordo com o 12º capítulo do Sutra de Lótus, “Devadatta”, a menina-dragão, de 8 anos, atinge a iluminação após ouvir o Bodhisattva Manjushri pregar o Sutra de Lótus no palácio do Rei Dragão. A iluminação dela é modelo para a iluminação das mulheres, revelando o poder do Sutra de Lótus para todas as pessoas atingirem o estado de Buda da forma como são.

2. Essa frase aparece em Anotações sobre “Palavras e Frases do Sutra de Lótus”, de Miao-lo.

3. O termo “flores humanas” é usado para reconhecer cada pessoa de acordo com sua individualidade. Ela expressa a imagem de florescimento de uma multidão, cada pessoa possuindo uma rica individualidade. Sakya­muni certamente percebeu a característica única de cada indivíduo tão distintamente quanto o fruto e os matizes únicos das flores produzidas pelas árvores, como as diversas cerejeiras e os vários pessegueiros e damasqueiros.

4. Ganância, ira, estupidez, arrogância e dúvida são as cinco tendências ilusórias. Segundo o Repositório de Análise do Dharma, essas tendências constituem a mais fundamental das ilusões ou dos desejos mundanos.

5. Traduzido do japonês. MIKI, Kiyoshi, Jinsei-ron Noto [Pensamentos sobre a Vida: Anotações]. Miki Kiyoshi Zenshu [Obras Completas de Kiyoshi Miki]. Tóquio: Iwanami Shoten, 1966, v. 1, p. 266-268.

6. Ibidem, p. 270.

7. Quatro virtudes: Quatro nobres qualidades da vida do Buda, também conhecidas como os quatro paramitas ou os quatro paramitas da virtude — eternidade, felicidade, verdadeiro eu e pureza. A palavra paramita significa “perfeição”. “Eternidade” refere-se a imutável e eterno. “Felicidade” significa tranquilidade que transcende todo sofrimento. “Verdadeiro eu” é a natureza verdadeira e intrínseca. E “pureza” significa livre de ilusão.

8. Oito ventos: prosperidade, honra, elogio, prazer, declínio, desgraça, censura e sofrimento. Em outra carta a Shijo Kingo, Daishonin diz: “As pessoas dignas merecem ser chamadas assim porque não são arrebatadas pelos oito ventos. (...) Elas não ficam eufóricas com a prosperidade nem arrasadas com o declínio. Os deuses celestiais, com certeza, protegerão aquele que não se curva diante dos oito ventos” (WND, v. 1, p. 794).

9. Em “A estratégia do Sutra de Lótus”, Daishonin declara: “É motivo de alegria ver que sua prudência e coragem habituais, bem como sua firme fé no Sutra de Lótus, possibilitaram-no sair ileso” (WND, v. 1, p. 1000).

10. Daishonin diz: “É ainda mais vital para você se aliar aos quatro vigias noturnos. A moradia que eles tinham conseguido por terem arriscado a vida foi confiscada por seu lorde por causa do Sutra de Lótus, e, mais diretamente, por causa de Nitiren” (WND, v. 1, p. 850).

11. Daishonin escreveu: “Se eles [os quatro vigias noturnos] frequentarem sua casa, seus inimigos ficarão com medo de atacá-lo durante a noite. (...) Contra aqueles que procuram evitar os olhos dos outros, não há guerreiros tão confiáveis como eles. Sempre mantenha relações amistosas com eles” (WND, v. 1, p. 850).

12. Essa famosa parábola consta na escritura budista Therigatha Atthakatha [Comentário sobre o Therigatha].

13. Esse episódio está relacionado no Mulasarvastivada Vinaya. Komponsetsu Issai Ubu Binaya (Mulasarvastivada Vinaya). In: IWANO, Shinyu. (Ed.). Kokuyaku Issaikyo Indo Senjutsubu Ronshubu [Tradução Japonesa das Escrituras Budistas: Obras Compostas na Índia]. Tóquio: Daito Shup­pansha, 1975, v. 88, p. 601-602.


====

[4] “Os Três Tipos de Tesouro” - parte final

A chave da vitória está em acumular o tesouro do coração

Terceira Civilização, Edição 520, 10/12/2011 / Estudo 

Aprendendo com os escritos de Nitiren Daishonin: os ensinamentos para a vitória


TRECHOS DA CARTA

Sempre me lembro do momento, ainda hoje inesquecível, quando eu estava prestes a ser decapitado em Tatsunokuti e o senhor me acompanhou, segurando as rédeas do meu cavalo e derramando lágrimas de tristeza. Não esquecerei disso, seja em que existência for. Se o senhor caísse no inferno por alguma ofensa grave, não importando quão o Buda Sakyamuni me pedisse para me tornar Buda, eu recusaria. Eu preferiria ir para o inferno com o senhor.

Se o senhor e eu, Nitiren, entrarmos juntos no inferno, certamente encontraremos o Buda Sakyamuni e o Sutra de Lótus. (...)

Mas se o senhor, mesmo que ligeiramente, deixar de seguir meu conselho, não me culpe pelo que lhe acontecer. (...) Não lamente aos outros sobre quão difícil é para o senhor viver neste mundo. Agir assim é uma atitude totalmente imprópria para um homem digno (WND, v. 1, p. 850).

***

É muito raro nascer como ser humano. O número de pessoas dotadas de vida humana é tão pequeno quanto a quantidade de terra que se pode colocar sobre uma unha. Viver como ser humano é difícil — tão difícil quanto o orvalho permanecer sobre a grama.

É melhor viver um único dia com honra que viver 120 anos e morrer na desgraça. Conduza sua vida de forma que todas as pessoas de Kamakura o elogiarão e dirão que Nakatsukasa Saburo Saemon-no-jo (Shijo Kingo) é diligente em servir a seu lorde, ao budismo e à sociedade.

O tesouro do corpo é mais valioso que aquele guardado no cofre; e o tesouro acumulado no coração é muito mais valioso que o tesouro do corpo. A partir do momento em que o senhor ler esta carta, esforce-se para acumular o tesouro do coração (WND, v. 1, p. 851).

***

(...)

Confúcio apegava-se à sua crença nos “nove pensamentos para uma palavra”, afirmando que ele pensava nove vezes antes de falar. Tan, o duque de Chou, era tão atencioso em receber seus visitantes, que ficou conhecido por ter interrompido seu banho por três vezes num dia, e sua refeição três vezes em outro, a fim de não deixá-los esperando. Considere esses exemplos cuidadosamente para o senhor não ter motivo para me censurar mais tarde. O que chamamos budismo encontra-se nesse comportamento.

A essência de todos os ensinamentos de Sakyamuni é o Sutra de Lótus, e a chave da prática do Sutra de Lótus está no capítulo “Bodhi­sattva Jamais Desprezar” [Fukyo]. O que significa o profundo respeito que o Bodhisattva Jamais Desprezar demonstrava pelas pessoas? O propósito do advento do Buda Sakyamuni, o lorde dos ensinamentos, neste mundo encontra-se em seu comportamento como ser humano. O sábio deve ser chamado humano, e os tolos são denominados animais (WND, v. 1, p. 851-852).

Em 11 de setembro de 1277.

Nitiren


Explanação

“O tesouro do coração é muito mais valioso que o tesouro do corpo”, diz o Buda Nitiren Daishonin. “Esforce-se para acumular o tesouro do coração!” (WND, v. 1, p. 851) Essa mensagem transmitida a seu discípulo Shijo Kingo, que passava por dificuldades, contém a chave mais importante para vencer na vida.

Nosso coração é nosso tesouro incomparável. Ele é dotado de um potencial incrível e de suprema nobreza. Sua profundidade e amplitude se expandem infinitamente e sua força se desenvolve sem limites. O escritor francês Victor Hugo (1802–1885) escreveu: “Há um espetáculo mais grandioso do que o mar: o céu; há um espetáculo mais maravilhoso do que o céu: a alma humana”.1

Como podemos expandir o reino interior de nossa vida, desenvolver a força interior e acumular o tesouro do coração para termos uma vida melhor? A resposta está na prática da Lei Mística.

Na última parte do escrito, “Os Três Tipos de Tesouro”, Nitiren Daishonin ensina que “o tesouro do coração é o mais importante de todos” (WND, v. 1, p. 851). O tesouro supremo para alcançar a vitória genuína na vida é nossa natureza de Buda. Essa natureza se manifesta a partir do nosso coração, por meio da fé na Lei Mística. Este é um ensinamento fundamental que nunca devemos perder de vista.

Dois meses antes de esta carta ser escrita, Shijo Kingo enfrentou a grave crise de ter seus bens confiscados por seu lorde, Ema. E escolheu defender a fé no Sutra de Lótus, mesmo que isso significasse perder sua propriedade. Daishonin o elogiou por essa postura e o advertiu: “Não importando que mendigo miserável você venha a se tornar, nunca desonre o Sutra de Lótus” (WND, v. 1, p. 824).2

Na verdade, essas palavras ensinam a Shijo Kingo sobre os critérios essenciais que ele deve seguir como praticante — ou seja, que a fé (tesouro do coração) é muito mais importante que seu patrimônio (tesouro do cofre) ou sua posição de samurai (tesouro do corpo). E, de fato, quando Shijo Kingo praticou de acordo com essa orientação — pondo a fé em primeiro lugar — sua difícil situação começou a se resolver. Ao ser chamado para tratar a doença de seu lorde, ele recuperou o apoio e a confiança dele. Ao mesmo tempo, aqueles que tinham hostilizado e atacado Shijo Kingo começaram a sentir as consequências negativas de acordo com a rigorosa lei de causa e efeito.

Em “Os Três Tipos de Tesouro”, Nitiren Daishonin elogia a fé do discípulo, explicando que Shijo Kingo deu o primeiro passo para a vitória com base no princípio: “natureza de Buda se manifesta no interior, surge a proteção exterior (Cf. WND, v. 1, p. 848). No momento em que Shijo Kingo levantou-se com fé inabalável, sua natureza de Buda interior se manifestou; isso ativou as divindades celestiais — as funções benevolentes do Universo — e resultou na proteção externa na forma da confiança renovada do Lorde Ema em Shijo Kingo.

Mas Shijo Kingo ainda se encontrava num ambiente bastante hostil. Neste escrito, Nitiren Daishonin deu várias instruções detalhadas e conselhos para ajudar Shijo Kingo a solidificar as vitórias que ele havia alcançado até então. Ele encoraja seu discípulo a permanecer vigilante contra os ataques, a interagir com os outros de maneira cortês e sincera e a promover boas relações com seus irmãos e companheiros praticantes, tornando-os seus aliados. Daishonin também adverte Shijo Kingo a controlar seu temperamento, chamando sua atenção para o fato de que, se ele sucumbisse a uma crise, causaria uma séria ruptura em suas relações com aqueles ao redor e destruiria o progresso que havia conquistado.

Para alcançar uma vitória inabalável, precisamos desafiar a nós mesmos com seriedade para transformar nosso carma. Esta é também a prática da revolução humana, em que nós nos esforçamos para romper a escuridão interior ou ignorância. O descuido é o maior de todos os inimigos. Se nos permitimos ficar complacentes e perder o espírito de luta, as falhas ou tendências negativas que decorrem de nossa escuridão fundamental aparecerão novamente. Por essa razão, Daishonin enfatiza a questão de que a fé é o supremo tesouro da vida.

Nesta parte, vamos estudar mais uma vez o ensinamento de Nitiren Daishonin segundo o qual o tesouro do coração é o mais valioso de todos.


Os Três Tipos de Tesouros
Terceira Civilização, Edição 520, 10/12/2011 / Estudo
Trecho da carta

Sempre me lembro do momento, ainda hoje inesquecível, quando eu estava prestes a ser decapitado em Tatsunokuti e o senhor me acompanhou, segurando as rédeas do meu cavalo e derramando lágrimas de tristeza. Não esquecerei disso, seja em que existência for. Se o senhor caísse no inferno por alguma ofensa grave, não importando quão o Buda Sakyamuni me pedisse para me tornar Buda, eu recusaria. Eu preferiria ir para o inferno com o senhor.

Se o senhor e eu, Nitiren, entrarmos juntos no inferno, certamente encontraremos o Buda Sakyamuni e o Sutra de Lótus. (...)

Mas se o senhor, mesmo que ligeiramente, deixar de seguir meu conselho, não me culpe pelo que lhe acontecer.

**

“Se chegarem a um beco sem saída, retornem ao ponto primordial” — esta foi a orientação do primeiro presidente da Soka Gakkai, Tsunessaburo Makiguti.

O Sutra de Lótus baseia-se no espírito da unicidade de mestre e discípulo. O Budismo Nitiren também é um ensinamento de mestre e discípulo. Nosso ponto principal como praticantes, portanto, é nosso juramento de lutar junto com o mestre. Se constantemente retornamos a esse ponto primordial de mestre e discípulo, nunca entraremos num beco sem saída.

Nessa passagem, Nitiren Daishonin reafirma o incidente que se tornou o ponto principal na relação deles como mestre e discípulo. Aconteceu durante a Perseguição de Tatsunokuti.3 Como Daishonin estava sendo levado para o local de execução, Shijo Kingo agarrou as rédeas do cavalo de seu mestre e declarou estar preparado para morrer ao lado dele.

Louvando a fé que Shijo Kingo mostrou naquele momento, Nitiren Daishonin chega a ponto de dizer: “Se o senhor caísse no inferno por alguma ofensa grave, não importando quão o Buda Sakyamuni me pedisse para me tornar Buda, eu recusaria. Eu preferiria ir para o inferno com o senhor” (WND, v. 1, p. 850). Encontramos a essência fundamental do ensinamento humanístico de Daishonin em seu espírito de responder sinceramente à genuína devoção de seus discípulos.

Se Nitiren Daishonin e Shijo Kingo — mestre e discípulo defendendo firme fé na Lei Mística — caíssem no inferno, então o Buda Sakyamuni e o Sutra de Lótus com certeza também seriam encontrados lá. Nesse caso, explica Daishonin, deixaria de ser inferno e passaria a ser o reino do estado de Buda. Este é o princípio de que “o inferno pode imediatamente ser transformado na Terra da Luz Eternamente Tranquila”.4

Manifestamos o brilho do mundo do estado de Buda em qualquer lugar. É isso o que ensina o Budismo Nitiren. Nossos dois primeiros presidentes, Tsunessaburo Makiguti e Jossei Toda, unidos pelos laços de mestre e discípulo, comprovaram isso com a própria vida. Numa cela de prisão “fria ao extremo”, conforme a descrição do Sr. Makiguti, ele escreveu: “Dependendo do estado de espírito, mesmo o inferno pode ser agradável”.5 Toda Sensei o acompanhou na prisão e observou: “Mesmo se eu caísse no inferno, não teria a mínima importância para mim. Gostaria apenas de compartilhar o mesmo ensinamento correto com os habitantes de lá e transformá-lo na Terra da Luz Eternamente Tranquila”. Esse espírito é a própria quintessência da fé no Budismo Nitiren.

Enquanto Shijo Kingo não perdesse de vista esse espírito de lutar em conjunto com Daishonin, ele conseguiria triunfar em qualquer lugar e qualquer situação com base no princípio de que “o inferno pode imediatamente ser transformado na Terra da Luz Eternamente Tranquila”. Mas se ele fosse derrotado pela própria fraqueza, perdendo a paciência e deixando de mostrar consideração pelas pes­soas, acabaria se desviando do caminho da unicidade com seu mestre. É por isso que Nitiren Daishonin o adverte repetidamente para ter cuidado. Ele escreveu estas palavras: “Mas se o senhor, mesmo que ligeiramente, deixar de seguir meu conselho, não me culpe pelo que lhe acontecer” (WND, v. 1, p. 850).

A chave da vitória está em alinhar nosso coração ao coração de nosso mestre, que também incorpora fielmente a Lei e a propaga. Se ignorarmos a orientação de nosso mestre e simplesmente nos basearmos em nossa própria mente vacilante, não concluiremos o caminho da prática budista. Um sutra afirma: “Torne-se o mestre de sua mente, em vez de deixar que sua mente o domine”6 (WND, v. 1, p. 502). Somente quando praticamos a fé com o mesmo espírito que nosso mestre nos tornamos mestres de nossa mente e atingimos o estado de Buda nesta existência.

Trecho da carta

Não lamente aos outros sobre quão difícil é para o senhor viver neste mundo. Agir assim é uma atitude totalmente imprópria para um homem digno (WND, v. 1, p. 850).

**

Lamentar os problemas retarda nosso

desenvolvimento espiritual

Nesse trecho, Nitiren Daishonin repreende a lamentação e a autocomiseração. Essa passagem toca o coração das pessoas que estão sempre prontas a lamentar pelas questões que estão além de seu controle. Todos são suscetíveis de agir assim. Mesmo Shijo Kingo, que estava preparado para dar a vida junto com Daishonin num momento crucial, tendia a ter problemas de relacionamento por sua rigidez e sua franqueza, e pode ter começado a reclamar. Ao aconselhar Shijo Kingo a não sair por aí lamentando para outras pessoas, Daishonin ressalta que ficar reclamando dos próprios problemas ou infortúnios não é o modo de vida do sábio, mas, sim, do tolo.

Nitiren Daishonin escreveu: “Se um homem se comporta desta maneira [infeliz], depois que morre, sua esposa, dominada pela tristeza por ter perdido o marido, contará às outras pessoas sobre as coisas vergonhosas que ele fez, embora ela não tenha nenhuma intenção de fazê-lo. De modo algum isso será culpa dela. É apenas o resultado do comportamento repreensível dele” (WND, v. 1, p. 850).

Reclamar alimenta a fraqueza e a negatividade da pessoa e torna-se uma causa para a estagnação. Daishonin ensina a Shijo Kingo que parar de se lamentar e desafiar a conquista da revolução humana é o caminho certo para a vitória na vida.

Trecho da carta

É muito raro nascer como ser humano. O número de pessoas dotadas de vida humana é tão pequeno quanto a quantidade de terra que se pode colocar sobre uma unha. Viver como ser humano é difícil — tão difícil quanto o orvalho permanecer sobre a grama.

É melhor viver um único dia com honra que viver 120 anos e morrer na desgraça. Conduza sua vida de forma que todas as pessoas de Kamakura o elogiarão e dirão que Naka­tsukasa Saburo Saemon-no-jo (Shijo Kingo) é diligente em servir a seu lorde, ao budismo e à sociedade (WND, v. 1, p. 851).

**

Tornem-se verdadeiros vencedores na vida

“É muito raro nascer como ser humano. O número de pessoas dotadas de vida humana é tão pequeno quanto a quantidade de terra que se pode colocar sobre uma unha. Viver como ser humano é difícil — tão difícil quanto o orvalho permanecer sobre a grama.” Assim, Nitiren Daishonin indica que nossa vida como seres humanos é insubstituível e cada dia e cada momento são preciosos.

“É melhor viver um único dia com honra que viver 120 anos e morrer na desgraça” (WND, v. 1, p. 851), declara Daishonin, destacando o critério para o verdadeiro mérito na vida. O verdadeiro mérito como ser humano surge a partir do que decidimos tornar o propósito de nossa vida e como vamos alcançá-lo.

Nitiren Daishonin oferece essa orientação específica para seu discípulo com o desejo de que ele seja bem-sucedido num nível mais fundamental: “Conduza sua vida de forma que todas as pessoas de Kamakura o elogiarão e dirão que Nakatsukasa Saburo Saemon-no-jo (Shijo Kingo) é diligente em servir a seu lorde, ao budismo e à sociedade” (WND, v. 1, p. 851). Isso implica três áreas específicas em que Shijo Kingo precisa vencer: (1) reconstruir uma relação de confiança mútua com seu lorde; (2) continuar a empreender esforços constantes como praticante da Lei Mística; e (3) conquistar a confiança daqueles que o cercam.

O tesouro do coração brilhará nesses três empreendimentos. Em outras palavras, somos verdadeiramente vitoriosos quando manifestamos o brilho de nossa natureza de Buda em todos os aspectos da vida.

Nitiren Daishonin nos ensina a mostrar a prova real da vitória lutando para viver de forma a conquistar o elogio e a admiração dos que nos rodeiam. Isso oferece uma importante orientação sobre o que constitui a prova real da vitória no Budismo. Em suma, a vitória fundamental deriva do brilho interior de nossa humanidade que, naturalmente, atrai a admiração dos outros. Um ponto importante de nossa luta em prol do Kossen-rufu é cada um de nós conquistar a confiança e o respeito na sociedade.

O poder de nossa humanidade como budistas inspira o elogio e o reconhecimento das pessoas. Em outras palavras, quando cultivamos o tesouro do coração, ganhamos a confiança dos outros e a elevada consideração como indivíduos de caráter exemplar. Nossa natureza de Buda se manifesta como o brilho de nossa humanidade e toca o coração até mesmo de quem não pratica o Budismo Nitiren.

“Há algo diferente nessas pessoas. Elas têm um brilho especial!” Assim, os demais vão pensar sobre os membros da SGI. Conquistar tamanha confiança das pessoas é a prova real e definitiva do poder da prática budista.

As relações de Shijo Kingo com aqueles ao seu redor — o Lorde Ema, os membros da família dele, seus colegas de trabalho, irmãos e companheiros de prática — estavam longe de ser pacíficas. Houve casos em que, provavelmente, sua obstinação criou problemas. Porém, sem resolver esses problemas, ele não venceria na fé.

Por isso, Daishonin o estimula a melhorar seu caráter e mostrar a prova real por meio de uma grandiosa revolução humana. Era seu desejo que Shijo Kingo, como figura central entre seus discípulos em Kamakura, se tornasse um líder admirável na sociedade e levasse uma vida de profundo significado. Sem dúvida, essa conduta era baseada na orientação de Nitiren Daishonin que o encorajava a conquistar o reconhecimento do povo em Kamakura.

Trecho da Carta

O tesouro do corpo é mais valioso que aquele guardado no cofre; e o tesouro acumulado no coração é muito mais valioso que o tesouro do corpo. A partir do momento em que o senhor ler esta carta, esforce-se para acumular o tesouro do coração (WND, v. 1, p. 851).

**

Um caráter plenamente polido é inestimável

A passagem acima é a mais conhecida deste escrito. “Guardado no cofre” indica os bens materiais; o “tesouro do corpo” significa aspectos como a saúde ou as habilidades adquiridas; e o “tesouro do coração”, num determinado nível, remete à abundância de riquezas espirituais e materiais e, num nível mais fundamental, refere-se à fé e ao brilho da natureza de Buda polida por essa fé.

Nessa passagem, Nitiren Daishonin indica a ordem de prioridade dos três tipos de tesouro e apresenta um claro padrão de valor.

Shijo Kingo estava diante da possibilidade de perder suas terras. A posse dessa propriedade representava uma fonte de renda importante para ele e sua família. Entretanto, Daishonin insiste que muito mais valioso que o tesouro guardado num cofre e o tesouro do corpo é o tesouro do coração. O acúmulo desse tesouro interior, diz ele, é a base para toda vitória.

O fato de Shijo Kingo enfrentar sua situação baseado na fé na Lei Mística corresponde a depositar o valor mais alto no tesouro do coração. O resultado é sempre a vitória absoluta! É por essa razão que Nitiren Daishonin esclarece este ponto como uma diretriz universal e imutável para a vitória em todas as áreas da vida.

Quando nos baseamos no tesouro do coração, o verdadeiro valor dos tesouros do cofre e do corpo também se torna abundante em nossa vida. Em suma, precisamos fazer do acúmulo do tesouro do coração nosso principal objetivo na vida. Se perdermos de vista esse objetivo e procurarmos acumular o tesouro do cofre e o tesouro do corpo, isso só dará origem ao apego. Quando tal fato ocorre, o medo de perder esses tesouros materiais ou físicos se torna uma causa para o sofrimento. Por isso, é importante acumular o tesouro do coração, pois reflete um senso correto de propósito na vida.

Trecho da Carta

Confúcio apegava-se à sua crença nos “nove pensamentos para uma palavra”,7 afirmando que ele pensava nove vezes antes de falar. Tan, o duque de Chou,8 era tão atencioso em receber seus visitantes, que ficou conhecido por ter interrompido seu banho por três vezes num dia, e sua refeição três vezes em outro, a fim de não deixá-los esperando.9 Considere esses exemplos cuidadosamente para o senhor não ter motivo de me censurar mais tarde. O que chamamos budismo encontra-se nesse comportamento (WND, v. 1, p. 851).

**

Ser sincero é a base do Budismo

O Budismo Nitiren não existe separado da realidade da vida.

Nitiren Daishonin preocupava-se muito com o temperamento explosivo de Shijo Kingo. Ao dizer que ele gostaria de relatar “um incidente que é habitualmente mantido em segredo”10 (WND, v. 1, p. 851), Daishonin compartilha com seu discípulo a história do irascível imperador Sushun (r. 587-592) [morto num complô arquitetado por um de seus criados]. Esta é uma lição sobre o que pode acontecer quando a pessoa mostra abertamente sentimentos de antipatia com os outros (Cf. WND, v. 1, p. 851).

Em seguida, Daishonin menciona o exemplo do grande filósofo chinês Confúcio. Este escolhia as palavras com tanto cuidado que pensava nove vezes antes de falar. Daishonin cita também a atitude do duque de Chou, na China antiga. Ele era tão preocupado em não fazer seus convidados esperarem que interrompia as refeições ou o tempo do banho para recebê-los. Por meio desses exemplos, Daishonin ressalta a necessidade de pensar de forma prudente e ter uma conduta sincera em nossas interações com os outros.

“Considere esses exemplos cuidadosamente”, diz Daishonin, procurando deixar essa mensagem gravada no coração de Shijo Kingo. Ele sentia que seu discípulo não seria capaz de alcançar a verdadeira vitória na vida se não superasse o temperamento esquentado — uma falha que causaria sua queda — e se não acumulasse sinceramente o tesouro do coração. É por essa razão que Daishonin chega a ponto de dizer: “O que chamamos budismo encontra-se nesse comportamento”.

A expressão máxima do Budismo é nosso comportamento como seres humanos. Confúcio e o duque de Chou manifestaram sua filosofia pessoal e sua crença em suas ações. Da mesma forma, a menos que expressemos em nossa conduta o tesouro supremo do coração exposto no Budismo — ou seja, a natureza de Buda se manifestando a partir de dentro —, não conseguiremos mostrar a prova real do poder da fé nem realizar o Chakubuku. Por isso, no final desta carta, Daishonin discute a importância de nosso comportamento como seres humanos.

Trecho da Carta

A essência de todos os ensinamentos de Sakyamuni é o Sutra de Lótus, e a chave da prática do Sutra de Lótus encontra-se no capítulo “Bodhisattva Jamais Desprezar” [Fukyo].11 O que significa o profundo respeito que o Bodhisattva Jamais Desprezar demonstrava pelas pessoas? O propósito do advento do Buda Sakyamuni, o lorde dos ensinamentos, neste mundo encontra-se em seu comportamento como ser humano. O sábio deve ser chamado humano, e os tolos são denominados animais (WND, v. 1, p. 851).

**

O propósito fundamental do Budismo está no comportamento como ser humano

Na conclusão de “Os Três Tipos de Tesouro”, Daishonin afirma que o Sutra de Lótus é a essência dos ensinamentos da vida de Sakyamuni. Diz ainda que a chave da prática ensinada no Sutra de Lótus está no comportamento do Bodhisattva Jamais Desprezar [Fukyo]. Esse comportamento consta no capítulo “Bodhisattva Jamais Desprezar” e ensina como viver de acordo com a fé no ensino da iluminação universal.

Compreendendo a verdade de que todos são Budas [iluminação universal] quando observados da perspectiva fundamental da vida, o Bodhisattva Jamais Desprezar reverenciava todos com quem se encontrava, não importando quão fosse perseguido e atacado. Este é o comportamento de quem realmente incorpora o espírito do Sutra de Lótus.

Diz-se que o Sutra de Lótus representa a finalidade do surgimento de Sakyamuni neste mundo. A razão de o Sutra de Lótus descrever a prática do Bodhisattva Jamais Desprezar, que incorpora o espírito do Sutra, é indicar que o propósito do surgimento de Sakyamuni neste mundo está em seu comportamento como ser humano.

Nitiren Daishonin observa que “A Lei não se propaga por si mesma. Por ser propagada pelas pessoas, tanto a Lei como as pessoas tornam-se dignas de respeito” (Gosho Zenshu, p. 856).12 Conforme essa frase, a grandiosidade da Lei ou do ensinamento só é transmitida e difundida quando expressa nas ações humanísticas e no comportamento daqueles que a abraçam.

O tesouro do coração é invisível aos olhos. Quando esse tesouro é expresso de forma concreta, com ações respeitosas com os outros, demonstra às pessoas o poder da Lei Mística e da natureza de Buda.

Considerar o tesouro do coração como o mais valioso de todos (Cf. WND, v. 1, p. 851) reflete um senso de valores relacionado com o que é mais importante e precioso na vida. Demonstrar respeito pelos outros em nossas ações constitui o padrão do nosso comportamento como budistas, tendo como base esse senso de valores, ou seja, o tesouro do coração.

O comportamento respeitoso do Bodhisattva Jamais Desprezar incorpora o ensinamento do Sutra de Lótus, que expõe a verdadeira intenção do Buda de conduzir todas as pessoas à iluminação. Portanto, o respeitoso comportamento do Bodhisattva Jamais Desprezar é a verdadeira intenção do Buda.

Manifestar o estado de Buda é um benefício da fé na Lei Mística. O comportamento de quem incorpora esse benefício é a prova real da grandiosidade da Lei Mística. O comportamento dessas pessoas caracteriza-se pelo respeito aos outros.

Com base no Sutra, vamos reconfirmar como o Bodhisattva Jamais Desprezar — que foi Sakyamuni numa existência anterior — viveu de maneira sempre respeitosa em relação às pessoas.

No início do 20º capítulo, “Bodhisattva Jamais Desprezar”, Sakyamuni explica que quem calunia o Sutra de Lótus terá uma severa retribuição por suas ofensas. Ele diz ainda que a pessoa caluniada por defender o Sutra de Lótus receberá o benefício da purificação dos seis órgãos dos sentidos13 (cf. LSOC, v. 20, p. 307 [LS, v. 20, p. 265]).14

Para exemplificar, Sakyamuni introduziu a prática do Bodhisattva Jamais Desprezar. Esse bodhisattva apareceu nos Médios Dias da Lei15 após a morte do Buda Rei Som Maravilhoso. Era uma época em que os monges arrogantes detinham muito poder, mas o ensinamento correto da Lei estava em declínio. Naquela ocasião, o Bodhisattva Jamais Desprezar curvou-se em reverência aos quatro tipos de crentes que eram despoticamente arrogantes — monges, monjas, leigos e leigas —, dizendo-lhes: “Eu os reverencio profundamente, e jamais ousaria tratá-los com desprezo ou arrogância. Por quê? Porque os senhores estão praticando o caminho de bodhisattva e certamente atingirão o estado de Buda” (LSOC, v. 20, p. 308 [LS, v. 20, p. 266-267). Essa declaração expressa o ensinamento central do Sutra de Lótus de que todas as pessoas podem alcançar a iluminação e é chamado “Sutra de Lótus de vinte e quatro caracteres” [em referência ao número de caracteres chineses que compõem a passagem]. A prática do Bodhisattva Jamais Desprezar consistia em fazer reverência diante das pessoas e cumprimentá-las com essas palavras.

No entanto, os quatro tipos de crentes ficaram cheios de arrogância e desprezo. Eles respondiam à sincera demonstração de respeito com ofensas e insultos; alguns até mesmo batiam no Bodhisattva Jamais Desprezar com paus ou atiravam-lhe pedras. Por ter suportado essas perseguições, ele conseguiu “acabar com as ofensas deles”16 (Cf. LSOC, v. 20, p. 312 [LS, v. 20, p. 270]) e transformar seu carma.

Uma vez que o Bodhisattva Jamais Desprezar estava se aproximando da morte, o Sutra conta como ele ouviu no ar os inúmeros versos do Sutra de Lótus, anteriormente pregados pelo Buda Rei Som Maravilhoso. Ao abraçar a todos, o Bodhisattva Jamais Desprezar obteve o benefício da purificação dos seis órgãos dos sentidos, estendeu sua vida por “210 milhões de nayuta de anos”, continuou a pregar o Sutra de Lótus, atingiu o estado de Buda e renasceu como Sakyamuni (Cf. LSOC, v. 20, p. 309-310 [LS, v. 20, p. 267-268]).

Em contraste, os quatro tipos de crentes que perseguiram esse Bodhisattva passaram por grandes sofrimentos durante um longo período de milhares de kalpa como resultado de terem cometido essas ofensas. Quando todas elas expiaram, reencontraram o Bodhisattva Jamais Desprezar e receberam suas instruções (Cf. LSOC, v. 20, p. 310-311 [LS, v. 20, p. 268-269]).

Assim, mostrar respeito pelos outros por meio do comportamento tem o poder de mudar nossa vida, transformando o carma e purificando nossos seis órgãos dos sentidos. Ao compartilharmos respeitosamente os ensinamentos do Sutra de Lótus com outras pessoas por meio de nosso exemplo de conduta como ser humano, atingimos o estado de Buda. Quando o nosso comportamento realiza o Chakubuku, incorporamos o princípio da iluminação universal em nossa vida.

Realizar o Chakubuku por meio de nosso exemplo de conduta como ser humano sem recuar diante das dificuldades é a prática capaz de conduzir todas as pessoas à iluminação. Essa prática ilumina brilhantemente até mesmo a vida de quem calunia e persegue os praticantes que incorporaram o princípio da iluminação universal.

Em suma, a atitude do Bodhisattva Jamais Desprezar é o caminho direto para nos tornarmos budas. O grande desejo de conduzir todas as pessoas à iluminação só é possível porque o Buda ensinou a importância de nosso comportamento como seres humanos. Por essa razão, Daishonin afirma que este é “O propósito do advento do Buda Sakyamuni, o lorde dos ensinamentos” (WND, v. 1, p. 852).

Nitiren Daishonin sempre demonstrou respeito pelos outros por meio de suas ações. A natureza de Buda com toda certeza se manifestará na vida daqueles que despertam e mantêm a fé na Lei Mística, não importando quão a época seja ruim. O comportamento como seres humanos certamente pulsa com a sabedoria fundamental da filosofia da prática do respeito pelos outros.

A prática do Chakubuku realizada por Daishonin, de refutar rigorosamente o erro, se fundamenta em três pontos: no espírito de benevolência com o indivíduo que está enganado; no sentimento de preocupação pela felicidade das pessoas; e no desejo fervoroso de concretizar a paz e a segurança da nação. É uma luta para refutar o falso e revelar o verdadeiro com o sentimento de respeito pela natureza de Buda de todas as pessoas.

O Chakubuku no Budismo Nitiren baseia-se numa filosofia de respeito aos outros. Isso significa refutar o erro daqueles que desrespeitam a vida das pessoas. Baseando-se nesse entendimento, Daishonin indica que, mesmo na era maligna dos Últimos Dias da Lei, precisamos agir de maneira prudente e respeitosa em vez de simplesmente nos apressar para refutar o erro.

Afirmar a verdade de forma plena e explícita também é Chakubuku. Os Últimos Dias da Lei são uma época repleta de desconfiança e medo decorrentes de uma sociedade onde as pessoas não são respeitadas e não há consideração pela vida. Numa época assim, o Chakubuku significa levantar-se só e segurar bem alto a bandeira do respeito pelos seres humanos e pela dignidade da vida. Esta é também a corajosa prática do Chakubuku.

Como sempre afirmo, a solução dos diversos problemas de nosso planeta no século 21 depende do foco no ser humano. Esta é uma consciência compartilhada por muitos pensadores, ativistas da paz e conscientes líderes políticos.

Como transformamos a escuridão fundamental inerente na vida das pessoas? Como expandimos a solidariedade de quem se dedica à causa do bem? E como construir uma sociedade na qual o humanismo e a coexistência harmoniosa prevaleçam?

A SGI está tomando medidas para desbravar um caminho magnífico de diálogo intercultural e inter-religioso no sentido de encontrar respostas a essas perguntas. Ao transcender todas as diferenças e superar barreiras de etnia e nacionalidade, estamos construindo um mundo de intercâmbio amplo e aberto entre os seres humanos. A filosofia da SGI baseia-se no ensinamento do Sutra de Lótus de respeito aos outros por meio de nossas ações, bem como nos princípios de que toda mudança começa dentro de nós mesmos e do acúmulo do tesouro do coração.

As pessoas ao redor do mundo têm grande expectativa com relação à filosofia humanística da SGI. Nossos esforços em realizar a revolução humana proporcionam esperança para a humanidade.

Entramos numa época na qual os esforços sinceros de nossos membros, que estão pondo em prática o comportamento humanístico ensinado por Nitiren Daishonin, conquistam confiança e compreensão numa escala global.

Conclui-se aqui a explanação em três partes de “Os Três Tipos de Tesouro”.

Orando pela grande vitória no trabalho e na vida dos integrantes da Divisão Sênior e de todos os nossos membros no Japão e no mundo inteiro.

(Daibyakurengue, edição de dezembro de 2009.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário